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poetaporkedeusker

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UM BLOG SOBRE SONETO CLÁSSICO

Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores. ...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
22
Out20

GATILHOS - Coroa de Sonetos -

Maria João Brito de Sousa

gatilhos.jpg

GATILHOS
***

COROA DE SONETOS
***


Helena Teresa Ruas Reis e Maria João Brito de Sousa
***

1
*

Não apontes gatilhos para os céus

Que o pássaro que voa é também teu.

Não sabes porque voa, nem sei eu,

Mas deixa-o voar, até ver Deus…
*

À mosca pequenina não a mates,

Enxota-a p’la janela com cautela,

Se existe, haverá quem a use a ela.

P’lo incómodo que dá é que lhe bates?
*

Humano ou ser-humano, afinal qu’ és?

Bicho racional… por que razão?

Por ter inteligência, coração?
*

À natureza julgas a teus pés,

Que só para ti é tudo o que vês!

Cuidar dela tem eco em teus porquês?
*

Helena Teresa Ruas Reis - 16/10/2020
***

2
*

"Cuidar dela tem eco em teus porquês(?)",

Ou tens empedernido o coração

E não sabes amar nem o que vês?

Não saberás, então o que é razão!
*

Um sem a outra, ou um de cada vez,

Não saberão cumprir sua função;

Coração sem razão será talvez,

Um ógão que traz malformação...
*

Cuidado, nunca apertes um gatilho

Por muito tentador que seja o brilho

Do troféu que do tiro possa vir
*

E tem também cuidado c`o rastilho

Não venhas a arranjar algum sarilho;

Quando activada, a bomba irá explodir.
*

Maria João Brito de Sousa - 16.10.2020 - 14.47h
***


3
*

“Quando activada a bomba irá explodir”

E o pobre coração, sem ter razão,

Se vê num descompasso, a decair,

Que o peito sem um pleito é já prisão.
*

 

Enferruja o gatilho e se desarma!

Fibrilhação sem fé, desordenada,

Cá dentro despoleta como uma arma

Um rastilho que explode. Fica o nada.
*

 

Que resta da manhã em seu esplendor

Se nada vês, tolhido já de dor

Tu que ias ainda agora tão lançado.
*

Mais vale sossegar desse furor,

Sentir que ter cuidado é amor!

Mais vale sossegar bem sossegado.
*

 

Helena Teresa Ruas Reis - 16/10/2020 - 20.24h
*

4
*

"Mais vale sossegar bem sossegado"

E amainar um pouco esse alvoroço

De correr como um tonto apaixonado;

- Senhora, bem sabeis que nada posso
*

Contra este meu pulsar descompassado,

Que sempre me apaixono como um moço!

- Ah, coração, que ficas destroçado

E que a mim me transformas num destroço!
*

- Que hei-de fazer, senhora, se estou vivo

E se da poesia estou cativo

Por mor de um "fogo que arde sem se ver"? 1)
*

- Corre então, coração. Não mais te privo

Desse amor que te aperta como um crivo;

És o gatilho que me irá perder!

*


Maria João Brito de Sousa - 16.10.2020 - 21.02 h
*

1) Alusão ao soneto "Amor é Fogo que Arde sem se Ver" de Luiz Vaz de Camões.
***

5
*

“És o gatilho que me irá perder”

N’ aquela triste e leda madrugada

Em que, querendo, já não possa ver

Nem decorrer do dia nem noitada.
*

Oh, aves do meu voo p’ra viver

Levai-me! Levantai-me dessa estrada!

Lá do alto tudo posso conhecer,

A águia guerreira ou a cigarra.
*

Hei-de ver todo o mundo num começo,

À bela natureza que estremeço,

Ao planar com as asas da aventura.
*

Se de novo te usar, ó terra, peço:

Que seja eu perdoada, se mereço,

Mas não mais te darei qualquer tortura.
*

Helena Teresa Ruas Reis - 17/10/2020 - 10,18 h
***

6
*

"Mas não mais te darei qualquer tortura"

Disseste, engatilhado coração;

Sei bem que essa intenção é franca e pura,

Mas sabes tu fugir duma paixão
*

Se és como fruta que não está madura,

Se vais pulsando em louca incontenção,

Se sobre mim exerces ditadura

E, sem razão, me privas da razão?
*

Terás o monopólio da loucura?

Serás senhor da tua própria cura,

Ou escravo dessa eterna frustração?
*


Gatilho és... e à beira da ruptura

Com o tempo que, assim, pouco te dura;

Não tarda, acabarás na tal explosão!
*

Maria João Brito de Sousa - 17.10.2020 - 10.59h

***

7
*

“Não tarda, acabarás na tal explosão”

Bem como esse planeta já cansado.

Inconsequente e pobre coração,

Tu sempre serás meu apaixonado!
*

 

A ciência é vã como ilusão…

Um só impulso vence o mais letrado.

Pensar que estás em mim é perdição,

Pois és somente um músculo alheado.
*

 

Engatilhar-me-ei? Digo que não!

Dei tempo ao tempo, sou nova estação,

Passei calor e o frio mais gelado.
*

 

Em voos, não temi, cruzei trovão,

Contigo padeci, pássaro irmão,

Assim, hoje me sinto renovado.
*

 

Helena Teresa Ruas Reis - 17/10/2020 - 22,09 h
***

8
*

"Assim hoje me sinto renovado"

Mas se não fosse a Ciência reconheço

Que há muito que estaria condenado;

Dela estou dependente e pago o preço
*

Que um músculo serei mas, se parado,

Tudo pára comigo. E recomeço...

À ciência devo este pulsar descompassado

Menos mau que a paragem que não esqueço.
*

E o longo vôo no qual me despeço

Do muito ou pouco que de mim conheço

E do tanto que amei demasiado.
*

Mais do que isto não posso, nem mereço;

Nasci, cresci... estou gasto e já cansado

De impulsionar um sangue velho e espesso.
*


Maria João Brito de Sousa - 18.10.2020 - 11.08h

***

9
*

“De impulsionar um sangue velho e espesso”,

Das veias entupir com inclemência?

Tudo isso viraria pelo avesso

Se no vício usasse de prudência.
*

 

Terei de dar-lhe um novo recomeço

Ou nem me salvará a providência…

Coragem (!) ou desmaio e desfaleço

À míngua de alento e apetência.
*

 

Como terá um músculo indulgência

Como há-de ‘inda usar de sapiência

Em meio ao sobressalto e ao tropeço?
*

 

Pois digo-lhe: Sou eu, mesmo em demência,

Quem buscará salvá-lo em abrangência.

P’lo lema que adoptei, não desfaleço!
*

 

Helena Teresa Ruas Reis - 18/10/2020 - 17,25 h
***
10
*

"P`lo lema que adoptei, não desfaleço(!)"

Mas engatilha o SAAFs o meu pulsar

Congénito, certeiro e sem apreço

Pelo que eu decidir, ou não, tomar.
*

Sou um ser racional e tudo meço

Mas do que em mim trazia ao despontar

Ninguém me perguntou se tal começo

Estaria, ou não, disposta a enfrentar.
*

Lá trouxe, engatilhado, este defeito

Que não se manifesta só no peito,

Mas todo o corpo deixa em tal mau estado
*

Que só se for tratado com preceito

Vai deixando viver quem está sujeito

Ao defeito que trouxe engatilhado 
*


Maria João Brito de Sousa - 18.10.2020 - 18.15h

***

11
*

 

“Ao defeito que trouxe engatilhado”

Sem para tal ser perdido ou ser achado,

Feia a doença e feio o nome dado

Como se fosse fruto de pecado,
*

 

A toda a natureza que se expressa

Com um tiro zangado que arremessa

Ao local onde atinja bem depressa

Aquele alvo, de culpa não confessa,
*

 

Respondo, que não pode interferir

Esse mesmo que irias atingir.

Pode somente, como bem o sabes,
*

 

Fazer-te ter vontade, ultrapassar,

Querer ainda assim retaliar

E será bem possível que te SAAFS…
*

Helena Teresa Ruas Reis - 18/10/2020 - 22,30 h
*

12
*


"E será bem possível que te SAAFS",

E que, com sorte, vivas uns aninhos

Lucidamente, sem cometer gafes,

Sem que troques os ovos pelos ninhos
*

Ainda que, por vezes, tu agrafes

Desalinhadamente uns papelinhos

E que ao lavar dois pratos tu te estafes

Tanto quanto em escalada aos Capelinhos...
*

Repara, engatilhado coração,

Que ambos vamos na mesma direcção;

Eu não vivo sem ti e tu, sem mim,
*

Não serves pra ninguém. Fosses tu são!

Mas furado e depois cerzido à mão...

Nem para doação serves, assim!
*


Maria João Brito de Sousa - 19.10.2020 - 11.28h
***

13
*

 

“Nem para doação serves, assim!”

E já que és meu, vamos disfrutar.

Se foi pela natureza que aqui vim,

De ti e também dela vou cuidar.
*

 

Perdoa que te estafe só um pouco...

Voando até Paris vou viajar.

Irás à Torre Eiffel quase em sufoco

Nos versos do soneto eu hei-de amar!
*

 

De lá de cima o Mundo. Uma vertigem…

O receio que a tudo nos infringem

Dará visão magnânima da vida.
*

 

Nos versos dirimindo o medo virgem,

Mais alto que montanha as rimas cingem

A força de vontade não contida.
*

 

Helena Teresa Ruas Reis - 20/10/2020 - 10,40 h
***

14
*

"A força de vontade não contida"

Engatilha-me os versos desarmados

E reconduz-me ao longo desta vida

Não sei se inteiro, se feito em bocados
*


Que indomado serei. Vendo saída

Não me detenho sobre estes telhados;

Muito mais alto vôo de seguida

E dou comigo em céus não navegados
*

Sem bússola, nem leme ou capitão

Que dome esta loucura, esta paixão

De voar inda além dos sonhos meus.
*

Humano sendo, esta contradição

Não me impede de impor-te este senão:

"-Não apontes gatilhos para os céus"!
*


Maria João Brito de Sousa - 20.10.2020 - 11.20h

 

 

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