FOI NUM NATAL MUITO FRIO
FOI NUM NATAL MUITO FRIO
*
I
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Era o Inverno mais frio
De que podia lembrar-se,
Mas nem tentou lamentar-se:
Se gritou, ninguém ouviu
*
Corressem-lhe, embora, a fio
As águas, a agigantar-se
Cada dor até soltar-se
O filho que então pariu...
*
Era o vento que soprava,
E era a chuva que, impiedosa,
Açoitava o velho quarto
*
Mas só no filho pensava
Quando sobre a colcha rosa
Suportava as dores do parto
*
II
*
Nunca teve anjo, nem estrela
Que a viesse iluminar,
Só o menino a chorar,
Num cestinho à luz da vela
*
A criança, o cesto e ela,
O improviso de um lar
Onde ela o põe a mamar
Sob um céu que a agride e gela...
*
Não veio nenhum rei mago
Trazer-lhe ouro, incenso e mirra,
E nem sequer José veio
*
Fazer-lhe um pequeno afago
Na desmedida barriga
Nem dar-lhe um pão de centeio
*
III
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Nesse Dezembro gelado,
Nem vaquinha, nem burrico,
Só da chuva algum salpico
Saudou o recém chegado
*
Pequenino ali deitado,
Tão pobre e de amor tão rico
Quão emocionada fico
Por havê-lo aqui citado...
*
Mas esse menino existe!
Citá-lo é citar milhares
De crianças sem futuro,
*
Ou na situação mais triste
Que, sem esforço, imaginares
Se o teu coração for puro.
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Mª João Brito de Sousa
27.11.2022 - 18.30h
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Poema em sonetilhos inspirado no título do poema de Dália Micaelo
"Era o Inverno Mais Frio..."