ESTA VELHA MENINA - Coroa de Sonetos - Maria João Brito de Sousa e Jay Wallace Mota
ESTA VELHA MENINA
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(Desgaste)
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Coroa de Sonetos
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Maria João Brito de Sousa e Jay Wallace Mota
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1.
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Esta menina, velha quanto baste,
Exibe uma grisalha cabeleira
E muito embora brinque, inda faceira,
Já dos anos acusa um bom desgaste.
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Sorriu quando menina lhe chamaste,
Mas já percorre a rampa derradeira
Que a reconduz à última fronteira
E se aproxima, por mais que ela a afaste.
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Menina que o não é mas já o foi
E que já deve um tempo à sepultura,
Sabe bem quanto custa e quanto dói
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Contrariar um mal que não tem cura
E a chaga que desgasta e que corrói
O fio/pavio da chama que a segura.
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Maria João Brito de Sousa - 12.04.2021 - 16.24h
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Ao Gil
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2.
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O fio/pavio da chama que a segura
Já desafia a própria medicina!
E a morte, que já torce pela cura,
Parou pra ouvir os versos da menina!
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E vê-se que a trevosa criatura
Se curva mais e mais a cada rima,
Mas logo então corrige tal postura,
Num gesto de respeito a uma obra prima!
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E de repente tomba de joelhos,
Abre seus olhos frios e sem celhos,
Voltando o negro rosto para cima!
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E num murmúrio, rouco e gutural,
A morte, numa prece surreal,
Suplica pela vida da menina!
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Belém, 13 de abril de 2021.
Jay Wallace Mota.
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3.
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"Suplica pela vida da menina(!)"
Aquela a quem cabia terminá-la
Pois, vendo que a menina se não cala,
Quer aprender as coisas que ela ensina.
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A Morte que, sem culpa, é assassina,
Ao lado da menina então se instala
E, sendo surda e muda, agora fala
Na voz de cada verso que germina!
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Mal se sinta, a menina, mais cansada,
Coberta de mazelas e dorida,
Logo virá a Morte transmutada
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Em curandeira, prolongar-lhe a vida;
"Vá, escreve um pouco mais! Como me agrada
Saber-te por mim mesma protegida!"
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Maria João Brito de Sousa - 13.04.2021 - 15.36h
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4.
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“Saber-te por mim mesma protegida!”
Exclama a própria Morte seu dilema!
Assim, entre matar ou dar a vida,
Lisonjeada, optou por um poema!
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Sabendo que abrir mão da própria lida
Encerra sua escolha mais extrema,
Porém estava mesmo convencida
Que a tal postergação valia a pena!
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Assim, ora enfermeira, ora aprendiz,
A Morte, a cada verso, mais feliz,
Concede, por mais tempo, um novo aval,
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E assim, fazendo versos à cada hora,
A poetisa dribla a Morte agora
E a poesia ganha uma imortal!
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Jay Wallace Mota.
Belém, 13/04/2021, às 15:12h.
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5.
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"E a poesia ganha uma imortal"
Que apenas o será enquanto viva...
Mas, sim, parece a Morte estar cativa
Dos sonetos que eu escreva, bem ou mal,
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E, agora, não a tenho por rival
Que se tornou, a Morte, criativa;
Viu-se, talvez, sob uma perspectiva
Que lhe não era nada habitual...
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Eu, como Xerazade, vou criando,
Soneto após soneto, sem parar,
E, por cada soneto, conquistando
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Direito a mais um dia sem expirar;
Não posso é garantir-vos até quando
Vou conseguir a Morte fascinar...
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Maria João Brito de Sousa - 13.04.2021 - 20.0
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6.
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“Vou conseguir a Morte fascinar!”
Arguis, com a modéstia costumeira,
Pois ante o teu talento singular,
Subestimas o gosto da parceira!
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Que já mostrou saber apreciar
Os teus poemas, duma tal maneira,
A ponto de por eles adiar
Tua morte, fazendo-se videira!
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Mas se acaso o cansaço te vencer,
Antes que a Morte possa perceber,
E pense, finalmente, em te ceifar,
*
Propõe, com um dos teus fechos perfeitos,
Fazer uma coroa de sonetos
E a Morte nunca mais vai te matar!
Jay Wallace Mota.
Belém, 13 de abril de 2021, às 17:55h.
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7.
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"E a Morte nunca mais te vai matar(!)",
Dizes-me tu que estás bem longe dela,
Mas eu, que a sei de cor, que estou com ela
Plasmada nalgum céu por inventar,
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Não sei que mais fazer para a acalmar...
Sou a pálida chama de uma vela
E nem o brilho imenso de uma estrela
Conseguiria a Morte iluminar!
*
Não desisto, porém! Se sou poeta
Aquilo que me move é muito forte
E mendigar-lhe tempo é coisa infecta!
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Muito diversa é esta minha sorte
Que em espanto e rebeldia se completa;
Escrevo prá Vida, desafio a Morte!
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Maria João Brito de Sousa - 14.04.2021 - 11.00h
8.
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“Escrevo pra Vida, desafio a Morte!”
Se o desafio vão te agrada, insiste!
Tens munição pra luta de tal porte...
Quando de alguma briga desististe?
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Mas quando te faltar algum suporte,
Só peço não te deixes ficar triste;
Não há o que temer por tua sorte!
Pois, afinal, a Morte nem existe!
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E mesmo conhecendo tuas infensas
A tudo que pra ti pareçam crenças,
Existe uma verdade definida,
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Que reina independente do que pensas
E ainda que dela nunca te convenças,
Poeta, existe vida além da vida!
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Jay Wallace Mota.
Mosqueiro, 14 de abril de 2021, às 15:40h.
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9.
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"Poeta, existe vida além da vida(!)"
E, de feliz por ti, vou-te dizer
Que é essa a vida que estou a viver
Enquanto a morte aguarda, distraída,
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Que eu vá abrir-lhe a porta de saída;
Falta-me tempo para a receber
E tenho tantos versos pra escrever
Antes da hora incerta da partida...
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A vida além da vida é uma só
E é por isso que tento prolongá-la
Enquanto me não vou desfeita em pó
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Juntar-me a essa morte que me cala;
A morte é neutra e nunca terá dó
De quem, com versos, tente enfeitiçá-la...
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Maria João Brito de Sousa - 15.04.2021 - 10.30h
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10.
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“De quem, com versos, tente enfeitiçá-la,”
No intento de enganar quem te intimida!
Mas acho um desperdício fazer sala
A uma figura tão controvertida...
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Melhor fazer teus versos sem dar pala,
De maneira a passar despercebida,
Mostrando que a megera não te abala,
Ainda que vivas mesmo uma só vida!
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Justo porque crês nisso, realmente,
E eu tendo este soneto tão somente,
Não posso me perder em teoria...
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Pra mim, já és eterna, entre outras divas,
Entretanto, é preciso que tu vivas,
Pois viva dás mais vida à poesia!
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Jay Wallace Mota.
Mosqueiro, 15/04/2021, às 15:30h.
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11.
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"Pois viva dás mais vida à poesia(!)"
E respondo, a sorrir, que bem o sei,
Que faço por viver e viverei
Até sentir-me de versos vazia
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Assim me faça a Vida a cortesia
De conceder-me os versos que sonhei
E toda em versos me transformarei
Até um dia, amigo, até um dia...
*
Ah, sim, respiro ainda, ainda sonho
Com um mundo mais justo e mais fraterno,
Mais verde, mais sereno e mais risonho
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Porque este que hoje encaro é puro inferno;
Desigual, violento e tão bisonho
Que mais parece um monstro em desgoverno.
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Maria João Brito de Sousa - 15.04.2021 - 20.21h
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12.
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“Que mais parece um monstro em desgoverno.”
Com o homem e o ambiente em agonia,
Há muito que o planeta sofre, enfermo,
Vítima da mais burra vilania!
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Porquanto, é preciso por um termo
A tudo que nos traz desarmonia,
Antes que o mundo vire um lugar ermo,
Levando a Morte, enfim, a epifania...
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E contra forças tão coercitivas,
Mais uma vez importa que tu vivas!
Pois, do pouco que resta de ilusões,
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Se não dá pra contar com governantes,
Quem sabe são teus versos instigantes
Que vão mobilizar os corações!
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Jay Wallace Mota
Belém, 15/04/2021, às 21:35 h.
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13.
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"Que vão mobilizar os corações"...
E talvez isso venha a acontecer,
Pois também eu passei a vida a ler
Para consolidar-me em convicções
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Enquanto equilibrava as frustrações
Pra melhor conjugar o verbo ser...
Bem sei que um dia terei de morrer,
Mas vivo ainda... e versos são paixões!
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Que venha a morte quando o entender;
Estou pronta a recebê-la com canções
Que talvez a consigam convencer
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A ponderar as suas decisões;
É isso mesmo o que eu irei fazer
Pois, pra viver, sobejam-me razões!
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Maria João Brito de Sousa - 16.04.2021 - 10.37h
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14.
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“Pois, pra viver, sobejam-me razões!
O que sobressai claro em teus poemas;
Mesmo quando tu fazes alusões
A dores, a mazelas ou problemas!
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Nasceste pra grafar inspirações,
Teus versos dão mais vida a quaisquer cenas
E tocam as mais frias atenções,
Mesmo quando alma e Morte são pequenas
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Para ti o verbo ser tem só presente
E como uma menina irreverente
Vais entreter a Morte, com tal arte,
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Que pra a ela, por teu gosto de viver,
Nada mais restará, senão fazer,
Esta menina, velha quanto baste!
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Jay Wallace Mota.
Belém, 16/04/2021, às 12:52h.
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