ESCREVESSE EU SONETOS GAGOS - Mª João Brito de Sousa e Helena Teresa Ruas Reis (Reedição)
ESCREVESSE EU SONETOS GAGOS...
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Coroa de Sonetilhos
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Maria João Brito de Sousa e Helena Teresa Ruas Reis
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1.
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Escrevesse eu sonetos gagos,
Ou mal falados, ou mudos...
Sonetos machos, barbudos,
Mas tão ternos quanto afagos
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Que, em tocando, fazem estragos
Nos corações mais sisudos...
Mas não, os meus são veludos
Já pelo tempo esgaçados...
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Cantasse eu versos que mordem
Como quem com fome beija,
Soubesse eu criar desordem,
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Drama, ciúmes, inveja...
Acordes meus, não me acordem,
Se nenhum de vós gagueja!
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Maria João Brito de Sousa - 23.06.2021 - 13.06h
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Ao Fernando Ribeiro
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2.
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“Se nenhum de vós gagueja”,
Coisa de somenos vista,
Já eu roo-me de inveja
Porque a gaguez é de artista.
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Curioso, que ao cantar
Sai-nos tudo de uma vez…
E melhor do que a rimar,
Que aí é que é ver “gaguez”!
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Embalada em melodia
Pensáveis que eu escrevia
Mas, afinal, só cantava.
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Porque se eu ga - gaguejasse
Haveria quem não esp’rasse
Para ler esta estopada!
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Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021
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3.
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"Para ler esta estopada(!)"
Garanto que pagaria
E até ga-gaguejaria
Não sendo gaga nem nada,
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Só pra marcar a toada
Da rima que se recria
Dia e noite ou noite e dia,
Conforme a hora marcada
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Se isto soa a pleonasmo,
Ou talvez contradição,
Não me liguem! Eu só pasmo
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Que, com tanta produção,
Inda não sentisse um espasmo
Dos fatais... no coração.
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Maria João Brito de Sousa - 27.06.2021 - 17.45h
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4.
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“Dos fatais... no coração”
É lá coisa que se diga!
Acaba-se a produção,
Fica fome na barriga.
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Se soa a comparação,
É que o lanche já marchava
Mas a tal de inspiração
Chovia se Deus a dava…
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Mas vou-me já à cozinha
Perdoem-me os vates todos
Se não se acharem cómodos.
*
Cenoura, courgette em linha,
Coentros, alguma aguinha,
O meu jantar é sopinha!
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Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021
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5.
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"O meu jantar é sopinha"
Que não "marcha" antes das dez,
Já que almocei - outra vez... -
Bem tarde, quase à noitinha
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E isto de jantar sozinha
Tem vantagens, traz mercês,
Porquanto, às duas por três,
Viro costas à cozinha
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E sem razões nem porquês
Vou treinando esta gaguez
Que, por ora, está fraquinha,
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Mas, bem treinada, talvez
Ganhe aquela solidez
Que, creio, já se avizinha...
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Maria João Brito de Sousa - 27.06.2021- 19.30h
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6.
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“Que creio já se avizinha”
Pelo cheiro que aqui sinto…
E podem crer que não minto,
Que a sopa se acha prontinha.
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Não sofro já de gaguez
E fome não passo eu já.
Sem comer fico “gagá”
E então gaguejo outra vez!
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Não queremos ficar fracas
Como velhas matriarcas
Num encontro obsoleto.
*
Nem que use como muletas
Esta sopita de letras,
Sonetilho e não soneto.
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Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021
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7.
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"Sonetilho e não soneto"
Se chama a esta estrutura,
Mais curtita na largura
Mas igualmente completo.
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Será do soneto neto
Mas mantém-se à sua altura;
Belo como uma escultura,
De muitos será dilecto
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E mantém toda a lisura
Do avô cuja postura
Vai imitando, discreto.
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Não gagueja, nem descura
Ser um marco prá Cultura
E, para o poeta, um repto!
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Maria João Brito de Sousa - 27.06.2021 - 21.30h
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8.
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"E para o poeta, um repto",
Provocação, desafio
Que só provoca arrepio
De usá-lo como um inepto.
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Ancestralmente falando
Não sei onde fui buscar
Tal forma de versejar
Que ando para aqui usando.
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Enfim, ao correr da pena
Vem-me à tona outro tema:
A poesia multiforme.
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Se eu gaguejasse em poesia
Nem sei que graça acharia
Essa Musa que não dorme...
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Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021
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9.
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"Essa Musa que não dorme"
E que nunca foi "gágá"
Pode achar graça - eu sei lá...-
A quem gagueje ou performe
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Verso gago que transforme
Uma graçola em maná...
Ou essa gaguez será
Coisa que muito a transtorne?
*
Só nos resta exp`rimentar
E se a Musa se irritar,
Assobiamos pró lado;
*
Eu nem sequer ga-gaguejo...
Foi talvez um bo-bocejo
De um verso mais ensonado
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Maria João Brito de Sousa - 28.06.2021 - 11.25h
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10.
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“De um verso mais ensonado”
Fica a “gaguez” de um bocejo
Que sem pedir ou ter pejo
Surge, sem ser desejado.
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Mas se vem à revelia,
Verdade é que se finou…
Pois depois que descansou
Acordou em novo dia.
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Se a Musa se transtornar,
Depressa a vamos lembrar
Que dormir é bom remédio
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Pois, ficar a bocejar
É pior que gaguejar:
Dá-te sono e dá-te tédio.
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Helena Teresa Ruas Reis - 28/06/2021
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11.
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"Dá-te sono e dá-te tédio"
Ta-ta-tanto bocejar
E Morfeu, sempre a rondar,
Faz-me pensar em assédio...
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Contudo, neste meu prédio,
Toda a gente é de fiar...
Morfeu que se vá lixar;
Está na hora do remédio!
*
Engulo duas pastilhas
Mais rijas do que cavilhas
Que "empurro" c`um copo d`água
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E, do almoço esquecida,
Ve-versejo embevecida;
Vem o verso e vai-se a mágoa!
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Maria João Brito de Sousa - 28.06.2021 - 14.36h
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12
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“Vem o verso e vai-se a mágoa”,
Que se lixem gargarejos,
P’ra eles os meus bocejos
Ferventes na pouca água!
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Ora, não querem lá ver?!
Se eu tiver dor de cabeça
Não será porque mereça
Mas porque estou a ferver...
*
Pastilhas eu não engulo…
Podem colar-se ao casulo
Da minha pobre garganta.
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Porém, se for necessário,
Deixo aqui um corolário
Que ajude a pintar a “manta”
Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021
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13.
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"Que ajude a pintar a manta"
Com cor que seja bem viva
Pois, se é viva, a cor cativa
Quem pela manta se encanta
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E se acaso essa cor espanta
Por ser muito apelativa,
Ga-ga-gagueja a comitiva
Que, ao olhá-la, se ataranta;
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- Mas que pre-preciosidade!
Nada vi que mais me agrade!
Que manta tão-tão-tão bela!
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Se não a confeccionou,
Di-di-diga onde a comprou,
Quanto pa-pagou por ela?
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Maria João Brito de Sousa - 28.06.2021 - 17.42h
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14.
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“Quanto pa… pagou por ela?”
Paguei por ela… eu sei lá
Se aquilo que valerá
Faz jus a coisa tão bela!
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Eu até fico amarela
Por estar quase a gaguejar
Que p’ra manta apregoar
Até me falha a goela…
*
Tem colorido a preceito!
A nossa manta tem jeito
‘Inda que feita aos bocados.
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Quem quiser igual assim
Aprenda porque aqui vim:
“Escrevesse eu sonetos gagos”!
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Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021
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NOTA - Tema inspirado no "Fado Mal Falado" de Hermínia Silva e no "Fado Gago" de Sérgio Godinho
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