DIZEM QUE O SONETO JÁ MORREU - Coroa de Sonetos II
COROA DE SONETOS
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Custódio Montes e Maria João Brito de Sousa
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Não acho e penso até que está bem vivo
Difícil bem difícil e, por isso,
Ele anda escondido e anda omisso
Em quem se diz poeta criativo
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Lançam-se palavras para um crivo
Abanam-se aos montões como feitiço
Lançado aos incréus por um caniço
E só esse poema faz sentido
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Mas num soneto a gente tem a ideia
Elabora o projecto e a descrição
Com palavras floridas o semeia
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Também com sentimento e coração
A ideia avança e forma-se e enleia
Descreve-se e conclui com precisão
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Custódio Montes
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"Descreve-se e conclui com precisão"
Quanto lhe vai na alma. O corpo freme
Qual barca que dependa só do leme
Quando no mar confronte um furacão
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Destruídas as velas e o porão,
Não sobrando sequer alguém que reme,
Há-de inda erguer-se como quem não teme
E apostar vida ou morte no timão!
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Assim sobreviveu a tempestades,
Sonhou durante a noite enluarada,
Navegou pelo Céu, cruzou o Hades,
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Comeu sal e bebeu água salgada;
De todas as prisões dobrou as grades
Em setecentos anos de jornada!
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Maria João Brito de Sousa - 10.10.2020 - 17.30h
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"Em setecentos anos de jornada"
Passou por grandes mestres por Camões
Também Florbela Espanca e lições
De Petrarca em vereda começada
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Depois vieram outros de mão dada
Lançando no soneto opiniões
Com regras e mais regras, divisões
Mas sempre com a meta melhorada
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E houve pensadores que lançaram
A sina aos quatro ventos e bem forte
Que estes catorze versos se findaram
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E que poema assim não tinha a sorte
De ter continuidade. Auguraram,
Sem razão, ao soneto a sua morte
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Custódio Montes
(10.10.2020)
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"Sem razão, ao soneto a sua morte"
Anteciparam por senilidade,
Porém nunca o soneto teve idade
E faz-se ao mar tentando a sua sorte
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Não haverá insulto que lhe importe,
Cada vez mostra mais vitalidade,
Sereno canta amor, chora saudade,
Comprova a solidez do seu recorte.
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Da Lentini o sonhou, inda semente,
Mas já tão definido como hoje,
Cabendo nele um sonho... e tanta gente!
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Valente que da luta nunca foge,
Fará por evitá-la e segue em frente,
Não deixa que a calúnia em si se espoje.
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Maria João Brito de Sousa - 11.10.2020 - 12.29 h
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"Não deixa que a calúnia em si se espoje"
Segue bem altaneiro, bem garboso
Alheio a esse gesto invejoso
Sem que em si a dúvida se aloje
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Além, no seu passado, e ainda hoje
O soneto é um nome glorioso
Que tem regras e é harmonioso
Espelhando o seu brilho para longe
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Deixemos bem de lado a malvadez
Digam os detractores seja o que seja
Iremos caminhar com altivez
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Não como essa gente que deseja
Infortúnio ao soneto outra vez
Porque o que eles têm é inveja!!!
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Custódio Montes
(11.10.2020)
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"Porque o que eles têm é inveja"
Do que faz não parando de cantar,
Pois canta inda que chore a bom chorar
E faz-se ouvir até quando troveja.
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Não pingará como água que goteja;
Antes será torrente a transbordar
Da melodia que o poeta ousar
Sem usar uma rede que o proteja.
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Anda o soneto sempre equilibrado
No fio de uma navalha bem cortante
De gume cada vez mais afiado.
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Nada teme porém. Nunca hesitante,
O soneto não é desconfiado;
Quem assusta um poema militante?
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Maria João Brito de Sousa - 11.10.2020 - 14.25h
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"Quem assusta um poeta militante ?"
Militante de causas empolgantes
Sem rodeios, por vias elegantes
Numa argúcia de fino estudante
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Vê um facto analisa num instante
Rodeia-o de flores cintilantes
Com cores e com cheiros odorantes
E com ritmo alegre e bem cantante
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Escreve-se um poema a cada dia
E cria-se aventura ao redor
Inventa-se uma forma de alquimia
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Que faz subir a alma em valor
E temos sempre à volta alegria
E vê-se em todo o lado só amor
Custódio Montes
(11.10.2020)
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"E vê-se em todo o lado só amor"
Que é esse o fim maior dessa alquimia
E o mais belo dos frutos de quem cria
Vencendo a cada dia a própria dor.
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Assim se tece a manta ou cobertor
De quem, antes do verso, só tecia
Restos de coisas que a maré trazia,
Pequenos nadas sem qualquer valor.
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Bem sei que o que tecemos nada vale
Segundo as cotações dos (maus) mercados,
Mas para nós terá um valor tal
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Que mesmo os ouros, pratas e brocados
Parecerão menores do que um dedal
Face a poemas tão multiplicados.
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Maria João Brito de Sousa - 11.10.2020 - 16.04h
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“Face a poemas tão multiplicados”
E cheios de euforia e de desejo
Em harmonia ao som de realejo
Ou mesmo em concertos musicados
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Recordando momentos já passados
Em teias que ao longe ainda vejo
Amores encontrados e aos beijos
Ou num Éden em flor bem abraçados
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Canta e ri o soneto à nossa beira
E ao longe a olhar e ver o mar
Envolto em lindo canto de sereia
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Ou envolto num baile e a dançar
Com pérolas à volta que semeia
Em árias envolventes a cantar
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Custódio Montes
(11.10.2020)
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"Em árias envolventes a cantar"
Vai-se o fértil soneto alimentando
E mais versos produz, multiplicando
As fontes que o virão a alimentar
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Quando algum dia o verbo lhe faltar
E os abraços lhe forem rareando;
É cigarra/formiga aproveitando
As últimas migalhas do jantar...
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Mas não cuida o soneto de calar
O tanto que devia estar calando,
Que se um soneto nasce é pra sonhar
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E assim que as migalhas vão bastando,
Nada mais colhe, quer é semear;
Quanto de si nascer, ir-vos-á dando.
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Maria João Brito de Sousa - 11.10.2020 - 17.35h
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“Quanto de si nascer, ir-vos-á dando”
Amor, muito carinho e vistas largas
Amparo e defesa com adargas
E um sonoro hino escutando
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Torrentes acalmadas e virando
Lagos tépidos, plácidos, sem vagas
Cercados por extensas, lindas vargas
E aves em seus bandos adejando
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Andamos por campinas aromadas
Dançando ao sabor de suave vento
E parando nas encostas nas quebradas
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Erguendo bem ao alto o pensamento
Devagar a lembrar as namoradas
Que foram no amor nosso alimento
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Custódio Montes
(11.10.2020)
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"Que foram no amor nosso alimento"
Durante toda a nossa juventude;
O amor em jorros vence cada açude,
Enérgico, imparável, turbulento...
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Assim jorra o soneto e sopra o vento
Que é tão veloz que a si mesmo se ilude
E crê ver mal onde há tão só virtude
Ou vê virtude em gesto truculento...
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Cantemos, pois, o "ledo, ledo" engano
Que num tão doce sonho nos mergulha
E pra sempre o fará, ano após ano,
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Se amor é pomba quando em nós arrulha
Talvez vista o soneto o mesmo pano
Que esse Amor costurou com fina agulha...
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Maria João Brito de Sousa - 11.10.2020 - 20.06h
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“Que esse amor costurou com fina agulha”
Com a malha apertada e bem cosida
E afagos que se fazem de seguida
Como pomba a voar e que arrulha
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O soneto encandeia, é fagulha
Que arde ao vento e passeia na ermida
E transporta o amor que de vencida
O oásis conquista e aí mergulha
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O soneto é poema encadeado
Uma flor bem cheirosa de jardim
Com limalhas de ouro emalhetado
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Cacho de uvas comido até ao fim
Em banquete festivo e requintado
Asas brancas de sábio querubim
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Custódio Montes
(11.10.2020)
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"Asas brancas de sábio querubim"
Tem o soneto quando a mim se abraça
O dom de mergulhar-me em doce graça,
Tanta, que nunca dantes vira em mim...
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Não sei, soneto, por que te amo assim
E tanto mais quanto mais tempo passa,
Só sei que não há nó que eu não desfaça
Pra te manter viçoso em meu jardim!
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Agora que sei como cultivar-te
Pra ver-te forte e belo e criativo,
Assim, todo paixão, engenho e arte,
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A quem disser da morte estares cativo
Imporei que não ouse difamar-te:
"- Não acho e penso até que está bem vivo"!
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Maria João Brito de Sousa - 12.10.2020 -09.17h