DINAMENE - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
Imagem retirada daqui
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DINAMENE
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Coroa de Sonetos
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Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
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1.
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Dinamene, onde estás que não te vejo
As ondas ocultaram-me o olhar
Porque o barca não pára de oscilar
Já desde que saí do rio Tejo
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Vou em frente à procura dum desejo
Sê amiga a ajudar-me a encontrar
Esse cais para eu desembarcar
E assim realizar o meu ensejo
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Uma amiga indicou-me um velho cais
Num jardim onde andou a minha idade
Vou em frente, haja mesmo vendavais
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Para voltar a ter felicidade
Oh Dinamene, afasta os temporais
Que não aguento mais esta saudade
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Custódio Montes
28.5.2023
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2.
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"Que não aguento mais esta saudade"
Mas foi vossa essa escolha meu senhor,
Que bem maior foi esse estranho amor
Ao que escrevestes, do que ao que me invade...
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Forte amor foi o meu que na verdade
Por vós perdi a vida e o esplendor
E ao vosso mar, senhor, sei-o de cor
Que me afundei na sua imensidade...
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Cuidai que o vosso Tejo me não esqueça
Que, às tempestades, tentarei detê-las
Contanto que Poseidon não me impeça
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E que Éolo, ao soprar nas vossas velas,
Do que lhe peço nunca desmereça,
Senhor das minhas horas mais singelas.
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Dinamene
por
Mª João Brito de Sousa
18.05.2023 - 13.50h
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3.
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“Senhor das minhas horas mais singelas”
Cuida deste meu barco que à deriva
Não mais me leva ao pé da minha diva
Vencendo as altas vagas e procelas
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Olimpo, endireita-me estas velas
Que o regresso à saudade me cativa
Na alma que se anima e se activa
Para alcançar as margens ledas, belas
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Neste imenso ruído à minha volta
Quero encontrar a paz e dar-lhe a palma
E não andar num mar revolto à solta
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Éolo, pára os ventos dá-lhes calma
Ajuda este meu barco, faz-lhe escolta
Para encontrar o amor desta minha alma
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Custódio Montes
28.5.2013
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4.
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"Para encontrar o amor desta minha alma"
À vida eu voltaria, se pudesse,
Mas já não escuta Deus a minha prece
Nem vós, senhor, ao mar bateis a palma
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Por isso jazo imersa nesta calma
Das profundezas que ninguém conhece
E esta que vos amou calma parece
No abismo negro e frio, sem ver vivalma...
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Ah, pudesse eu voltar, por um momento,
Aos vossos braços, respirar enfim,
Para vos dar um pouco mais de alento
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Mas quase nada sobra já de mim
Enquanto a vós vos sobra um tal talento
Que humano algum jamais o teve assim!
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Dinamene
por
Mª João Brito de Sousa
28.05.2023 - 15.10h
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5.
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“Que humano algum jamais o teve assim”
Só Deus o pode ter não um humano
E quem não pensa assim é puro engano
Porque o homem não tem poder sem fim
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Mas deixemos de lado esse latim
Senão o Poseidon dá um abano
Cobre-nos o veleiro com um pano
E lá vai água abaixo este festim
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Sigamos, pois, avante na viagem
Para ver se encontramos, na verdade,
O que queremos ver lá junto à margem
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Regressando talvez à nossa idade
Com a beleza e graça de ser pajem
E afastar por momentos a saudade
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Custódio Montes
28.5.2023
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6.
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"E afastar por momentos a saudade"
É tudo o que mais posso ambicionar,
Mas fui vencida pelo grande mar
E morri quando em plena mocidade
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Se assim, senhor, me fui na flor da idade,
Que sempre vos lembreis de me lembrar:
Como eu amei ninguém vos há-de amar,
Mas se outra vos trouxer felicidade
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Ide, senhor!, gozai essa ventura
Que, a mim, tão cruamente me roubaram
Quando era tão menina e bela e pura...
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Amainai, vagas, que os ventos mudaram!
A vossa barca está livre e segura,
Mesmo morta os meus braços vos amparam!
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Dinamene
por
Mª João Brito de Sousa
28.05. 2023 - 17.30h
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7.
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“Mesmo morta os meus braços vos amparam”
Coitada, mesmo morta, ainda pensa
Que recebe do amor a recompensa
No meio dessas ondas que a levaram
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Dinamene, as lembranças que ficaram
Voaram pelo mundo sem licença
E lembram tua imagem, tua crença
E como património nos honraram
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Se te livrares da morte, dos grilhões
Que te levaram nova e imatura
Regressa para os nossos corações
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Amar-te-emos mais - que és tão pura -
Como te amou o épico Camões
Sem voltar a morrer nessa aventura
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Custódio Montes
28.5.2023
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8.
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"Sem voltar a morrer nessa aventura",
Pudesse eu renascer como imortal
Pr` amar o meu senhor de modo tal
Que me estimasse mais que à literatura...
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Estou, porém, morta. Resta-me a candura
De me saber tão pura e tão leal
Que lanço a minha voz feita de sal
Até vós, meu senhor, minha ventura!
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Vós, vivos, que escutais os meus lamentos
Nada fareis por mim. Talvez lembrar
A escrava que passou por mil tormentos
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E a jovem que acabou por se afogar
Mas que ao falar-vos vence os elementos
E, por amor, seduz o próprio mar!
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Dinamene
por
Mª João Brito de Sousa
28.05.2023 - 19.20h
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9.
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“E, por amor, seduz o próprio mar”
Que a tragou no seu ventre tão profundo
Que abarca muito mais que meio mundo
Mas que a mantém imersa num altar
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Amante que salvou sem se salvar
Tão bela com seu ar fresco e jucundo
Levada pelo mar fero, iracundo
Que depois a prendeu para a amar
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Agora com o mar ela é poder
E continua amante interessada
Ajuda quem lhe pede para ver
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Se lhe pode encontrar a sua amada
Atenuando a dor e o sofrer
Como quem sonha ali ter uma fada
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Custódio Montes
28.5.2023
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10.
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"Como quem sonha ali ter uma fada"
Me quis o mar prender... e me prendeu
E foi o meu senhor quem me perdeu,
Esse que amei como ama uma encantada
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Bem me viu, meu senhor, quase afogada,
Mas nem essa aflição o comoveu,
Que foi ao manuscrito que escolheu
E não a mim que me julgava amada...
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Agora foi o mar que me tornou
Sua escrava leal. Eternamente
Serei escrava que a escrava retornou
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Neste meu trono de algas, não sou gente,
Que em gente nunca o mar me transformou,
Nem Poseidon me deu o seu tridente!
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Dinamene
por
Mª João Brito de Sousa
28.05.2023 - 20.50h
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11.
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“Nem Poseidon me deu o seu tridente”
Mas és muito importante na magia
Que entregas e que dás à poesia
Por salvar Portugal e sua gente
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Perante a destruição quase eminente
Do livro que nos dá tanta alegria
Salvou-o o escritor que se afligia
Com a mão livre e um olho somente …
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Tinha uma mão ao alto e a outra mão
Afastava a procela ao seu redor
E nessa grande e enorme confusão
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Não sabia qual era o bem maior
Que tinha ali bem junto ao coração….
Perdendo um, salvou o outro amor
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Custódio Montes
28.5.2023
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12.
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"Perdendo um, salvou o outro amor"
E crerás tu que o deva perdoar
Por conseguir um outro amor salvar
Entregando-me à minha eterna dor?
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Talvez tenhas razão e, se assim for,
De que me vale agora lamentar?
Amor de escrava só o quer o mar
Que nela descarrega o seu furor...
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Tu, que estás entre os vivos, desconheces
O que é ser-se uma eterna prisioneira
Das profundezas em que permaneces
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Dia após dia, a eternidade inteira,
Sem que ninguém atenda às tuas preces
Nem entenda se és falsa ou verdadeira!
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Dinamene
por
Mª João Brito de Sousa
28.05.2023 - 22.45h
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13.
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“Nem entenda se és falsa ou verdadeira”
Mas que queres que diga? Na verdade
Eu sou ninfa e por toda a eternidade
Mesmo que me aflija e o não queira
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Camões logo soube isso e à primeira
Quis namorar comigo e à vontade
Andou à minha volta em liberdade
E correu o mar todo à minha beira
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Mas com a tempestade veio a onda
Que nos forçou a andar dentro e fora
Agora não há sítio onde me esconda
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Vagueio pelo mar a toda a hora
E só me encontrarão andando à ronda
Sem pressa, devagar e com demora
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Custódio Montes
28.5.2023
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14.
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"Sem pressa, devagar e com demora"
Eu hei-de procurar-te, Dinamene,
Ainda que sem vela e que sem leme
Me perca mar adentro, ou mar afora...
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Seja eu eterno só por uma hora!
Não haverá ninguém que me condene
Nem um segundo, só, em que não reme
Para encontrar-te onde uma vaga aflora!
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Não cessarei, amor, de procurar-te
Nesse mar que, por ter-te, agora invejo,
E do qual, meu amor, hei-de arrancar-te
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Pra devolver-te à vida num só beijo,
Que amar-te assim, amor, também é arte:
"Dinamene, onde estás que te não vejo"?
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Lviz Vaz de Camões
por
Mª João Brito de Sousa
29.05. 2023 - 00.00h
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