CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXXII
CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXXII
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Onde acharei lugar tão apartado,
E tão isento em tudo da ventura,
Que, não digo eu de humana criatura,
Mas nem de feras seja frequentado?
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Algum bosque medonho e carregado,
Ou selva solitaria, triste e escura,
Sem fonte clara, ou placida verdura;
Em fim, lugar conforme a meu cuidado?
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Porque alli nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida,
Me queixe copiosa e livremente.
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Que, pois a minha pena he sem medida,
Alli não serei triste em dias ledos,
E dias tristes me farão contente.
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Luís de Camões
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Vinde comigo e eu vos mostrarei
O espaço pelo qual dizeis ansiar,
Fugi porém senhor que um tal lugar
Jamais agradará a servo ou rei
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É um espaço do qual fugido hei
E ao qual desejaria não voltar,
Mas voltarei, senhor, pra vos mostrar
E porque mo pedis lá voltarei
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Tem a aridez marmórea de um deserto
Que nunca houvesse visto Sol nem Lua
E nem os mortos andam lá por perto
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É qual clareira imensa, negra e nua
Que em nós vai gangrenando a céu aberto
Como uma chaga purulenta e crua
*
II
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É um local do qual a própria morte
Se esquiva como um bicho ou um humano,
É o vazio medonho, inerte, insano
De quem se encontra entregue a alheia sorte
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Por lá nunca achareis quem vos conforte,
Tudo é igual a nada, ano após ano,
E se por lá ficardes ao engano
Não mais encontrareis algo que importe
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Perdoai se vos nego o prometido
Mas não vos levo lá nem por favor
Pois temo que fiqueis por lá perdido
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Que sintais a vertigem desse horror,
Ou que por vossa dor sejais traído
Já que alli nada medra além da dor.
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Mª João Brito de Sousa
08.09.2024 - 21.00h
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Fotografia de minha autoria
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Soneto de Camões retirado do Blog Sociedade Perfeita