COISAS QUE NÃO SEI SE OS OUTROS SABEM- Mª João Brito de Sousa e Custódio Montes
COISAS
QUE NÃO SEI
SE OS OUTROS SABEM
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Coroa de Sonetos
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Mª João Brito de Sousa e Custódio Montes
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1.
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Com pedras, pedra a pedra (re)construo
O que à pedrada fora destroçado
E mantenho um passeio calcetado
Que posso utilizar, de que usufruo
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Quando falta uma pedra, então recuo
E preencho o vazio que foi deixado
Ou dou pelo buraco e passo ao lado;
Se não reponho, também não destruo...
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De pedras aqui falo... ou talvez não,
Que como as pedras muitas coisas são
Capazes de caber onde elas cabem
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Porque se em vez de pedra usar ideias
Mais lacunas preencho... e ficam cheias
De coisas que eu não sei se os outros sabem.
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Mª João Brito de Sousa
14.11.2021 - 08.40h
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2.
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“De coisas que eu não sei se os outros sabem”
Que a ideia passeia sem se ver
Quem a tem vê então onde a meter
Em espaço onde outras também cabem
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Ideias que prosseguem sem que acabem
E sem alguém ao lado perceber
Aquilo que a mente anda a tecer
E sempre a prosseguir sem que a travem
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Por fim pode surgir um resultado
Ou se se não quiser ser ocultado
Enquanto o fim da obra se planeia
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Um compasso de espera, um novo lance
Para que o edifício avance
Enquanto o construtor molda a ideia
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Custódio Montes
15.11.2021
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3.
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"Enquanto o construtor molda a ideia"
Pode uma Musa ser inoculada
E ficar tão dorida, tão magoada
Que não acerte nem uma colcheia...
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Assim está minha Musa; febril, feia,
A tiritar de frio, toda engelhada,
Com os braços inchados da picada
E surda da batida que a norteia...
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São coisas que bem sei que não sabia
E a pobre Musa nunca o glosaria
Se eu não teimasse tanto ou mais do que ela
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Só lhe peço que vá bem devagar,
De forma a que eu consiga acompanhar
Os passos que deviam ser só dela...
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Mª João Brito de Sousa
15.11.2021 - 11.15h
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4.
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“Os passos que deviam ser só dela”
Mas a musa não anda assim sozinha
Abre a janela e acena à vizinha
E depois fala e entende-se com ela
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Puxa uma palavra e outra mais bela
Então abre o poema que acarinha
E uma e outra seguem a mesma linha
E pintam em conjunto a mesma tela
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Beleza não tem pressa, devagar
Devagar e sem pressa de chegar
Desde o nascer do sol ao sol poente
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Com sombras e paisagens deslumbrantes
A musa reconforta os dois amantes
E ao vate dá fulgor mesmo doente
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Custódio Montes
15.11.2021
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5.
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"E ao vate dá fulgor mesmo doente"
A menos que ao senti-lo menos bem,
Se farte das doenças que ele tem
E se retire, irada e prepotente...
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Tenho uma Musa louca, incoerente,
Que só faz o que a ela lhe convém,
Que num momento vai, no outro vem,
E tudo cala quando o não consente...
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Por vezes, de candeias às avessas,
Andamos nós as duas quanto às pressas
Em que ambas nos lançamos, quando eu posso
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Ma se me encontra um pouco enferrujada,
Vai-se de mim, não quer fazer mais nada;
Talvez queira que eu seja algum colosso...
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Mª João Brito de Sousa
15.11.2021 - 13.50h
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6.
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“Talvez queira que eu seja algum colosso….”
Não, o que ela quer é brincar consigo
É nisso que se vê um bom amigo
Que quer e diz à gente: eu já não posso
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E cada vez nos pede mais esforço
Para ver uma flor por entre o trigo
E só nos dá vantagem, não castigo
E o nosso poetar ganha reforço
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Consigo ela é maravilhosa
Cada poema seu é como a rosa
Que enfeita o seu jardim com poesia
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Não diga mal da musa que é tão bela
Que o poderio seu junto ao dela
Só nos trará vantagem e alegria !
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Custódio Montes
15.11.2021
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7.
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"Só nos trará vantagem e alegria"
E eu bem o sei que ainda refile
Estou sempre à espera do que ela me instile
De inspiração e até de rebeldia :)
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Somos inseparáveis. Noite e dia,
Partilhamos, num corpo, um só perfil;
Amparo-a sempre que caia ou vacile,
E ela afugenta a minha cobardia...
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Mas discutimos muito e não é raro
Que ela censure um verso menos claro,
Ou me mude uma rima menos boa.
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Fico possessa, mas revendo tudo,
Vejo que tem razão e eu própria os mudo;
Xô, verso "caro", vai-te ó rima à toa!
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Mª João Brito de Sousa
15.11.2021 - 15.40h
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8.
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“Xô, verso “caro”, vai-te ó rima à toa”
Mas bem lhe vai, amiga, bem lhe vai
Que dessa forma em erro nunca cai
Que tem consigo a musa e alto voa
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E cantos bem sublimes nos entoa
Com a egrégia voz que nunca a trai
Na linda melopeia que lhe sai
E que aos nossos ouvidos tão bem soa !
*
Deixe a musa falar, não seja má
Que pelos vistos é tu cá tu lá
E ela também tem as suas luas
*
Ouça-a bem e escute-a por favor
Que eu bem sei que lhe tem um grande amor
E luas cada um lá tem as suas
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Custódio Montes
15.11.2021
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9.
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"E luas cada um tem lá as suas",
E tem toda a razão, poeta amigo,
Embora a Musa se zangue comigo
E às vezes me insulte e lance puas
*
Porque num corpo só cabemos duas...
Posso zangar-me, mas nunca a castigo
E ela chega a pôr-me o corpo em p`rigo
Quando enfrenta mostrengos de mãos nuas...
*
Eu, que sempre a escutei atentamente,
Já não sei qual é Musa e qual é gente,
Nem consigo aceitar que ela me ralhe
*
Se me falham os olhos, se no peito
Meu pobre coração não pulsa ao jeito
Que "sua alteza" ordena que não falhe...
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Mª João Brito de Sousa
15.11.2021 - 17.30h
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10.
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“Que “sua alteza” ordena que não falhe”
Mas diga-lhe “oh musa tem juízo”
Porque desse conselho não preciso
E não gosto também de quem me ralhe
*
E se insistir impante nela malhe
Dizendo que lhe causa prejuízo
E faça-lhe mais um ou outro aviso
Para que ela não a atrapalhe
*
Já sei vai desculpá-la, gosta dela
Está à sua beira sempre à vela
E não a quer por certo magoar
*
Faça orelhas moucas, vá em frente
E seja mais um pouco paciente
Este conselho dou: deixe-a falar
*
Custódio Montes
15.11.2021
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11.
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"Este conselho dou: deixe-a falar",
E é isso exactamente o que farei;
Se longe dela, pouco ou nada sei,
E ela longe de mim não pode estar,
*
Por isso, assim que a Musa refilar
Porquanto em qualquer coisa lhe falhei,
Em vez de me calar, como calei,
Serei eu quem a manda, então, calar
*
Reconheço, contudo, o seu valor,
Sei que ela me vai dando o seu melhor,
Tal como o meu melhor sempre lhe dou...
*
Um pouco de paciência, Musa minha;
Esta "embalagem" pode estar velhinha,
Mas nunca, em caso algum, te abandonou.
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Mª João Brito de Sousa
15.11.2021 - 21.00h
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12.
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“Mas nunca, em caso algum, te abandonou”
E sou junto de ti a grande amiga
Que depressa nos passa qualquer briga
Que por nós algum dia se passou
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Nunca estive zangada nem estou
Sorri lá para mim, oh rapariga
Senão jamais ó musa alguém me liga
E dizem que o poema em mim parou
*
Convença-a de maneira que ela entenda
E que aos seus argumentos se lhe renda
Porque sem musa o vate passa mal
*
Falta-lhe o jeito, falta a inspiração
E também não lhe afoita o coração
Para se ser poeta especial
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Custódio Montes
15.11.2021
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13.
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"Para se ser poeta especial"
É necessário um pouco de loucura,
Alguma irreverência e, de ternura,
Uma imensa montanha. Essencial!
*
Fazer do verso o prato principal,
Não nos trará riquezas, nem fartura,
Tão só nos traz a consciência pura,
Do que em nós é profundo e visceral...
*
Das coisas que não sei, mas que procuro,
Ergo agora uma ponte em vez de um muro
Com pedras que sobraram da calçada...
*
Vamos cruzando a ponte. Mais uns passos
E os seus versos terminam dando abraços
Aos meus, que vão na sua peugada.
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Mª João Brito de Sousa
15.11.2021 - 22.40h
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14.
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“Aos meus, que vão na sua peugada”
Andando com cuidado devagar
Pelo caminho em frente e a pensar
Na forma de tecer sua meada
*
Pela rua a pensar na minha amada
Que passo a passo dei para a amar
E lembro cada pedra, ao andar
Que de amor afaguei nessa jornada
*
Pedras aqui são rosas ao redor
Da rua onde andei com meu amor
Que agora ao passar vejo e recuo
*
Na muralha do tempo que revi
Lembro cada degrau que construí
“Com pedras, pedra a pedra (re)construo”
*
Custódio Montes
16.11.2021