COISA NENHUMA - Jay Wallace Mota e Mª João Brito de Sousa
COISA NENHUMA
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Coroa de Sonetos
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Jay Walace Mota e Mª João Brito de Sousa
1.
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Qual toda nulidade és indizível;
És o vazio, contrário do existir,
Tu que não foste e nem serás tangível,
Quem poderia enfim te definir?
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Zero à esquerda, és sempre desprezível
E pra coisa nenhuma hás de servir…
Mas, sem ser ou ter, és indestrutível
Afinal, ninguém pode te atingir…
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Como ausência, absoluta ou relativa,
No big bang, o ponto de partida,
Testemunhaste o início do universo!
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Portanto, antes de tudo que há no mundo,
Preexististe num ínfimo segundo;
Tu és o Nada que havia antes do Verso!
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São Paulo, 07 de abril de 2023.
Jay Wallace Mota.
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2.
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"Tu és o nada que houve antes do verso"
E tudo o que hoje existe, em simultâneo,
Pois nada sendo foste também berço,
Filho de ti, teu próprio sucedâneo
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E houve fagulhas de hélio e de titânio
Semeando no vácuo o sonho emerso
Até que a emergência de um gerânio
Mais tarde suscitasse um caos inverso...
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Eram beleza e vida a ganhar forma
E a demonstrar que o nada tem por norma
Transformar-se em matéria. Nada o pára
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Que os átomos se enlaçam, se entrelaçam,
Formando longas teias que esvoaçam
Sobre o Nada que em tanto se tornara!
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Mª João Brito de Sousa
08.04.2023 - 20.10h
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3.
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Sobre o nada que em tanto se tornara,
A partir de um caótico projeto
Que desde então se expande e nunca pára,
Qual barriga, sem útero e sem feto,
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Cuja paternidade se faz clara
Na proporção do vácuo e do concreto
Onde o grande vazio mostra a cara
Deste grande universo tão discreto
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Se descendentes tens, são obscuros
Buracos invisíveis tão escuros,
De gravidade quase ilimitada,
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A puxar para si matéria e luz,
Numa grande atração que se traduz
Na inversão de volta para o nada…
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São Paulo, 07/04/2023.
Jay Wallace Mota
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4.
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"Na inversão de volta para o nada (...)"
Se nada houver por lá, nessoutro lado
Para o qual a matéria foi sugada
Bem como toda a luz que houver gerado
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Ninguém sabe, porém, nada do Nada
Nem para onde irá quanto é sugado...
Talvez noutro universo em alvorada
Desague a matéria inacabada
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E nasçam novos astros, novos mundos
Desses abismos negros e profundos
Que por enquanto são puro mistério
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Que sei eu? Nada mais que conjecturas
Tão próprias das humanas criaturas
Que levam tais mistérios muito a sério
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Mª João Brito de Sousa
08.04.2023 - 22.40h
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5.
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"Que levam tais mistérios muito a sério,"
Sem no entanto perder-se na ilusão
De aceitar qualquer coisa sem critério,
Que possa pôr em dúvida a razão.
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Sem porém cometer o impropério
De achincalhar quem vê a criação
Como o simples produto de um mistério,
Ou obra da divina intervenção…
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Sem a tal teoria unificada,
Não pode parecer pacificada
Ação primordial sem precursor
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Se a singularidade concentrada,
Num átimo, surgiu mesmo do nada,
O Big Bang implica um criador!
ª
São Paulo, 08/04/2023.
Jay Wallace Mota.
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6.
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"O Big Bang implica um criador"
A menos que a si próprio se criasse
Do Nada que existia em seu redor,
De um átomo, tão só, que ali vogasse
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E que ainda que sem razão maior
Com átomo dif`rente então chocasse
E explodissem gerando luz, calor
E átomos sem fim que se espalhassem
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No (im)perfeito caos que foi começo
De novas explosões que já não meço
Por não podê-las ter presenciado
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Mas sei que foi assim que aconteceu:
A matéria, eclodindo, antecedeu
Tudo quanto alguns julgam projectado.
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Mª João Brito de Sousa
90.04.2023 - 12.15h
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7.
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Tudo quanto alguns julgam projetado,
À falta de melhor explicação,
Precisa mesmo ser considerado,
Antes de se pôr fim à discussão…
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O que a ciência tem apresentado
Parece não haver contestação,
Exceto o que existia no passado,
No instante anterior à explosão.
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Se esta então se apoia em simples mágica,
Não se pode fugir da questão prática
Que desafia crentes e ateus
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Dispostos a matar esta charada:
Se o ponto de partida foi o nada,
Seria Deus o Nada, ou o Nada Deus?
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São Paulo, 09/04/2023.
Jay Wallace Mota
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8.
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"Seria Deus o Nada, ou o Nada Deus?"
Perguntam os humanos, não sabendo
Que pouco importam tais anseios seus:
Nomes serão só nomes, mais não sendo
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Do que humanas palavras, dependendo
Do que entendam os crentes e os ateus
E somos quem criou, segundo entendo,
Tudo quanto foi nome, até dos céus!
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Por isso é que a charada não tem fim:
Tu respondes por ti e eu por mim,
Segundo o que sentimos ser verdade
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E ainda que não faça mais sentido
Falar do Nada em Deus já convertido,
Vence a Palavra, em Força e em Vontade!
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Mª João Brito de Sousa
09.04.2023 - 14.40h
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9.
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"Vence a Palavra em Força e em Vontade",
Desde que não se imponha em detrimento
Da incerteza por trás da tal verdade,
Sempre infensa a qualquer engajamento.
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Pra discussão fluir com liberdade,
Não cabe aqui nenhum cerceamento
Como o tal argumento autoridade,
Contrário a autoridade do argumento;
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E pra não perder tempo com semântica,
Como demonstra a tal física quântica,
Ao revelar modelos novos seus
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Que o universo tal como concebido
Requer um elemento conhecido
Como Bóson, Partícula de Deus!
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São Paulo, 09/04/2023.
Jay Wallace Mota.
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10.
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"Como Bóson, Partícula de Deus!"
Semântica também! Analogia
Com a visão antiga dos hebreus
Que a um só Deus a vida atribuía
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Já que antes dessa havia pelos céus
E até por sobre a Terra a fantasia
De deuses e titãs e filhos seus
Que próprio ser humano concebia...
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De quântica sei pouco... um quase nada
Que a Teoria das Cordas é tramada
E a Linha de Möebius, de complexa,
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Faz-me ter pena de não ter nascido
Muito depois do meu tempo devido
Para entender se é côncava ou convexa...
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Mª João Brito de Sousa
09.04.2023 - 18.18h
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11.
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Para entender se é côncava ou convexa,
Depende de quem olha a faixa dita
Que deixa a cada volta desconexa
A pessoa que passa pela fita!
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Assim como também fica perplexa
A ciência quase sempre adstrita
A limites que a deixam genuflexa,
Ante a dualidade tão inaudita…
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Fenômenos de dupla natureza
Que ancoram o princípio da incerteza,
Num inexato jogo de advinha…
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Quem pode então dizer o que é correto
Sobre o que ora é sujeito ora objeto,
Tal qual a questão do ovo e da galinha?
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São Paulo, 09/04/2023.
Jay Wallace Mota
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12.
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"Tal qual a questão do ovo e da galinha ",
Quem nos prova se há Deus ou se o não há
Se a nossa jovem espécie mal gatinha
E julga saber tudo, agora e... já!?
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Intui-se, às vezes, mas não se adivinha
Onde a humana razão nos levará...
E que Deus para a paz nos encaminha
Se em guerra andamos e ao deus-dará
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Nós, servos de outro deus, o deus/dinheiro,
Cumprindo o que lhe int`ressa a tempo inteiro
E alimentando a própria escravidão,
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Tudo entregamos a quem nos esmaga:
Alienados, falta-nos a garra
Pra levantar a voz e dizer - Não!
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Mª João Brito de Sousa
09.04.2023 - 22.50h
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13.
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"Pra levantar a voz e dizer - Não!"
Requer antes de tudo consciência
Que o deus mercado e a tal religião
Roubam do cidadão a própria essência,
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Impondo-lhe completa alienação,
Às vezes co’o respaldo da ciência,
Usada pra dar ares de razão
Às regras que controlam a insurgência.
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Porquanto, independente do argumento,
É mister contrapor-se ao testamento
E até mesmo arriscar ser controverso;
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Melhor desconfiar que ser vencido
Por um falso consenso construído
Em torno dos mistérios do universo!
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São Paulo, 09/04/2023.
Jay Wallace Mota.
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14.
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"Em torno dos mistérios do Universo"
Nunca girou o grande deus/mercado:
Foi no capitalismo que achou berço
E é pelo consumismo alimentado
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Se algo criou esse ídolo perverso
Ao consagrar-se não sendo sagrado,
Foi o poder de em nós viver imerso
E de nos comandar, sem ser notado...
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A quem que o viu crescer e ser parido
Por um sistema há muito instituído,
Quem o verá se o monstro é invisível?
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Ó deus/dinheiro que nego e que odeio,
É por te conhecer que em ti não creio:
"Qual toda a nulidade, és indizível"!
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Mª João Brito de Sousa
10.04.2023 - 10.00h
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