AOS POETAS - Laurinda Rodrigues e Mª João Brito de Sousa
AOS POETAS - Laurinda Rodrigues e Mª João Brito de Sousa
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Coroa de Sonetos
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1.
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Estás parado porquê? A vida chama.
Ainda podes ser aquilo que és.
Nos teus dedos, a escrita te reclama
e a doce inspiração está aos teus pés.
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O poeta é um esteta quando ama
expandindo o coração de lés-a-lés...
E, se embarca nesse barco em chama,
ainda tem palavras no convés.
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Criar poemas é como criar seres
feitos de corpo e alma, se puderes
reconhecer nos versos tua pista.
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Não se impõe alcançar protagonismo:
reinventa-te apenas e, no abismo,
dá um salto mortal de trapezista.
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Laurinda Rodrigues
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2.
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"Dá um salto mortal de trapezista"
Faz ecoar, no ar, a tua voz,
Transforma o nada em verso que persista,
Desembaraça, enfim, todos os nós
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Pra que não haja "contra" que resista
Aos teus infindos, decididos "prós",
Desenrola o novelo e faz-te à pista,
Que nem sempre os solistas cantam sós...
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E mesmo que as alturas te amedrontem,
Serão dif`rentes das que enfrentaste ontem,
Cada dia é, pra ti, uma surpresa
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Que irás compor conforme a melodia...
Faz a vénia no fim, que a cortesia
Serve-se fria, como a sobremesa
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Mª João Brito de Sousa
18.03.2022 - 10.15h
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3.
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"Serve-se fria, como a sobremesa",
mas a doçura dá-lhe o seu aroma
que, para incautos surge com surpresa
a adicionar açucares ao que coma.
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Acautela-te, pois, se fores obesa
ao devorares poesia nesse idioma
porque a doçura pode ficar presa
a alguma outra rima, que te doma.
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Aceita o trocadilho, por favor,
mesmo que ele te incomode no odor
que tombou ao meu lado sem prever...
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Perdi, a pouco e pouco, o meu rancor
e, estando lado a lado, com o amor,
não sei se dar abraços ou bater.
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Laurinda Rodrigues
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4.
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"Não sei se dar abraços ou bater"
Em retirada deste palco imenso
Ficando este soneto por escrever,
Deixando por dizer tudo o que penso...
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Mas vou ficar, nada tenho a perder
Senão umas ideias sem consenso
E antes quero abraçar-te sem ceder,
Do que ceder perdendo o meu bom-senso
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Aceito trocadilhos, brincadeiras,
Saltos mortais... até aceito asneiras
Que podem ser pequenos palavrões,
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Mas se um abraço for, melhor aceito!
Não há poeta que seja perfeito
E eu nunca sei quando meter travões...
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Mª João Brito de Sousa
18.03.2022 - 15.30h
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5.
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E eu nunca sei quando meter travões
na louca correria onde me arrisco
a ter comedimento e não paixões
que aceito que me ofereças em petisco.
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Porque isto de alimento às emoções
seja em que escala for esse teu isco
só entendo como provocações
pois nem te mordo, bato, nem belisco.
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O jogo é entre corpo são e mente
feitas de uma audácia, de repente,
em gestos já fatais de tal sequência...
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Passas-me a bola? Muito lentamente?
Porque, ao jogar tal jogo, a gente sente
que é melhor acordadas que em dormência.
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Laurinda Rodrigues
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6.
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"Que é melhor acordadas que em dormência"
Jogar-se à bola, ao "mata" ou ao peão
E até xadrez que é jogo de paciência
Posso jogar, se não disseres que não...
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Porém, se um verso faz interferência,
Esquece o xadrez; não há concentração
Que, em mim, resista ao verso e, numa urgência,
É pró verso que corro e estendo a mão
*
Mas, sim, passo-te a bola lentamente
E a bola passará mesmo à tangente
De um verso solto, perdido no ar
*
Depois? Depois será a tua vez...
Só não te esqueças do velho - UM, DOIS TRÊS,
A brincadeira vai recomeçar!
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Mª João Brito de Sousa
18.03.2022 - 17.15h
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7.
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"A brincadeira vai recomeçar"
"Um, dois , três", ouviste ou não?
Andas teimosamente a versejar
num jogo que só é contradição.
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Paras um pouco? Não queres descansar?
Se for preciso, dou-te um empurrão
até que a cama possas alcançar
*
mesmo que seja fora do colchão.
Isto é maldade pura, não te zangues
porque em mim os poemas estão exangues
e apostei em dizer só disparates.
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Mas estranho! As letras saem langues
voando como peças, bumerangues
e os laços, que as ataram, não desates.
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Laurinda Rodrigues
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8.
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"E os laços que as ataram não desates"
Para que continue a brincadeira
E embora eu seja pródiga em dislates,
Tentarei não fazer nenhuma asneira
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Em todo o caso, nunca me maltrates,
Nem me tentes pregar uma rasteira...
Se caio, choro mais que o próprio Eufrates
E acabas afogada em choradeira
*
Mas, na verdade, não te ouvi chegar
E nem um mail chegou pra me avisar
Da existência de uma outra mensagem...
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Alguém aqui meteu o pé na poça,
Ou, vendo-nos brincar, quis fazer troça
Da nossa estranha - mas feliz! - imagem...
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Mª João Brito de Sousa
18.03.2022 - 19.10h
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9.
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"Da nossa estranha - mas feliz! - imagem"
nasceram as pégadas sorrateiras
que fizeram um esboço de paisagem
onde eramos as grandes forasteiras.
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Tenho medo! Socorro! É a linguagem
que fingimos sentir, bem companheiras,
gozando loucamente a vadiagem
das horas sem retorno mas certeiras.
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Aqui me vês agora? escutas? sentes?
Parecemos ser p'ros outros as dementes
que, a cantar, enganam multidões?
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A hora já é tarde e nunca mentes
quando dizes que são os meus repentes
que transformam em verso os corações.
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Laurinda Rodrigues
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10.
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"Que transformam em verso os corações"
E vice-versa pois, frequentemente,
Tomam os corações as dimensões
De um poema que criamos irmãmente
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E correm-nos nas veias furacões
Quando o verso nos nasce, assim, a quente,
Tão quente como a lava dos vulcões
Se como a lava brota, incandescente...
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Também sinto que a hora é já tardia,
Que já esmorece a minha rebeldia
E que o vulcão, aos poucos, já se extingue
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O ciclo circadiano impõe cumprir-se,
As letras deste ecrã estão a sumir-se
E a minha vista já mal te distingue...
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Mª João Brito de Sousa
18.03.2022 - 20.30h
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11.
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"E a minha vista já mal te distingue"
por tanto olhar o meu famoso ecran.
Mas não faz mal porque não se extingue
a criação dos versos e o elan.
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Quem não entende desejo que se mingue
porque - posso dizer - não é meu fã
e fazer Coroas é como andar no ringue
ao som maravilhoso do tantan.
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Brincar, desafiar, próprio da gente
que ousa na desgraça estar contente
sem ficar atascado em frustração...
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Mas se, mesmo assim, não é diferente
e, dando tanto, ainda estás carente
já não tenho maior consolação.
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Laurinda Rodrigues
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12.
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"Já não tenho maior consolação"
Nem penso de outra forma vir a tê-la
A menos que me falte inspiração
E vá olhar o Sahara da janela
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Ou veja, no ecrã da tel`visão,
A guerra na versão "telenovela"
(e disto não te falo sem razão,
nem brinco com tensões que surjam dela!)
*
"Bora" brincar às c`roas companheira?!
Correrão musas para a nossa beira
E, sendo duas, passamos a quatro;
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Se quisermos brincar às escondidas,
Sempre acharemos almas convertidas
Ao verso "coroado" ao desbarato...
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Mª joão Brito de Sousa
19.03.2022 - 10.15h
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13.
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"Ao verso "coroado" ao desbarato"
mas sempre caro na sua prontidão
fazemos elegia, sem estar farto
esse mágico empenho da razão.
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Mas não se entenda a razão sem tato
porque tatear faz bem à emoção.
Até, se for preciso, tiro o fato
e mostro como é o meu cordão
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umbilical, cordão do nascimento,
mesmo que não nasça de um portento
que é reconhecido pelo nome.
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É preferível esconder-me no cimento
de uma casa onde não entra o vento
e onde não há medo nem há fome.
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Laurinda Rodrigues
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14.
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"E onde não há medo nem há fome",
Há sempre espaço prá Felicidade,
Prá Poesia - que também se come -
E para tudo quanto nos agrade
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Só não haverá espaço pra quem some
Milhões à custa da fatalidade,
Nem pra quem a Razão nos aprisione
Em nome duma imensa falsidade
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Sigamos pois a rota dos sem-medo,
Mesmo que embata a Barca num rochedo
Ou se perca no crude da derrama
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Nada nos chegará de mão-beijada!
Pergunta a quem, olhando, não vir nada;
"Estás parado porquê? A Vida chama"!
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Mª João Brito de Sousa
10.03.2022 - 12.00h
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