Maria João Brito de Sousa
A RAIZ DAS ALGAS
*
I
*
Tempos houve em que o mar batia às portas
De cada um de nós, como quem pede,
E cada um de nós lançava a rede
Antes que o sol nascesse, a horas mortas
*
Tempos houve em que o mar nos oferecia
Caminhos sem ter fim, novas fronteiras...
O mesmo mar das ondas altaneiras,
Do sal, das rochas com cheiro a maresia...
*
Tempos houve em que o mestre nos falava
Do mito: a caravela que cruzava
As águas desses mares ditos só nossos
*
Depois crescemos... Nunca o mar mudou,
Foi o adulto em nós que duvidou
E em vez de caravela achou destroços.
*
Mª João Brito de Sousa
II
Caravelas de luz! O mundo é breve
Ao preço ocasional da fama e glória!
Assim nos diz o Tempo e reza a História
De quanta fama e glória a Nação teve...
*
O berço dos Poetas, das conquistas,
Desse, então, estranho mundo à descoberta
De quem parte e só volta à hora incerta
Dos que vivem de sonhos saudosistas...
*
Assim se entrega o luso ao Mar, que aceita
E lhe promete amplexos de sereias
Em vez do medo ao velho Adamastor
*
E é da raiz das algas que ele se enfeita
Na vastidão das ondas, nas areias
E onde engendre ilusões de eterno amor.
*
Maria João Brito de Sousa
19.10.2008
Nota - Reeditado e reformulado a 09.10.2012
publicado às 13:00
Maria João Brito de Sousa
Ó meu palácio líquido e imenso
De torreões de espuma imaculada,
Todo bordado em renda recortada
Sobre esse fundo de um azul intenso,
Nas muralhas instáveis que condenso
Na imagem recorrente que, inspirada
Me surge deste olhar-te e estar calada
Na profunda atenção que te dispenso,
És berço de sereias e tritões,
A estranha fauna desse imaginário
Eterno e colectivo ou irreal
Que habitas para além desses portões
Que invento para ti, ó meu sacrário
Feito de sonhos e de água com sal.
Maria João Brito de Sousa - Verão 2008
(Imagem retirada da Internet)
(Revisto)
publicado às 22:40
Maria João Brito de Sousa
Ó lusitano mar de quem herdei
As veias dos poemas que te faço,
Eu venho-me entregar ao teu abraço
Pela mão de um soneto que criei
E tu, em cujo seio eu engendrei
A voz que trará vida ao meu cansaço,
Repara nestas linhas que te traço
E aceita, inteira, a vida que te dei...
Eu sou quem te levou a outras raças,
Quem de ti fez cavalo que galopa,
Quem ouve os mil segredos que revelas...
Eu sou a terra-mãe que tu abraças
Num ponto ocidental da velha Europa
E a nação que te encheu de caravelas!
(Imagem retirada da internet)
NOTA DE RODAPÉ -Um dos sonetos com que concorri aos Jogos Florais que não ganhei
publicado às 00:03
Maria João Brito de Sousa
Não me quero da cor que em mim pintais!
Só me quero da cor que o mar me pinta
Numa paleta mágica de tinta
Nestas horas azuis e matinais!
Não me vejo na cor com que me olhais!
Só me vejo na cor em que me sinta
Nos cambiantes de azul que o mar consinta
Em "dégradés" perfeitos, casuais...
Na paleta do mar é que me espelho
(e nela me revejo e me aconselho...)
Nos cinzentos-azuis de um sol nascente...
O mar é quem me pinta e nele me encontro
E renasço da cor desse confronto
Entre esse azul marinho e toda a gente!
Escrito no comboio, hoje, às 7.00h
Imagem retirada da internet
publicado às 13:16
Maria João Brito de Sousa
Um poente debrua a ferro e fogo
A linha horizontal do fim do mar
E retoma um percurso milenar
Pois pára de o bordar e volta logo.
A sua condição, que não revogo,
Impõe-me uma cadência pendular;
Deste lado, onde o Sol vem pernoitar,
Preguiça o mar imenso em que me afogo,
Do outro, aonde o Sol vai renascer,
Surge uma luz difusa, num crescendo,
Ressuscitam palavras entre os vivos
E recomeça a vida em cada ser...
Quanto a mim, que só disso vou vivendo,
Coube-me descrevê-lo, entre adjectivos...
Fotografia tirada por mim a uma flor de bananeira
publicado às 13:39
Maria João Brito de Sousa
Tão poucas! Quão pouquíssimas verdades
São, afinal, cumpridas neste mundo!
Mergulho no meu mar, alcanço o fundo...
Eu quero lá saber de falsidades!
Mas sendo humana, enfim, preciso de ar...
Emirjo do meu mar, venho ao de cima
E nesse hausto profundo que me anima,
Abro os olhos e alcanço vislumbrar
A estranha arquitectura de outro império
E ao ver, ao longe, erguer-se um mundo "a sério",
Desponta em mim alguma indecisão;
Vou para terra e sou como os demais,
Ou mergulho nas águas virtuais
E enfrento a minha própria imensidão?
Maria João Brito de Sousa - 14.08.2008 - 14.50 h
Imagem retirada da Internet
publicado às 14:50
Maria João Brito de Sousa
Tantos anos vivi que sei de cor
As pétalas, ao tempo, a rota, à lua,
À montanha abissal, a ruga crua,
Os bocejos, ao sol... seja o que for!
Evoco mil marés em que desenho,
Nas rochas e na areia, o meu sentir;
Renovo o que teci neste ir e vir,
Ora sorrindo, ora franzindo o cenho...
Sou quase intemporal! Semeio vida
Por essa terra virgem, desnudada,
Que foi minha mulher desde o começo,
A minha terna amante, a preferida...
Eu, líquido caminho, infinda estrada
Que vós desconheceis, mas que eu conheço!
Maria João Brito de Sousa - 22.04.2008 - 13.03h
Fotografia - "A Tecedeira de Barcas", 76x64cm, Pastel de Óleo sobre
Papel Fabriano montado em tela, M. João Brito de Sousa, 2006
publicado às 13:03
Maria João Brito de Sousa
Ontem eu tive um sonho, um sonho breve...
Caminhava no mar e de mãos dadas
Com peixes e sereias, nas coutadas
De quem preda no mar o que ao mar deve...
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Vi um Golfinho-Azul que estava triste
E, ao largo, uma Baleia-Cor-de-Rosa
Boiava sobre o mar quando esp`rançosa
A chamei e lhe disse:- Deus existe!
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A pobre da baleia assassinada
Acordou, respirou, pôs-se a nadar
E o mar ficou mais vivo e mais contente...
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Que pena ser só sonho! Eu nem fiz nada
E o homem nunca aprende a respeitar
A vida que há no mar que lha consente...
.
14.03.08 - 14.00h
(A ir para o hospital...)
publicado às 10:59
Maria João Brito de Sousa
UMA LUZ NO FUNDO DO MAR
*
Meu castelo de sal em lua-cheia,
A renda que debrua as tuas vagas
E pontilha de branco as duras fragas,
Vem, às vezes, lançar-me, sobre a areia,
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Gotinhas desse mar que bebo à ceia...
De ti, mar, que fugias e voltavas
Nas ondas que obedecem como escravas
Aos mais fúteis caprichos das sereias.
*
Assim, singro este mar que me conduz
À nascente de mim no infinito
E a templos de água e sal sobre ilusões.
*
Fala-me, essoutro abismo, doutra luz
E eu, quando oiço o mar, quase acredito
No mundo imaginário dos tritões.
*
Maria João Brito de Sousa - 29.01.2008 - 16.06h
publicado às 16:06
Maria João Brito de Sousa
MEU AMO, O MAR
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Meu amo e meu senhor das ondas bravas,
Dos líquidos abismos insondáveis,
Que prometendo amor`s inconfessáveis
Me vão trazendo as horas como escravas,
*
Meu senhor das marés, o que me davas
Se obedecesse a apelos impensáveis
Das ondas que parecem sempre amáveis?
Também a mim, será que me afundavas?
*
Ó mar das profundezas ilusórias,
Como entregar-me a ti se tão bem sei
Que essas tuas promessas são traidoras?
*
E surgem, de repente, estas memórias
Dos medos ancestrais que ainda herdei
De quantos te entregaram suas horas...
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Maria João Brito de Sousa - 29.01.2008 - 10.58h
publicado às 10:58
Maria João Brito de Sousa
A SEDUÇÃO
O mar tem tantos truques, tal poder,
Pra nos prender a vida e fascinar
Que parece mais homem do que mar,
Quando seduz e encanta uma mulher.
Mas o mar não rejeita quando quer!
Se um dia nos deixamos encantar
Sabemos ser cativo esse lugar
Que o mar tem pronto pra nos oferecer.
Depois da sedução estar consumada,
É tudo para a vida e para a morte
E não há volta a dar, o mal está feito,
Porque não há retorno, não há nada
Que possa libertar-nos dessa sorte,
Se um dia adormecermos no seu leito.
Maria João Brito de Sousa - 23.01.2008 - 14.46h
publicado às 14:46
Maria João Brito de Sousa
A Primavera está a chegar e, com ela, veio-me esta vontadezinha de escrever sobre o mar...
Afinal eu, cidadã do mundo, sempre vivi aqui, exactamente na zona litoral que define a linha onde o Tejo e o Atlântico se encontram.
Em Algés, cresci até à adolescência, na Rua Luís de Camões, numa casa que ainda hoje existe e está assinalada com uma pequena placa que homenageia o nascimento do malogrado Amaro da Costa, cujo pai era um grande amigo do meu avô, o Poeta António de Sousa, de quem, mais tarde vos tenciono falar.
A minha primeira casa enquanto "pessoa crescida" foi em Paço de Arcos, mesmo junto à estação da CP, na rua Carlos Luz.
Agora vivo há trinta e seis anos em Oeiras, na Quinta das Palmeiras e tenho a certeza que não saberia viver fisicamente longe daqui.
Por isso aqui vai a minha:
A JUSTIFICAÇÃO DO MAR
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Serei, na (in)completude dos gentios,
Quem de ti fez o berço original,
Quem te encheu da grandeza natural
De invernos, dos agrestes, e de estios;
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Sou quem te enfeita de ilhas e baixios,
Quem te cava esse leito de água e sal,
Quem te cobre de bancos de coral,
Quem te devolve a água dos seus rios
*
E sou quem te deu essa imensidão
Das coisas que mal sabes desvendar,
Quem cresce ao renovar-te e quem te fez,
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Eu, a VONTADE (sempre em gestação)
De me expandir, de me multiplicar;
A força adivinhas mas não vês!
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Maria João Brito de Sousa - 23.01.2008
publicado às 13:14