Maria João Brito de Sousa
Hoje qualquer palavra serviria,
Desde que desvendasse a compulsão.
Qualquer uma, do “sim” até ao “não”,
Mesmo a contradição de uma ironia
Me faria tão bem, me encantaria
Bem mais do que uma alegre ilustração,
Mais, nesta minha humana dimensão,
Do que a sublime essência da alegria!
Palavras, só palavras me acorrentam
Aos universos que elas representam
Quando nelas alcanço esse seu céu,
Porque só as palavras me contentam,
Só elas me conhecem quando tentam
Prender-me a este estranho encanto meu.
Maria João Brito de Sousa – 10.01.2011– 19.05h
publicado às 11:23
Maria João Brito de Sousa
Sobre tantos Janeiros de nós dois,
Cansou-se a velha lua de sonhar
E, em se indo deitar, surgiu, depois,
Um sol que só nasceu pr`a vir espreitar…
Se, em cantando as Janeiras, tu me dóis,
Se me dóis mais ainda ao não cantar,
Que fazer se, por ti, me nascem sóis,
Se, enquanto me doeres, irão voltar?
Não cantaste as Janeiras… que me importa
Se, amanhã, me vieres bater à porta
Por sentires o vazio de uma saudade?
Olho o céu de Janeiro e fico absorta;
Nem uma estrela brilha, viva ou morta,
E quanto o céu promete é tempestade…
Maria João Brito de Sousa- 10.01,2011 - 11.57h
Imagem retirada da internet
publicado às 11:57
Maria João Brito de Sousa
Cobriram-me de pétalas de rosa
E deram-me o plural das transparências;
Inexpugnável fui, nas aparências,
Qual “persona non grata”, mas famosa,
Apenas por escrever poema e prosa
E por não ter temido as divergências,
Mas calam-se-me as mãos e, toda ausências,
Já seiva alguma faz de mim viçosa…
Do que de mim guardei, pouco mais dou;
Devolvo-vos a rosa, enquanto vou
Subindo a fortaleza inacabada
Que também passará, como passou
A força que a subida me roubou
Mas que aqui permanece bem guardada.
Maria João Brito de Sousa – 05.01.2010 – 18.45h
publicado às 11:57
Maria João Brito de Sousa
Num lago pequenino e debruado
Por azedas e trevos, como tantos,
Demorava-se o sol, preso aos encantos
Deste meu paraíso recriado
E, querendo-se deitar, por estar cansado
De aquecer, deste lado, os verdes mantos,
Olhando este meu lago, outros quebrantos
O fizeram esquecer o outro lado.
“Metáforas… só isso!” - direi eu,
Depois, ao constatar que o sol desceu
Sem por mim ter esperado um só segundo.
Com ou sem paraíso, um escuro véu
Cobriu, inteiro, o azul do mesmo céu
Que veste os paraísos do meu mundo.
Maria João Brito de Sousa - 06.01.2011
publicado às 11:26
Maria João Brito de Sousa
Em verdade vos digo, e não repito,
Que o sol não morrerá sem que penseis
Que tudo o que sonhardes é bendito,
Que há vida além do pão que hoje comeis.
Falo-vos do que aqui vai sendo escrito,
Daquilo de que vós duvidareis
Quando, em urgência extrema, o corpo, aflito,
Vos pedir quanto vós lhe não dareis.
Em verdade vos peço que luteis
Pelo pão que vos falta (e bem sabeis
que vos falta bem mais que apenas pão),
Que, em tudo o que fizerdes, procureis
Razões que nem sequer reconheceis
Porque o que mais nos custa é ter razão.
Maria João Brito de Sousa – 02.01.2011 – 15.51h
ANUNCIAÇÃO DO CRISTO AMARELO A PAUL GAUGUIN - Paul Gauguin renunciou a uma vida estável e abastada para se encontrar com a Arte.
Condenado por tudo e todos, só o tempo viria a mostrar o valor do seu trabalho.
publicado às 12:20
Maria João Brito de Sousa
Depois de uma ilusão… quanta ilusão,
Quantas metas ainda inalcançadas!
Quantas vezes é “sim”, e quantas “não”,
Sob o esforço das mãos já desgastadas?
Quanto trabalho até à remissão
Das negras tatuagens ulceradas,
Quanta fé, quanto amor na confecção
Das coisas que estão sempre inacabadas…
Depois de uma ilusão, resta o que resta
E, desse resto, o tanto que virá
Do muito que sair das nossas mãos…
E que ninguém nos diga: - Isto não presta!
Há sempre alguém que entende o que se dá,
Há sempre alguém que diz: - Somos irmãos!
Maria João Brito de Sousa
Ao som de “Todo o Tempo do Mundo”
IMAGEM - Eu com a avó Alice, mulher do poeta António de Sousa. Esta avó viria a falecer prematuramente, de um súbito agravamento da sua doença de Parkinson, quando eu tinha onze anos de idade.
publicado às 17:00
Maria João Brito de Sousa
Cada verso me nasce, sem pedir,
Com asas de papel, corpo de chama,
Quando, nele, em voz alta se proclama
Tudo quanto me doa… se o sentir…
Cada verso que "roubo" é, sem mentir,
Isento de razão, alheio à fama,
Surgindo como a chuva se derrama
Sobre eternas planuras a florir.
Cada qual se reforça quando afirma
Seu derradeiro apelo à solidão;
Rabisco mal esboçado, mas urgente
De quem dispensa um outro que o redima…
Por cada verso, a ponte em suspensão
Entre aquilo que sou e toda a gente…
Maria João Brito de Sousa - 29.12.2012 - 14.51h
publicado às 14:51
Maria João Brito de Sousa
Há dias em que tudo me transcende;
A rota de um cometa, a Terra, o Céu…
[as coisas que aqui vejo, Deus mas deu,
mas só porque, quem sou, logo as entende…]
Nesses dias, serei quem compreende
Que o mundo, revelado, é todo meu,
Que basta levantar a ponta ao véu
E a chama que há em mim logo se acende…
Mas se é certo que um dia não são dias,
Que os mais me trazem duras agonias,
São coisas que se esquecem pois virão
Os que trarão sorrisos, alegrias,
Os do deslumbramento e fantasias;
Há sempre um “dia sim” nas “vidas não”...
Maria João Brito de Sousa - 28.12.2010 -12.09h
publicado às 12:09
Maria João Brito de Sousa
PUPPEN THEATER - 1923 – Aguarela sobre fudo de giz sobre dois papéis, debruado a aguarela e pena sobre cartão
Paul Klee
Como se me nascessem quando quero,
Como se eu carregasse num botão
E se materializasse a inspiração,
A tal que só me vem quando a não espero...
Como se fosse simples! Não tolero
Ser submetida a tanta sujeição!
Mas, se sou eu quem me comanda a mão,
Quem o comanda a ele? E desespero...
Mostra vontade própria, esse poema
Que faz o que quer porque nasceu
Do que não sei explicar, desse mistério
Que veio não sei de onde e, sem um tema,
Desceu sem me dizer por que cresceu
Tal qual como um ser vivo, sendo etéreo.
Maria João Brito de Sousa – 23.12.2010 – 17.10h
NOTA DE EDIÇÃO - Por esta estrada*, caminha-se para o subtítulo do Poetaporkedeusker, para a minha paralela paixão pela biologia, para o entendimento – ou não… - da abstracção e para todas as inexplicabilidades. Esta foi construída por mim e traz marcadores que são meus, que têm a ver com o percurso que eu escolhi depois da interacção com todas as infinitas variáveis que se me foram apresentando ao longo do caminho… mas é também, de alguma forma, a vossa estrada porque, na sua essência, nos remete, a todos, para a inexplicabilidade, em geral.
Façam favor…
*soneto…
publicado às 12:18
Maria João Brito de Sousa
Não escreverei até que as mãos me doam
Pois muito além da dor, ainda escrevo
E, às vezes, digo tudo o que não devo
Que nem deuses, nem o homens me perdoam,
Mas, se pressinto as rimas que ressoam
E se acaso as alcanço, onde me atrevo,
Prendo-as nas duas mãos que logo elevo
Em estandartes, como aves quando voam.
São asas transcendentes, vigorosas,
Vermelhas como as pétalas viçosas
Que preferem morrer a ser vencidas
Em estrofes que persistem, que, teimosas,
Brandem espinhos agudos, como as rosas
Que sempre os usarão quando colhidas.
Maria João Brito de Sousa – 22.12.2010 – 00.13h
http://www.dominiopublico.gov.br/ - Um site que recomendo e que corre o risco de terminar por ter muito poucos visitantes
publicado às 11:56
Maria João Brito de Sousa
Noutro ponto qualquer desta viagem,
Num dia a que não sei dizer o nome,
Encontrarei, talvez, força e coragem
Pr´a negar esta absurda, humana fome.
Terei, enfim, traçado a minha imagem
E não haverá mundo que me dome
Pois serei, de quem fui, simples miragem
A diluir-se na luz em que se some.
Será num tempo ainda por chegar,
No desaguar de um rio que ruma ao mar
Na barca destas tábuas que talhei…
Será onde eu couber, mas há-de ser!
E é tudo o que, pra já, posso dizer
Porque, a bem da verdade, eu nada sei!
Maria João Brito de Sousa – 20.12.2010 – 19.59h
publicado às 12:41
Maria João Brito de Sousa
MISTÉRIOS DE TODAS AS POÉTICAS
Há gotas de suor nos meus sonetos,
Jorrando de outros poros, porque os meus
Não podem entender tantos dialectos
E portam-se, por vezes, como ateus
Que pasmam só de olhar os riscos pretos
Feitos – quem sabe… - pela mão de Deus,
Destes grafismos estáticos, erectos,
Que descrevem o Mar, a Terra, os Céus…
Inunda-me, o poema, o corpo inteiro,
Escorrendo como a tinta de um tinteiro
Que outro alguém, derrubando, não quisesse
Aceitar nas palavras que eu emprego
E, à pressa, derramasse um grito negro
Sobre o que eu escreveria… se pudesse.
Maria João Brito de Sousa – 18.12.2010 – 18.36h
CONDICIONALISMOS, COMODISMOS E RECEIOS, S.A.
Eu cantaria a rosa que há em mim,
Mas posso muito bem vir-me a esquecer,
Ou mesmo perguntar-me, até ao fim:
- Se um espinho me picar, irá doer?
Eu cantaria as ervas de um jardim
Até o mundo olhar e entender
Mistérios numa haste de alecrim...
Mas se ele for cego e nunca o puder ver?
Há preconceitos e receiozinhos
Que vão atando as mãos da minha voz
E que me vão deixando assim, perdida
Na conjectura de actos comezinhos…
Ficam flores e jardins muito mais sós
E assim se vão as horas de uma vida.
Maria João Brito de Sousa – 15.12.2010 – 19.19h
NATAL - Amor, simbolismos e metáforas
Tão leve é o seu jugo… e já chegou
O tempo de afastar toda a cegueira
Porque o Tempo cresceu, tudo mudou,
Mas nunca foi Natal na Terra inteira.
Tão suave a sua carga… e demorou,
Como qualquer terrena sementeira,
O tempo necessário, o que bastou,
Pra dar vida ao escondido na poeira.
Tão ínfimo e tão grande! Que pesada
A mão que desferiu a chicotada,
Qual célula a cumprir suas funções
Em troca do perdão, na consoada,
Escolhe nascer na mesma humana estrada
Em que, ao morrer, reinou sobre as paixões.
Maria João Brito de Sousa– 16.12.2010 - 19.25h
publicado às 15:17