Maria João Brito de Sousa
COLHI CACHOS DE SOL
Colhi cachos de sol já à tardinha
E juntei-lhe uma fruta bem madura
Com água, gelo e gim. Fiz caipirinha
Que fui bebendo em copos de ternura
No olhar ficou em jeito de adivinha
O fulgor que o sol pôs nesta mistura
Senti-me ao fim da tarde uma rainha
Dourada como a mais bela escultura
Já a lua vestia de cambraia
Descalça entrei nas ondas duma praia
E apanhei nelas véus de renda fina
Cobri o rosto e andei sem rumo exacto
Pensamento vazio olhar abstracto
Nos pés descalços asas de menina
MEA
22/07/2017
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FAMILIAR(IDADES)...
“Colhi cachos de sol já à tardinha”,
Gomos de lua cheia e reluzentes
Bagos, desses que brotam duma vinha
De que outros se embebedam, desistentes...
“No olhar ficou um jeito de adivinha”;
Sabes, de saber feito, ou só pressentes,
De mim, quanto era meu? Que me mantinha
Assim, perseverante, entre indif`rentes?
“Já a lua vestia de cambraia”
Quando, no horizonte, o sol desmaia
E, fascinada, então, pelo poente,
“Cobri o rosto e andei sem rumo exacto”
Encontrando um irmão em cada gato
E, em cada cão sem dono, outro parente...
Maria João Brito de Sousa – 26.07.2017 – 11.25h
publicado às 11:47
Maria João Brito de Sousa
FANTASIA DE NUVEM
Sou irmã dessa nuvem que chovia
Na tarde entristecida dum poeta
Escura e negra sem alma nem poesia
Escorrendo pelo bico da caneta
E quando o dia é escuro a noite fria
O luar é um fogo que inquieta
Fere-me os olhos, tira a fantasia
Eu viajo na cauda dum cometa
Pelas crateras negras desta vida
Em jeito duma névoa atrevida
Que tapa até a luz da lua cheia
E pela madrugada escorrem versos
Nos chuviscos que caem bem dispersos
Por entre velhas casas duma aldeia
MEA
5/07/2017
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HÁ-DE PASSAR...
“Sou irmã dessa nuvem que chovia”
Sobre um chão sequioso e tão crestado
Que nem uma só planta ali nascia
Porque cada raiz tinha murchado
“E quando o dia é escuro, a noite fria”
E mesmo o céu parece ter secado,
Nem uma só semente brotaria
Se não fosse esse chão dessedentado...
“Pelas crateras negras desta vida”,
Tarde ou cedo, uma nuvem, comovida,
Há-de passar chorando, há-de passar,
“E pela madrugada escorrem versos”
Sobre os torrões inférteis que, submersos,
Desatam a florir, sem hesitar.
Maria João Brito de Sousa – 08.07.2017 – 09.55h
publicado às 10:36
Maria João Brito de Sousa
FANTASIA, SONHOS E BRINQUEDOS
Há fantasia, sonhos e brinquedos
Fundidos com amor e esperança
Alegria aventuras e segredos
Nos olhos inocentes da criança
E quando chora e grita com os medos
Nos seus olhos há gotas numa dança
Translúcida, que brotam quais torpedos
Até sentir de novo ar de bonança
Se na água do rio se vê espelhada
Tem nos olhos uma estrela desenhada
Que cintila nos risos que declama
Como sendo poemas, esses risos
Mágicos, que se fazem de improvisos
Quando os seus olhos vêm quem ama
MEA
1/06/2017
A CURIOSIDADE INFANTIL
"Há fantasia, sonhos e brinquedos"
E essa curiosidade natural
Que, ao fervilhar nas pontas dos seus dedos,
Desvenda do complexo ao mais banal
"E quando chora e grita com os medos",
São esses choros coisa ocasional,
Porque logo se apagam nos folguedos
Que engendra pela casa, ou no quintal...
"Se na água do rio se vê espelhada",
Sobre ela se debruça extasiada,
Fantasiando sobre o que ali viu...
"Como sendo poemas, esses risos",
São seus? Serão reflexos imprecisos?
Foi ela ou foi a água quem sorriu?
Maria João Brito de Sousa -02.06.2016 - 10.36h
publicado às 10:50
Maria João Brito de Sousa
QUANDO A NOITE CHEGA
Serenamente a noite chega e traz
Um bailado com fitas de luar
Num brando musical que se perfaz
Nos sonhos que se formam num olhar
Se uma sombra dançante, satisfaz
Fantasias que crescem no lugar
Onde o som do silêncio é capaz
De num abraço quente vir beijar
Os lábios que trauteiam as canções
Ao ritmo do bater dos corações
Quando sonho visita o pensamento
E junto com as estrelas e o luar
Há um conjugar perfeito um embalar
Que leva a viajar plo firmamento
MEA
9/05/2017
FINITUDES
“Serenamente a noite chega e traz”
Um pouco de descanso ao torturado
Corpo que já não busca senão paz,
Quando da própria paz se vê privado.
“Se uma sombra dançante o satisfaz”
E devaneia um tanto alucinado,
Será só porque a dor não foi capaz
De lhe apagar um sonho antes sonhado.
“Os lábios que trauteiam as canções”,
Cerram-se agora em estranhas contorções,
Que a dor que quer esquecer não foi vencida
“E junto com as estrelas e o luar”,
Está a dor, sempre pronta pr`a lembrar
Que os sonhos também morrem, como a vida.
Maria João Brito de Sousa – 18.05.2017 – 10.08h
publicado às 10:18
Maria João Brito de Sousa
RECEITA PARA UM POEMA
Juntei todas as letras, uma a uma
Misturei levemente sem bater
Com um pouco de sol e também bruma.
Num lugar ermo deixei-as crescer
Ao molde, defumei-o com caruma
Nas horas que me deu maior prazer
E, suavemente como quem perfuma
A vida com amor, fi-lo nascer
Dispondo cada verso em seu lugar
Fui dando pinceladas de luar
De modo bem subtil e assaz discreto
Ficou por fim completo com o tema
Que lhe deu essa mágica suprema
Ao conferir-lhe a forma de soneto
MEA
16/03/2017
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A MINHA RECEITA
Nasce, por vezes fora de estação,
Um verso, o ingrediente principal
Que tempero, sem grande contenção,
De razão, de emoção, pimenta e sal.
Cozinho sem panela de pressão,
Pois mais me agrada um prato natural
Confeccionado à base de paixão,
Do que um "forçado" que me saiba mal...
Tem, acima de tudo, de ser são!
Se a confecção me sabe a artificial,
Desprezo, no final, a refeição,
Volto ao fogão, preparo algo opcional,
Mais natural, de fácil digestão
E cheio de tensão... mas musical.
Maria João Brito de Sousa - 31.03.2017 - 11.01h
publicado às 08:14
Maria João Brito de Sousa
DIAS DE MULHER
Na madrugada ainda escurecida
Desperta, com o sono inacabado
E vai ainda meio adormecida
Começar mais um dia complicado
Tem como companheira a avenida
Que percorre com passo já cansado
Do tanto que já fez, até comida!
Para poupar no seu magro ordenado
Entre papéis com tanta informação
Pessoas e projectos, reunião
O seu dia passou alucinante
Já em casa as palavras são caladas
Plo silêncio que soa quais baladas
No cansaço que em si se faz reinante
MEA
21/03/2017
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TODOS OS DIAS...
"Na madrugada ainda escurecida",
Desperta antes que o sol possa ofuscá-la
E mesmo que tirite enfrenta a vida,
Que a mulher pobre, nem o frio a cala.
"Tem como companheira a avenida"
Que a leva desde o quarto até à sala;
Passo a passo a percorre decidida
A não falhar um passo e a alcançá-la.
"Entre papéis com tanta informação",
Vai-se vergando àquela profusão
De guias e de contas por pagar.
"Já em casa as palavras são caladas"
Por cálculo mental. Contas saldadas,
Nada lhe sobra pr`a poder contar...
Maria João Brito de Sousa - 29.03.2017 - 16.34h
publicado às 17:43
Maria João Brito de Sousa
HÁ PALAVRAS QUE BAILAM NOS MEUS DEDOS
Há palavras que bailam nos meus dedos
E que zombam de mim, deste cansaço
Fazendo dos meus dedos seus brinquedos
Enquanto eles repousam no regaço
Vão juntinhas contando-lhes segredos
Pra que ao ouvi-los sintam embaraço
E plo papel se percam em enredos
Olvidando a fadiga em que me amasso
E devagar, em esforço cresce o verso
Ora algo indolente ora algo disperso
Troçando dos meus dedos vagarosos
Vai adquirindo forma de poema
Feito com as palavras de algum tema
E os versos, que cresceram rigorosos
MEA
24/02/2017
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O EMBRIÃO
"Há palavras que bailam nos meus dedos"
Seguindo a pulsação das próprias veias,
Compondo, ou recriando os seus folguedos,
Conforme a mente vai moldando ideias.
"Vão juntinhas contando-lhes segredos",
Arrancando e limpando as velhas teias
Que escondem, ou mascaram quantos medos
Possam vergá-las de quebranto, ou peias
"E devagar, em esforço, nasce o verso",
Como se em carne houvesse o próprio berço
E em sangue urdisse a própria concepção.
"Vai adquirindo forma de poema",
Quando a razão brindar cada fonema
Com todas as razões que há na paixão.
Maria João Brito de Sousa - 25.02.2017 - 11.44h
"Mulher Grávida" - Escultura de Pablo Picasso
publicado às 11:55
Maria João Brito de Sousa
ÁGUAS
Águas da chuva são belos brilhantes
Delicados e frágeis a brilhar
Em gotas transparentes, cintilantes
Numa cama de flores, a sonhar
As águas do mar são ondas gigantes
Na imensidão perdida do olhar
Feitas de vento e sal, que estonteantes
No areal se permitem descansar
Águas do rio são leito de jovem
Que em seu curso a embalam e se movem
Como se fora berço confortante
As águas do granizo, sei que são
Em pérolas os sonhos de paixão
Dum cavaleiro audaz belo e galante
MEA
9/02/2017
ÁGUAS, TAMBÉM...
"Águas da chuva são belos brilhantes"
São transparentes lágrimas sem choro,
Ou névoas que, não qu`rendo estar distantes,
Se juntam pr`a formar límpido soro.
"Águas do mar são ondas gigantes"
Que vejo junto à costa, se demoro
Os olhos qu`inda as vêem como dantes
Desde o tempo distante em que hoje moro.
"Águas do rio são leito de jovem",
Pois também se evaporam, depois chovem
Pr`a, novamente, ao rio se irem juntando.
"As águas de granizo sei que são",
Não mais que a simples cristalização
Dessa mesma água, assim que for gelando...
Maria João Brito de Sousa -15.02.2017 -20.08h
publicado às 07:45
Maria João Brito de Sousa
PERDI-ME NUM POEMA
Perdi-me quando entrei por um poema
Que de versos abertos convidava
A um passeio livre sem problema
Plas sílabas e estrofes que eu sonhava
E eram tantas palavras sobre um tema
Tantas quadras dispostas que mostrava…
Que entrando lá fiquei nesse dilema
De nem sequer saber por onde andava
Equipei-me dum lápis e papel
E pra que ao meu querer fosse fiel
Nele refiz os versos dos caminhos
Perfumei-os com rosas e alecrim
Depois criei-lhe um céu só para mim
E bailei-o ao som de cavaquinhos
MEA
31/01/2017
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O BAILADO
Perco-me mais e mais a cada dia,
Nos versos, rimas, notas musicais,
Eu que, quando perdida, encontro mais
Em termos de abundância e de harmonia
E que quanto mais pobre e mais vazia,
Mais rica vou ficando... não notais
Que os versos podem ser paradoxais
Quando engendrando mais que a fantasia?
Garantidos os bens essenciais,
Ao ritmo de alguns versos mais leais
O pouco que nos sobre é garantia
Do nascimento dos originais
Que nos brotam de dentro e, se os juntais,
Bailam numa perfeita sintonia.
Maria João Brito de Sousa - 01.02.2017 - 14.06h
publicado às 12:00
Maria João Brito de Sousa
UM AÇUDE DE ÁGUAS INQUIETAS
Tenho tantas palavras por dizer
E sei nelas tal força pra sair
Que se calcam e falham de nascer
Quando lhes vou dar tempo pra fluir
Deste dia nublado a embater
Nas vidraças querendo-me exaurir
Das forças que me restam por não ver
A clara luz do sol que me faz rir
E do mar a saudade que me dói
Que aninhada em meu peito me corrói
Assim latente traça esta inquietude
Que atropela o que penso e me confunde
E que neste dispor faz que me afunde
Nas águas inquietas deste açude
MEA
29/01/2017
TEMPOS DE SECA
É nos tempos da seca que a planura
Se enche das crostas áridas, gretadas,
Da terra sequiosa, ardente e dura,
Que implora a bênção de águas derramadas.
Se às vezes me sei terra, sou perjura
Quando no rio revejo, bem espelhadas,
Aspirações comuns, árdua procura
Da foz... ou das palavras consumadas.
Virá, ou não, o tempo de uma enchente?
Pr`á terra, sim, mas nunca sabe, a gente,
Quanto tempo esta sede irá durar
E enquanto a seca queima a terra ardente,
Lá vai seguindo o rio, que é sempre em frente
Que alcança a foz aonde abraça o mar...
Maria João Brito de Sousa - 30.01.2017 - 11.15h
publicado às 11:22