Maria João Brito de Sousa
De novo um poema que não é soneto. Nasceu assim e assim deu origem a este óleo sobre madeira...
AUTO-RETRATO
Sou um animal como outro qualquer
Pois coube-me em sorte
Ser bicho-mulher...
Mamífero-alado
Posto em vertical,
Mais perto de um anjo
Que de um ser carnal...
Às vezes sou planta,
Do sonho à raiz,
Só sei entender
O que a terra me diz...
Serei sempre o fruto
Daquilo que eu quis!
Maria João Brito de Sousa
publicado às 16:11
Maria João Brito de Sousa
TRABALHO
*
Sou um perfeito exemplo do empenho;
Passo dias e noites acordada,
Trabalho quanto posso e, já cansada,
Continuo de pé, pois vou e venho.
*
Se quero descrever-me, é num desenho
Em que posso falar estando calada,
Nesta infinda tarefa concentrada,
Como se me talhassem dum só lenho.
*
Não paro de pensar! Só o cigarro
Me acompanha nas horas criativas,
Porque, afinal de contas, sou humana
*
E esta vocação de "deus-de-barro"
Que me transforma as mãos em rodas vivas,
Já não me deixa tempo para a cama!
*
Maria João Brito de Sousa - 28.01.2008 - 11.12h
NOTA - Refiro-me ao tempo em que ainda pintava... e era assim mesmo que, frequentemente, os meus dias e noites se passavam.
publicado às 11:12
Maria João Brito de Sousa
Maria-Sem-Camisa está gordinha!
Empanturrada em versos nem tem fome...
Ninguém pode engordar do que não come
E ela mal petisca e não cozinha...
Não come e, no entanto, é redondinha!
Não pode "arredondar" quem nunca tome
Do alimento vivo o doce polme,
Pois quem vive do ar... sempre definha!
Maria come pouco, quase nada...
Se engorda é porque assim o decidiu
Ou porque não lhe interessa emagrecer...
Talvez o "poetar" de madrugada
Seja o tal "nutriente" que ingeriu
E não precise mesmo de comer...
Maria João Brito de Sousa
publicado às 14:29
Maria João Brito de Sousa
Era mulher traçada a fio-de-prumo,
Vinda dos tempos primevos do Homem-vertical
Dia a dia, percorria o rumo
Que fazia do dia vindouro
Um dia insuportavelmente sempre igual
Era de noite que brincava aos fantasmas
E se diluía nos incontáveis ectoplasmas
De almas que foram e das que estão por vir
Por isso acordava anoitecida
Sem nunca estar segura
De ter acordado
Do lado-de-cá da vida
Ora sonhava sonhos acordada,
Ora cantava estando adormecida
Difícil, foi-lhe ser multiplicada
Por quem sempre a pedira dividida...
Maria João Brito de Sousa - 1990 (?)
publicado às 22:13
Maria João Brito de Sousa
110x80cm
ESSÊNCIA
Eu sinto, logo existo e não desisto
Do louco impulso alado que me eleva
E reivindico o meu estatuto de Eva
Colhendo a tal maçã no Paraíso,
Pois desta alma de fogo envolto em xisto,
Deste olhar que perscruta, à noite, a treva,
Vão nascendo poemas como a erva
Que cresce sem sequer saber que existo.
Quem dá o passaporte e passa o visto
Ao bichinho voraz, determinado,
Que aqui assumo ser se escrevo ou pinto?
Eu sinto e não desisto porque insisto
Em não ser só virtude, ou só pecado,
E só gosto de mim porque não minto!
Maria João Brito de Sousa - 19.01.2008
(Soneto reformulado)
In Poeta Porque Deus Quer - Autores Editora - 2009
publicado às 14:53
Maria João Brito de Sousa
O MUNDO NUMA MÃO
*
Debalde me levanto e me preparo
Para abarcar o mundo num abraço
E, sem sequer saber porque é que o faço,
Ao tentar abraçá-lo é que reparo
*
Que, sendo humana, ainda me deparo
Com as limitações do gesto escasso
E embora traga um mundo no regaço,
Sou apenas humana e não me é raro
*
Sentir-me aprisionada e pequenina
Neste corpo magoado e perecível
Em que as asas não passam de ilusão,
*
Ou meras fantasias de menina...
Ah, só sonhando pode ser possível
Caber-me, inteiro, o mundo numa mão!
*
Maria João Brito de Sousa - 18.01.2008 - 19.23h
(Reformulado a 22.09.2016)
publicado às 19:23
Maria João Brito de Sousa
PENAS DO MEU TELHADO
*
Mil asas colorindo o meu telhado
Às sete da manhã de cada dia
Que têm por missão dar-me alegria
Em troca de migalhas e cuidado...
Mil asas justificam-me o pecado
De não dar atenção à portaria
Que promete uma coima que arrepia
A quem alimentar o bando alado.
Talvez me identifique com as penas,
Ou talvez tenha pena... não sei bem,
Mas todas as manhãs o alimento!
Sempre que o faço nascem-me poemas
E todas essas penas vão, também,
Buscar ao meu telhado o seu sustento.
Maria João Brito de Sousa - 17.01.2008 - 15.17h
publicado às 15:17
Maria João Brito de Sousa
Maria-Sem-Camisa III
É uma sem camisa, essa Maria
Que vive, noite e dia, na canseira
De escrever os sonetos que Deus queira
Como se fosse alguma mais-valia
E há quem já nem lhe ature a teimosia
Quando ela, a "poetar" dessa maneira,
Não escuta nem consente à sua beira
Quem quer que lhe interrompa a fantasia.
Maria-Sem-Camisa nunca pára,
Teclando ou rabiscando até se esquece
Que o mundo gira ainda ao seu redor
E que ela será sempre uma ave-rara
Porque não muda nunca... até parece
A cada ano que passa estar pior.
Maria João Brito de Sousa - 17.01.2008 - 02.56h
publicado às 02:56