A MULHER INTERROMPIDA
Não foi assim tão antigamente...
Foi há cerca de um tempo
Mais duas metades de dois tempos meios
Que uma voz, amiga certamente,
Embora longínqua, perguntou por mim
E eu, tão confusa, não me conhecia...
Sou mulher de um homem,
Respondia
E a voz insistia:
- Mulher, quem és tu?
- Sou mãe de um menino que não mora cá
E de três meninas que me querem muito,
Apesar da culpa, apesar de tudo...
E a voz repetia:
- Mulher, quem és tu?
Eu iria jurar que não mentia
quando respondia:
- Eu sou essa mãe, apesar do luto!
A voz não cedia quando perguntava
Do Espaço, do Tempo e outras coordenadas:
- Ó mãe dos teus filhos, diz-me quem és tu!
Onde moram as tuas horas carnais?
Onde guardas o corpo quando sais
E voas em busca do filho perdido?
Que fazem essas tuas mãos?
Que estrelas tão negras trazes nesse olhar?
Que morte tão estranha te veio buscar
E esqueceu teu corpo entre os teus irmãos?
E eu respondia
Sem me aperceber
Que me descrevia sem me conhecer:
- Sou a mulher do meu homem
E a mãe das minhas crias!
Procuro o que se perdeu, o que morreu mal nasceu
E não alcanço encontrar...
Mas a voz não se calava nesse eterno perguntar:
- Mulher, que é feito de ti?
Só a ti tens de encontrar!
Então procurei-me em mim
E vi que não estava lá...
Procurei-me em todo o mundo,
Do abismo mais profundo
À montanha mais escarpada,
Fui ao Nilo, fui ao Ganges,
Procurei-me em cada ventre
Das grutas mais ignoradas...
Devo ter percorrido o universo inteiro
Quando, de repente,
Encontrei um corpo que me não era alheio
E uma alma ardente
Onde cabia, exactamente,
A chama tão acesa do meu peito!
E juro
Que foi a primeira vez,
Em toda a minha vida,
Que aceitei a minha imagem denegrida,
Que me não importei de não ser entendida
E me orgulhei da estranha condição
De ser UMA MULHER INTERROMPIDA!
Maria João Brito de Sousa