KICO E OUTROS NÃO-HUMANOS...
Boas tardes!
Chamo-me Kico! O meu primeiro nome ninguém o sabe e nem já eu me lembro...
Corria o ano da graça de 2001 quando me abandonaram na autoestrada que liga Cascais a Lisboa. Assustei-me deveras! Os carros passavam por ali a uma velocidade aterradora e eu bem tentava correr mais do que eles... um deles acabou por me atingir e fiquei estendido no asfalto, cheio de dores e impossibilitado de andar. Passou-se muito tempo, mas um desses carros acabou por parar e saiu um jovem casal que pegou em mim e me levou a um veterinário.
- Fractura da coluna. Nunca mais anda!
- Mas nós não podemos ficar com um cão paralítico. Faça favor de abater!
- Os senhores é que sabem...
Mas não sabiam nada! Nesse consultório trabalhava- e trabalha -a irmã da minha dona e embora não estivesse, também ela, muito disposta a carregar o fardo de um animal paralítico, sabia que a irmã não conseguiria recusar...
A minha dona estava, então, a tomar conta de uma idosa que morava em Paço de Arcos, perto do consultório.
- Olá. Vem cá num instantinho, que eu quero mostrar-te uma coisa...
- Mostrar-me o quê? Estou a trabalhar!
- Não digo... mas vem que vais gostar!
E lá vem a palerma da minha dona (que ainda o não era...) sem saber o que a esperava...
- Olha, o teu sobrinho chama-lhe "Quasimodo". Vai ser abatido esta tarde e eu não consigo dá-lo a ninguém...
Sempre me gabaram a doçura do olhar... e eu gostei daquela humana logo à primeira vista. Foi tiro e queda. Paixão "assolapada". À noite já eu estava em sua casa a levar injecções de vitamina B12 e a refastelar-me com latinhas da Pedigree Pall.
Claro que estava incontinente e não podia andar, mas tanto eu como ela somos sobreviventes por natureza e não nos rendemos facilmente às adversidades da vida.
Três meses depois já andava e corria. Muito coxo, pata aqui, pata ali, o que me valeu das pessoas do café mais próximo, as alcunhas de "saltitão", "coxinho", "dançarino",etc. Mas todos gostam de mim porque sou, de natureza, meigo como poucos e, embora sendo muito pequeno, sou um acérrimo defensor da minha dona e da minha "irmã" Lupa.
Hoje vim aqui falar-vos dos meus irmãos que não tiveram a sorte que eu tive. Porque estas coisas de solidariedade também são importantes para nós, que nos movemos sobre quatro patas, mas não deixamos, como vós, de SENTIR. Porque nós sentimos mesmo! Dor, felicidade, orgulho, tristeza, amizade e abandono. Somos
produto de uma biologia tão perfeita como a vossa e gostaríamos de fazer exercer os nossos (poucos) direitos. A minha dona já vos falou da ANIMAL. É uma ONG que dá voz àqueles que, como eu, sofreram na pele a crueldade de alguns humanos.
Hoje a ANIMAL manifesta-se às 14h, na Lapa, em Lisboa, contra as atrocidades cometidas sobre os meus irmãos na China. Amanhã será em frente ao Campo-Pequeno, pela abolição das touradas. Porque nenhum de nós pode ficar indiferente ao apelo de quem, como eu, tem tanta ternura no olhar...
Maria João Brito de Sousa
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13.02.08