SÁBADO, DOMINGO E SEGUNDA FEIRA XVIII
BEM TE VI
Bem te vi, velho cuco que passavas
Na mira de ocupar alheio ninho
E, repleto de pão, farto de vinho,
Nem por um só segundo vacilavas.
Bem te vi quando tanto procuravas
Voando sobre a mata e, de mansinho,
Mergulhavas a fundo, tão baixinho
Que quase – temi eu… – te despenhavas.
Bem te vi, mas não disse ter-te visto
Na tua insana busca. A natureza,
Deste mesmo planeta em que eu existo
Te criou alheado das razões
Que me vão tendo, a mim, nesta pobreza…
(E não. Nenhum de nós teve ilusões.)
Maria João Brito de Sousa – 04.09.2010 – 11.29h
O LOUCO, O ENIGMA E A ESPERA
… e ria-se das coisas que não tinha
Esquecido, já, das tantas que tivera
Se, em noites de luar, descia à vinha
Ébrio do louco amor que tinha em Hera
E, a seguir, nos vinhedos, se entretinha,
Tão nu como se a própria Primavera
Da nudez lhe engendrasse uma adivinha
Que decifrasse a dor de cada espera…
Se chovia, explodia num desnorte!
Escorria-lhe esse estigma encosta abaixo,
Turbava-se-lhe a fronte em desespero
E, louco, maldizendo a sua sorte,
Sumia-se entre as pedras, cabisbaixo,
Ansiando exactamente o que eu nem espero.
Maria João Brito de Sousa - 13.09.2010
Maria João Brito de Sousa – 05.09.2010 – 11.50h
NOTA – Soneto reformulado a 22.08.2015
HOJE
Hoje não será dia de poema
E, caso os anjos falem, só dirão
Que eu, hoje, ostentarei o velho emblema
Da minha apetecida solidão.
Hoje é um dia mudo e não há tema,
Nem motivo, nem verbo ou convicção,
Não há uma alegria, um só problema
Que possam merecer-me uma atenção.
Hoje este meu soneto não tem voz…
É estático, insondável e proscrito
E não aspira a mais do que ao mutismo.
Ato as amarras d`alma com mil nós,
Desminto absurdamente o que foi escrito,
Cerro os dentes, engulo o meu lirismo!
Maria João Brito de Sousa – 07.09.2010 – 10.08h