Maria João Brito de Sousa
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LAMIA AND THE KNIGHT
John William Waterhouse
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO *
DIANA PRATEADA, ESCLARECIA
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Diana prateada, esclarecia
com a luz que do claro Febo ardente,
por ser de natureza transparente,
em si, como em espelho, reluzia. *
Cem mil milhões de graças lhe influía,
quando me apareceu o excelente
raio de vosso aspecto, diferente
em graça e em amor do que soía. *
Eu, vendo-me tão cheio de favores
e tão propinco a ser de todo vosso,
louvei a hora clara, e a noite escura, *
pois nela destes cor a meus amores;
donde colijo claro que não posso
de dia para vós já ter ventura. *
Luís de Camões
***
Enganais-vos, Senhor. A qualquer hora
De um dia claro ou de uma noite escura,
Estou pronta a conceder-vos a ventura
Que em carícias se acende e se demora *
Não vedes que o desejo me devora?
Aplacai-me esta sede, esta secura,
Que eu prometo levar-vos à loucura
Com a graça e o ardor que Diana ignora... *
Que Febo e ela juntos se consolem
Enquanto vindes consolar-me a mim
Que mais sedenta estou que qualquer deus *
Derramai sobre mim o vosso pólen,
Tomai-me toda inteira até que, enfim,
Vos jure que me haveis levado aos céus. *
Mª João Brito de Sousa
30.04.2024 - 10.00h ***
O soneto de Camões foi transcrito do Blog Sociedade Perfeita
publicado às 10:19
Maria João Brito de Sousa
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXVIII *
CHORAI, NINFAS, OS FADOS PODEROSOS
*
Chorai, Ninfas, os fados poderosos
Daquela soberana fermosura!
Onde foram parar ? Na sepultura?
Aqueles reais olhos graciosos? *
Ó bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mágoas para ouvir! Que tal figura
Jaza sem resplendor na terra dura,
Com tal rostro e cabelos tão fermosos! *
Das outras que será, pois poder teve
A morte sobre cousa tanto bela
Que ela eclipsava a luz do claro dia? *
Mas o mundo não era digno dela;
Por isso mais na terra não esteve:
Ao Céu subiu, que já se lhe devia. *
Luíz de Camões ***
Chorando estamos. Nada nos consola
E se julgais infinda a vossa dor
A nossa é com certeza bem maior
Pois não só nos tortura como imola *
Porque correis pra nós pedindo a esmola
De um choro que julgais consolador
Se somos meras nuvens de vapor
Suaves visões que a dor em vós empola? *
E se entendeis que o Céu lhe era devido
Porque a chorais na Terra onde ora jaz?
Porque não exultais, se assim o credes? *
Chorai, porém, se o choro vos apraz:
Pra vós, mortais, o choro faz sentido
Mas não sacia as nossas duras sedes. *
Mª João Brito de Sousa
29.04.2024 - 13.00h ***
O soneto de Camões foi transcrito do Blog Sociedade Perfeita
publicado às 13:22
Maria João Brito de Sousa
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TROCA O PASSO AO DESCOMPASSO *
Há que trocar o passo ao desgoverno,
Dar a volta ao (con)texto que vigora,
Mudar o rumo à barca que ao inferno
Conduzirá o povo sem demora *
Há que lembrar que Abril não é eterno,
Que é preciso cuidá-lo a toda a hora
Antes que algum conservador/moderno
Nos lance o vinte e cinco porta fora *
Há que trocar o passo ao descompasso,
E jamais ir atrás de algum palhaço
Que nos ponha a correr... mas para trás *
Como os ponteiros de um relógio louco
Que aponte muito mas que acerte pouco
Porque de acertos jamais foi capaz. *
Mª João Brito de Sousa
28.04.2024 - 14.00h ***
publicado às 14:31
Maria João Brito de Sousa
Acrílico e Óleo sobre Madeira da autoria de Luís Rodrigues
*
O PÓ NOSSO DE CADA DIA *
Eu não resido. Eu moro como tantos
Numa casa pequena, envelhecida,
Na qual nasceram lágrimas e espantos
E o mais que foi compondo a minha vida *
Livros. Há livros por todos os cantos
Da minha velha casa guarnecida
Por um pó cinza-claro como os mantos
Das monjas a quem nunca dei guarida *
Tem, esse pó, uma presença forte
E eu que estou em franca minoria
Face às suas partículas infindas *
Direi que não é coisa que me importe
Tê-lo por companheiro noite e dia,
Conquanto lhe não dê as boas-vindas. *
Mª João Brito de Sousa
27.04.2024 - 17.00h ***
publicado às 17:17
Maria João Brito de Sousa
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXVII *
DOCE CONTENTAMENTO JÁ PASSADO
*
Doce contentamento já passado,
em que todo o meu bem já consistia,
quem vos levou de minha companhia
e me deixou de vós tão apartado? *
Quem cuidou que se visse neste estado
naquelas breves horas de alegria,
quando minha ventura consentia
que de enganos vivesse meu cuidado? *
Fortuna minha foi cruel e dura
aquela, que causou meu perdimento,
com a qual ninguém pode ter cautela. *
Nem se engane nenhüa criatura,
que não pode nenhum impedimento
fugir do que lhe ordena sua estrela. *
Luís de Camões ***
Sobre os mandos de estrelas nada sei
Mas conheço as pulsões que, imperativas,
Chamo de musas e dão directivas
Aos versos que já fiz e aos que farei. *
Chorais a que partiu, mas eu fiquei...
Nem sempre uso palavras assertivas,
Ou sinto as vergastadas punitivas
De quem cuidar dos passos que não dei *
Apenas passo como tantos mais
Por essa vossa estrela e, se me invento
Dentro ou fora do Tempo, aqui estou eu *
Na projecção de mim pra que saibais
Que vos devolvo à vida e que lamento
Que o Amor que chorais não seja o meu. *
Mª João Brito de Sousa
26.04.2024 - 20.45h ***
O soneto de Camões foi transcrito do Blog Sociedade Perfeita
publicado às 21:39
Maria João Brito de Sousa
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A mão que esboça o verso, ampara a vida,
Transporta o saco cheio, amassa o pão,
Cava o torrão mais duro e, mesmo f`rida,
Prefere a dor sentida a não ser mão
*
Renasce a cada causa antes perdida
E tece e fia e doba e faz questão
De, sobre a tela pronta e já tecida,
Lavrar, do próprio gesto, a criação.
*
A mão trabalha ainda, a mão persiste
E até quando algemada ela se agita:
Ou se livra da peia… ou lhe resiste!
*
Será por cada mão que não desiste
Que a força de que o mundo necessita
Justifica a razão que ao povo assiste!
*
Maria João Brito de Sousa
29.01.2014 – 14.43h
***
publicado às 23:18
Maria João Brito de Sousa
Fotografia de Eduardo Gageiro
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O TAL VINTE E CINCO *
Aos vinte e cinco foi dia
Quando era de madrugada
E nesse dia a alegria,
Toda a alegria que havia,
Explodiu quando libertada *
Aos vinte e cinco chorou-se
Pelo motivo contrário
Ao que o estado novo trouxe:
Aos vinte e cinco cantou-se,
Sonhou-se um poder operário! *
Tantos mil, fomos vontade,
Que num grito, um grito só,
Saudámos a liberdade,
Todos em pé de igualdade
E a pisar o mesmo pó, *
O pó de todas as ruas
Metro a metro percorridas
Por chaimites, por charruas...
E sonhei, ou vi faluas
Trocar mar por avenidas? *
Aos vinte e cinco, sonhámos,
Aos vinte e cinco sentimos
O sabor do que criámos
E desse dia guardámos
O que hoje não permitimos *
Depois? Depois aprendemos,
Porque, pouquinho a pouquinho,
Percebemos que o que temos
São sobras do que fazemos,
Mas mais ninguém está sozinho, *
Por isso é que sempre urgente
Lutar mais, com mais afinco,
Lutar, tendo bem presente
Que há sempre quem rosne à gente
Que fez o tal vinte e cinco! *
Maria João Brito de Sousa
23.04.2018 – 09.46h ***
publicado às 11:29
Maria João Brito de Sousa
ALERTA!
ou
OS "VINTE E QUATRO" ANTI-REVOLUÇÃO *
Alerta que os vampiros ´stão de volta!
Já não lhes basta a noite: a toda a hora
Emerge um sanguinário que te explora
Mas que julgas mais um da tua escolta *
E se a manada entende que anda à solta
Pacatamente pela estrada fora,
Nem os distingue e ao romper da aurora
Já foi sugada e nem sentiu revolta! *
Tantos lhes franquearam tecto e mesa
Tratando a Besta como a um irmão
Que a quase todos nos tornaram presa *
Dos "vinte e quatro" anti-revolução:
Ei-los agora a rirem da fraqueza
Dos que sorriem com cravos na mão. *
Mª João Brito de Sousa
24.04.24 - 12.00h ***
publicado às 12:37
Maria João Brito de Sousa
UM SONETO À RESISTÊNCIA *
Neste meu lugre-escuna – ou é jangada? -
Vou resistindo enquanto vou podendo
E devo-vos dizer que me não vendo
Porque por preço algum serei comprada *
Nem esta embarcação será tomada
Porque sou frágil mas nunca me rendo
E o verso é sempre a amarra a que me prendo
Enquanto dela sobre um quase nada... *
Venho falar-vos desta força imensa,
Que tremeluz e tanto mais se adensa
Quanto mais vai teimando em resistir, *
Que me flui no sentir, mas que se pensa,
Que mesmo naufragada, exausta, tensa,
Emerge e nada em vez de desistir. *
Maria João Brito de Sousa
09.04.2015 – 14.11h ***
publicado às 23:48
Maria João Brito de Sousa
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXVII *
EL VASO RELUCIENTE Y CRISTALINO
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El vaso reluciente y cristalino,
de Ángeles agua clara y olorosa,
de blanca seda ornado y fresca rosa,
ligado con cabellos de oro fino, *
bien claro parecía el don divino
labrado por la mano artificiosa
de aquella blanca Ninfa, graciosa
más que el rubio lucero matutino. *
Nel vaso vuestro cuerpo se afigura,
raxado de los blancos miembros bellos,
y en el agua vuestra ánima pura. *
La seda es la blancura, y los cabellos
son las prisiones y la ligadura
con que mi libertad fue asida dellos. *
Luís de Camões ***
A mí, Señor, me habías prometido
Entero el corazón... Cómo creer-te
Si ahora oigo que vas a perder-te
¿Por otra, qué seguro te ha mentido? *
Así me quedo sola, así te olvido
¡Sin lloros, que no quiero detener-te!
Solo palabras podré devolver-te
Y serán todas las que te he oído *
Quédate con tu vaso reluciente
Que pronto quebrarás a puñetazos
Porque se te habrá vuelto indiferente *
Ya no me embromarás con tus abrazos,
Ahora sé que puedo hacerte frente:
¡Jamás me romperás en mil pedazos! ***
Mª João Brito de Sousa
21.04.2024 - 15.00h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 23:56
Maria João Brito de Sousa
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXVI *
DOCES E CLARAS ÁGUAS DO MONDEGO
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Doces e claras águas do Mondego,
Doce repouso de minha lembrança,
Onde a comprida e perfida esperança
Longo tempo apos si me trouxe cego, *
De vós me aparto, si; porém não nego
Que inda a longa memoria, que me alcança,
Me não deixa de vós fazer mudança,
Mas quanto mais me alongo, mais me achego *
Bem poderá a Fortuna este instrumento
Da alma levar por terra nova e estranha,
Offerecido ao mar remoto, ao vento. *
Mas a alma, que de cá vos acompanha,
Nas azas do ligeiro pensamento
Para vós, águas, vôa, e em vós se banha. *
Luís de Camões
***
Também pra mim, Senhor, esse Mondego
Tem tantas graças, tão doces mistérios
Que o ouço a marulhar nos céus etéreos
Nos quais passeio o meu desassossego *
Ó rio que és de meu pai, nada te nego
E, se os tivesse, dar-te-ia impérios
Dos que, feitos de amor, são deletérios
Pra todo o que ao amor se mostre cego... *
Ponho-te ao lado do meu Tejo manso
E se recordo, agreste, o velho Douro,
Três sois, se está correcto o meu balanço: *
Tu, meu Tejo moreno, és o meu mouro,
Tu, Douro, a minha garra e o seu remanso
E tu, Mondego, o meu gentil calouro. *
Mª João Brito de Sousa
20.04.2024 - 10.00h ***
Memorando o poeta António de Sousa, por Vitorino Nemésio apodado de "poeta dos três rios" por ter nascido no Porto, estudado e casado em Coimbra onde o meu pai nasceu, e vivido os seus últimos anos junto ao Tejo, no Concelho de Oeiras.
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O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 11:06
Maria João Brito de Sousa
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VERSOS DO DESENGANO *
O Mundo não me vê. Sou invisível
Como as teimosas ervas dos caminhos
E estes meus versos frágeis, comezinhos,
Não passam de um rumor quase inaudível... *
Não fora eu tão humana, perecível
E eterna escrava dos meus desalinhos...
Mas os astros, amor, morrem sozinhos
E nem esse teu deus é infalível! *
O que é o Mundo, amor que um dia amei,
Senão a rocha astral em que me sei
Até que um dia deixe de saber-me *
Se os infinitos sonhos que (im)plantei
Nos versos dos poemas que engendrei,
Não me tornam maior que um simples verme? *
Mª João Brito de Sousa 16.04.2022 - 11.45h ***
Memorando o soneto VERSOS DE ORGULHO de Florbela Espanca
publicado às 11:03