Maria João Brito de Sousa
*
TENHO UMA AMIGA *
Tenho uma amiga que vive em Oeiras
Escrevia, antes, sempre noite e dia
Não sei o que tem, estou sem alegria
É, entre as amigas, uma das cimeiras *
Tenho outras, claro, também verdadeiras
Mas sem grande rasgo a escrever poesia
Outros predicados de categoria Que muito me agradam, amigas inteiras *
Mas esta de Oeiras é muito inspirada Tem ao pé a musa com ela amestrada
Ambas muito ilustres, ambas de condão *
Uma não tem nome, é essa que inspira
A outra, já digo, é a que gente admira
Tem um nome lindo: Maria João. *
Custódio Montes 26.1.2024
*** TENHO UM AMIGO *
Dos muitos amigos que por cá vou tendo,
Já só um me acode se penso em tecer
Uma bela C´roa que tanto prazer
Traz à minha vida quando a estou tecendo *
Custódio se chama e nos montes vivendo
Montes traz no nome que lhe coube ter
E eu montanhas subo pra lhe responder;
Ele comigo aprende e eu com ele aprendo... *
Mais amigos tenho que aqui não nomeio
Porque sendo tantos tenho algum receio
De algum me falhar e fazer má figura *
Pois neste soneto com dedicatória
Não arrisco lapsos, desses que a memória
Nos impõe se a vida vai longa e foi dura... *
Mª João Brito de Sousa
31.01.2024 - 20.15h ***
Sonetos hendecassilábicos
publicado às 22:01
Maria João Brito de Sousa
Ilustração de Norman Rockwell enviada para o meu endereço electrónico por Pinterest *
SONETO III *
Tanto de meu estado me acho incerto,
que em vivo ardor tremendo estou de frio;
sem causa, juntamente choro e rio,
o mundo todo abarco e nada aperto. *
É tudo quanto sinto, um desconcerto;
da alma um fogo me sai, da vista um rio;
agora espero, agora desconfio,
agora desvario, agora acerto. *
Estando em terra, chego ao Céu voando,
nũ’ hora acho mil anos, e é de jeito
que em mil anos não posso achar ũ' hora. *
Se me pergunta alguém porque assi ando,
respondo que não sei; porém suspeito
que só porque vos vi, minha Senhora. *
Luís de Camões
in Rimas
Texto estabelecido, revisto e prefaciado por Álvaro J. da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 1994 *
SONETO III *
Alínea M *
"Tanto de vosso estado me acho incerta"
que acautelada fico e desconfio
de quanto me dizeis. Se vos sorrio,
de gentileza, apenas, faço oferta... *
Não sei, Senhor, se me tomais por certa,
nem se há verdade em vosso desvario,
mas sei que em caso algum eu desafio
suspeição que me instigue a estar alerta... *
Mantende os pés na terra e não cuideis
de ao Céu chegar por mor de haverdes visto
meu vulto na janela debruçado; *
Meus predicados, não os conheceis
e, na verdade, nem me sois benquisto
que a outro eu hei, Senhor, por mais amado. *
Mª João Brito de Sousa
31.01.2021 - 00.10h ***
publicado às 00:22
Maria João Brito de Sousa
Aguarela de Luís Rodrigues
*
INTEMPORALIDADE * Coroa de Sonetos *
Mª João Brito de Sousa e Lourdes Mourinho Henriques
* 1. *
Aqui não há passado nem futuro;
O presente é fieira que não finda
E não tem de passar por nenhum furo
Embora a agulha disso não prescinda *
E disto estou seguro, tão seguro
Quanto de não haver ninguém que cinda
A ponta que se afasta e que conjuro
Como se o tarde cedo fosse ainda... *
Onde não há princípio nem há fim
Sou tudo e não sou nada. Este ínterim
É somente ilusão. Paradoxal? *
Talvez sim, talvez não, talvez talvez,
Já não quero saber de outros porquês;
Quem mede esta meada intemporal? *
Mª João Brito de Sousa
01.11.2021 - 10.30h ***
2. * “Quem mede esta meada intemporal?”
Alguém cujo engenho e muita arte
Pintando numa tela sem igual,
Expõe a sua alma em toda a parte. *
Alguém que seus poemas nos of’rece
Cada dia que passa, que beleza,
Qual deles o melhor, e com certeza
Que sua inspiração jamais falece! *
A Musa está presente a toda a hora,
Mas insistindo sempre, vai lutando
Contrariando a falta da visão! *
Eis Morfeu a chegar, e a João
Pára a poesia e lá vai andando
P’rós braços dos lençóis, dormir agora! *
Lourdes Mourinho Henriques
02.11.2021 ***
3. * "Prós braços dos lençóis dormir agora (!)"
Como se lá por fora a noite escura
Tentasse convencer-me de que a hora
Se tornou, de repente, mais madura... *
Irei, sim, quando a Lua tentadora
Vier falar-me da sua loucura
E, aproveitando o Sol ter-se ido embora,
Cerrar-me os olhos com toda a candura... *
Mas na verdade, minha boa amiga,
Quando esta minha Musa me castiga
E se recusa à nossa interacção *
Fico de mãos atadas. Pouco crio
Quando, não vendo a Musa, olho o vazio
Criado pela sua rebelião ***
Mª João Brito de Sousa
02.11.2021 - 15.40h
4. *
“Criado pela sua rebelião”
A todos os que escrevem, acontece,
Quantas vezes de nós ela se esquece
E nos deixa grande desilusão!
E é enorme então a frustração
Se ao pegar na caneta p’ra ‘screver
A Musa isso não deixa acontecer
Ficando assim inerte a nossa mão!
Mas eis que, de repente, ela aparece
P’ra não pensarmos que de nós se esquece
E vai-nos conduzindo p’la poesia…
Diz-nos o que ‘screver em cada verso
E o nosso pensamento, então imerso,
Vai criando poemas… que alegria! *
Lourdes Mourinho Henriques
02.11.2021 ***
5. *
"Vai criando poemas... que alegria(!)"
E que bela razão pra se estar vivo
É transformar-se o verbo em sinfonia
Sem da monotonia estar cativo! *
Começa a despontar a melodia;
Se o soneto tem tempo(s) que eu cultivo
Eu sinto-me em completa sinergia
Com estas pautas das quais me não privo. *
Mais pulsam as palavras apressadas,
Mais correm minhas mãos (dantes aladas...)
Em direcção ao fecho, à conclusão *
E este meu remendado e velho peito,
Não sabendo correr fica sem jeito
A ver se lhe não escapa o coração... *
Mª João Brito de Sousa
02.11.2021 - 23.10h ***
6. *
“A ver se lhe não escapa o coração”
Que a mente está bem viva e criadora
E vai escrevendo pelo dia fora
O que na alma vai, com emoção. *
Lembranças de quando era criança,
Memórias do tempo da ilusão,
Guardadas na gaveta da esperança
Que hoje são alento do coração! *
Mas vai sempre insistindo, não desiste,
Lindos poemas vai escrevendo… e insiste
Em manter a mente sempre ocupada. *
Por mais que isso lhe custe, persistente,
Os versos vão surgindo de repente
Deixando a nossa mente extasiada! *
Lourdes Mourinho Henriques
03.11.2021 ***
7. *
"Deixando a nossa mente extasiada",
Tão extasiada quanto o Tempo fica
Quando anda com a Musa de mão dada,
Sem saber bem o que isso significa *
Pois toda a musa é criatura alada
Que tanto o tempo pára quanto estica,
Que tudo pode sem esforçar-se nada,
Que ninguém mede e ninguém quantifica... *
Toma cuidado, ó Tempo intemporal;
Não te quer bem, a Musa, nem quer mal,
Mas é mais livre do que jamais foste *
E se não tens cuidado e te distrais
Ela puxa por ti, pede-te mais;
Tempo, não há quem contra a Musa arroste! *
Maria João Brito de Sousa - 04.11.2021 - 08.30h *** 8. *
“Tempo, não há quem uma Musa arroste”
Pois ela sem esperarmos aparece
E nem que a encostemos a um poste
Ela só vem quando lhe apetece. *
Mas se a ti se aliar, a ti se encoste
Vê se lhe concedes mais um tempinho,
Não deixes que se perca, se desgoste,
Mesmo que nos visite de mansinho. *
Ah! Tempo, que nos limitas a vida
Que às vezes, é tão curta na partida
E a Musa nem nos chega a visitar… *
Não queiras ser carrasco dessa Musa
Que sempre nos visita e sem recusa
Por vezes nos ajuda a inspirar! *
Lourdes Mourinho Henriques
04.11.2021 ***
9. *
"Por vezes nos ajuda a inspirar"
E também a sorrir ela auxilia
Tal como nos ajuda a superar
As rasteiras da vida, dia a dia. *
E musas há que gostam de sonhar,
Enquanto outras preferem a magia
De construírem castelos no ar
Ou de acenderem estrelas pr`Harmonia.1) *
São tantas essas musas feiticeiras,
Quantas serão as nossas mãos obreiras
Das coisas que os seus dedos vão criando *
E quando chega a hora da partida
Parte a Musa também, que assim a vida
Por igual Musa e Gente vai tratando. *
Mª João Brito de Sousa
05.11.2021 - 08.30h
1)Harmonia- Deusa da Paz e da Concórdia na Mitologia Grega ***
10. *
“Por igual, Musa e Gente vai tratando”
P’ra ele, ambas trata por igual,
E traiçoeiro, o tempo vai passando…
Tantas vezes as leva em vendaval! *
Leva a Musa, tira-lhe a inspiração
Que trazia p’rá Gente… Foi ficando
Cativa... e a matou sem compaixão
Até que a Gente também vai levando! *
Oh! Tempo, que tanto nos magoas,
Nos roubas nossas Musas e Pessoas
Que tanto gostariam de viver! *
Não sejas tão cruel, tem compaixão,
Deixa ambas viver, dá-lhes a mão,
Só querem continuar a escrever! *
Lourdes Mourinho Henriques
05.11.2021 ***
11. *
"Só querem continuar a escrever"
Estes poetas com sonhos nas veias
Que talvez não consigas entender
Porque te afrontam com suas ideias *
Ó Tempo, nenhum mal te irão fazer!
Não sei, Tempo, não sei por que os odeias
Quando, afinal, te irão enaltecer
Ainda que o não saibas ou descreias... *
Aqui irei cessar de interceder
Por poetas e musas, que morrer
Cabe a todos os vivos, afinal. *
Só tu, ó Tempo, irás permanecer
Sempre a fluir e às vezes a correr,
Porque só tu nasceste intemporal. *
Mª João Brito de Sousa
05.11.2021 - 15.00h ***
12. *
“Porque só tu nasceste intemporal”
Só tu nos vês chegar, também partir,
Só tu nos vês lutar e bem ou mal
Nos vais acompanhando… vês-nos ir… *
Muitas vezes seguindo por caminhos
Nunca por nós sonhados, quando em quando…
Às vezes vais-nos dando uns miminhos
Mas noutras, vais-nos deixando chorando! *
A vida inteira tu nos acompanhas
Ao lado do Destino e suas manhas
Pregando quando em vez suas partidas. *
A ti, ó Tempo, que és intemporal,
Ninguém te vence e não existe mal
Que te atinja, como nas nossas vidas. *
Lourdes Mourinho Henriques
05.11.2021 ***
13. *
"Que te atinja, como nas nossas vidas",
As breves vidas que tu nos concedes,
Nem sempre alegres e bem sucedidas
E tão curtinhas face ao que tu medes *
Que se as ambicionamos mais compridas,
Compreensíveis são as nossas sedes
De ti, Tempo, que ditas as partidas,
De ti, que não as vês nem as impedes... *
Assim vamos vivendo enquanto passas
Sem dar conta das vidas que ameaças,
Nem das vidas que aqui viste nascer *
Por isso, se em verdade és Tempo/Espaço,
Seremos nós quem passa, passo a passo,
Por ti, sem te sabermos entender... *
Mª João Brito de Sousa
06.11.2021 - 10.15h ***
14. *
“Por ti, sem te sabermos entender”
Somos nós que passamos algum tempo
Numa curta viagem, sem saber
Se ela será normal… ou a destempo! *
Uns vivem longa vida, quantas vezes
Pedindo que se aproxime o seu fim,
Mas outros vão passando por revezes
E partem sem querer, sina ruim… *
Ó Tempo, tu que és intemporal
E por vezes vês por nós passar o mal
Podias poupar-nos tempo tão duro. *
Chegamos e partimos deste mundo
Que dominas, é um mistério profundo,
“Aqui não há passado nem futuro”! *
Lourdes Mourinho Henriques
06.11.2021 ***
publicado às 15:59
Maria João Brito de Sousa
Imagem Pinterest
***
SONETO CONTRA-NATURA *
Burile-se o soneto qual escultura
Mas só depois de impresso. Quando brota
Deve jorrar selvagem em ruptura
Com a suave aparência que denota: *
Curto tamanho, pequena estatura
Tem o soneto e escolhe a própria rota
Ainda que ela o leve à sepultura
Rindo de si como se fora anedota... *
Mas se em tão curto espaço cabe inteiro
Nem sempre o que contém é tão ligeiro
Quanto o que hoje vos trago e que desmente *
Quanto quero dizer e só desdigo
No pouco, quase nada, que consigo
Deixar-vos porque a Musa mo consente. *
Maria João Brito de Sousa
16.11.2020 - 13.59h ***
Segunda versão modificada em relação ao soneto original
publicado às 22:32
Maria João Brito de Sousa
Fotografia de Carlos Ricardo
Por aqui , faça favor
publicado às 23:37
Maria João Brito de Sousa
ADAGIO
Para Velhos Sonetistas e Não Só *
Coroa de Sonetos *
Mª João Brito de Sousa e Custódio Montes * 1. * Caminhamos curvados pelas ruas
Geladas e brilhantes como espelhos,
Nós desgastados, nós que estamos velhos,
Nós cujos ossos ferem como puas... *
Cá vamos nós, trocando sóis e luas
Por veias que azularam nos artelhos
E se multiplicaram quais coelhos
Multiplicam no solo as tocas suas... *
Tentamos proteger-nos do contágio,
Que este Janus* vai estando rigoroso
E nós chegámos ao mais alto estágio *
Do Inverno da Vida, o mais penoso,
Que apenas nos concede um lento "Adagio"
Em vez de um "Presto" firme e vigoroso. *
Mª João Brito de Sousa
08.01.2024 - 16.47h ***
2. * “ Em vez dum “Presto” firme e vigoroso"
Que trouxe a juventude ao começar
Que agora vai embora sobre o mar,
Deus do ocaso, um velho langoroso *
No começo o jardim era formoso
Com papoilas e rosas ao luar
Sol nascente e cantigas pelo ar
Agora um astro breu, velho e moroso *
E vemos primaveras a florir
Jovens belas que passam mesmo ao lado
Com força no andar e no sorrir *
E num banco um idoso ali sentado
Sem réstias de sonho no porvir
Como sol a deixar o povoado *
Custódio Montes 9.1.2024 ***
3. * "Como sol a deixar o povoado"
Nos vamos, nós também, desvanecendo,
As mãos sobre os joelhos que, mordendo,
Nos trazem mais memórias do passado *
E enquanto os nossos dedos no teclado
Ainda produtivos vão escrevendo,
Ao som do lento Adagio iremos tendo
Um Inverno mais suave e animado *
Nenhum de nós conhece a hora exacta,
Só sabemos que aos poucos se aproxima
Sem que possamos adiar-lhe a data *
Mas antes que essa data nos suprima
Vamos mostrar ao frio que nos maltrata
O tanto que este Adagio nos sublima! *
Mª João Brito de Sousa
09.01.2024 - 11.00h ***
4. * “O tanto que este adágio nos sublima”
E também nos ajuda a ter cuidado
Na minha terra o tempo está gelado
Fico em Braga que há neve lá em cima *
E para que esse frio não me oprima
Fico na minha “toca” resguardado
Agasalho-me bem agasalhado
Torneio deste modo tão mau clima *
A vida que fazia não se faz
Temos que ter cuidado, tem que ser
Sair, andar na borga satisfaz *
Mas cria-me problemas a valer
Gostava de aventuras em rapaz
Mas agora a aventura é o bom viver * Custódio Montes 9.1.2024 ***
5. * "Mas agora a aventura é o bom viver"
E bem melhor cantar as nossas vidas
Que vão longas mas nada aborrecidas,
Embora muitos não o queiram crer *
E ao ver-nos assim, a envelhecer,
Nos julguem pela vida já vencidos...
Mas sorrimos ainda! Os tempos idos
Passaram por nós dois sempre a correr *
Deixando pouco mais do que as memórias
Que docemente agora recordamos
Entre tristezas e pequenas glórias... *
Somos a soma do que conquistamos:
Se houve derrotas, houve mais vitórias,
E haverá futuro, se o sonhamos! *
Mª João Brito de Sousa
09.01.2024 - 12.15h ***
6. * “E haverá futuro, se o sonhamos!”
Vida é isso mesmo: é arquitectar
Visitar jardins para os vislumbrar
E não os vendo, nós imaginamos *
Sempre em frente, parados não ficamos
Ser-se poeta é ir até ao mar
Mas se não se for, basta imaginar
Um mundo novo e belo que criamos *
Se nos cai o cabelo e nascem papos
O que nós escrevemos tem valor
Merecemos louvor e somos guapos *
Que tão criativos, nós temos valor
Não somos velhos, velhos são os trapos
Ser-se poeta é ter vida e amor *
Custódio Montes 91.2024 ***
7. *
"Ser-se poeta é ter vida e amor"
Tocando até ao fim o suave Adagio
E se é inevitável o naufrágio,
Naufraguemos com arte e com fulgor *
Que há sempre quem acabe bem pior
E venha a ser banido por sufrágio:
Alguém que trema a cada mau presságio
Em cada pedra encontra o Adamastor... *
Não me assusta a velhice. O que me assusta
É não poder escrever, nem poetar,
E naufragar da forma mais injusta *
Que um bom poeta possa imaginar...
É isso que me dói, que mais me custa:
Ser só vetusta não me irá calar! *
Mª João Brito de Sousa
09.01.2024 - 15.35h ***
8. * “Ser só vetusta não me irá calar”
Que quem cala o que sabe é infiel
À sua natureza e ao seu papel
De dizer o que sente e de ensinar *
Um mestre não fraqueja que parar
É pôr de lado a pena e o pincel
É não mostrar aos outros o cinzel
Com que se adorna a obra a poetar *
O que interessa é ter o pensamento
E a mente em seu lugar e organizada
Que a obra se verá e o seu talento *
Com enfeites e forma emalhetada
Que a arte quando existe é um portento
E a artista fica eterna e afamada *
Custódio Montes 9.1.2024 ***
9. *
"E a artista fica eterna e afamada"
Mas não será a fama que a fascina,
E sim poder voltar a ser menina
Por um instante e por coisa de nada *
Que às vezes basta um verso de uma quadra
Pra transportá-la, envolta em seda fina,
Aos tempos da criança cuja sina
A levaria a ir por esta estrada... *
Mas voltemos de novo ao andamento
Do suave Adagio que nos guia os passos,
Suavíssimo e melódico, mas lento *
A criar entre nós profundos laços,
Que toda a poesia é sentimento
E quase sempre acaba em dois abraços. *
Mª João Brito de Sousa
09.01.2024 - 20.45h ***
10. * “E quase sempre acaba em dois abraços”
Que o poema é alegria e amizade
Estimula o carinho e a vontade
Para juntos criarem fortes laços *
O poema preenche e ocupa espaços
Enfeita com fulgor, luz, claridade
Ornamenta os dizeres na cidade
E liga dois amores entre braços *
O idoso imagina-se menino
As agruras transformam-se em poesia
E, com gáudio, encontra o seu destino *
A tristeza é um mal que, por magia,
Nem sempre dura, ri, entoa um hino
E, como o adágio diz, vira alegria *
Custódio Montes 10.1.2024 ***
11. *
"E, como o adágio diz, vira alegria"
Que estoutro Adagio tenta acompanhar,
Correndo, mas correndo devagar,
Mostrando o que lhe resta de energia... *
Ao Presto não chegou, mas a harmonia
É tanta que parece suscitar
Um Allegro Vivace a culminar
A nossa inacabada sinfonia... *
Seja o soneto o piano em que compomos
Este Adagio pra cordas. O violino
Virá depois contar tudo o que fomos *
E ambos falarão sobre o destino...
Talvez nos caibam fadas, elfos, gnomos,
Ou mesmo o génio que coube a Aladino... *
Mª João Brito de Sousa
10.01.2024 - 12.20h ***
12. * “Ou mesmo o génio que coube a Aladino…”
Na lâmpada e no estro musical
Em andamento era genial
Com toque em dó menor de violino *
Suave, em andamento muito fino
Trinava o seu acorde em arraial
Dançava todo o mundo e o maioral
E também badalava ao alto o sino *
Nessa intensa harmonia e fulgor
Ficava alegre o povo com a gesta
E dava à sinfonia mais valor *
Ficava a gente idosa bem mais lesta
Havia muitos beijos, muito amor
E toda a aldeia andava sempre em festa *
Custódio Montes 10.1.2024 ***
13 *
"E toda a aldeia andava sempre em festa"
Sendo que nós não fomos excepção
E embora sem violino ou violão
Cantámos- e bem alto! - a nossa gesta *
Alguns tocavam música mais lesta,
Houve até quem trouxesse acordeão:
Toda esta sinfonia era emoção
Porque este Adagio à comoção se presta *
Soam agora as notas musicais
Das harpas melancólicas, chorosas,
Logo seguidas plo som dos metais *
Que sopram notas tão melodiosas
Que nos fascinam e até os pardais,
Enfeitiçados, pousam sobre as rosas. *
Mª João Brito de Sousa
10.01.2024 - 15.45h *** 14. * “Enfeitiçados, pousam sobre as rosas”
Que nós bem os ouvimos chilrear
Andamos nos jardins a passear
E vemos coisas lindas, valorosas *
Que mesmo com passadas vagarosas
Com vista nós bem vemos ao olhar
Toda a beleza à volta a espelhar
Além de moças lindas e formosas *
Idoso, mas ainda a espairecer
Avança, vai em frente, não construas
Altos muros ao nosso envelhecer *
Verdade que se foram sóis e luas
Mas cantemos alegres sem dizer:
“Caminhamos curvados pelas ruas” *
Custódio Montes 10.1.2024 ***
publicado às 22:54
Maria João Brito de Sousa
Imagem cedida por Jay Wallace Mota
*
SERVIDO AO POSTIGO
* Coroa de Sonetos *
Maria João Brito de Sousa (Oeiras, Portugal) e Jay Wallace Mota (Belém, Brasil) *** 1 *
Trago um soneto servido ao postigo;
Vá prá fila senhor concidadão
Tal qual como se fosse comprar pão
Ou tomar um café... sem um amigo. *
Adquira um verso ou qualquer outro artigo
Pois passa o meu postigo a ser balcão
De um boteco de esquina sem patrão,
Sem tecto, sem cadeiras, nem abrigo... *
Vou servir-lho no copo descartável
De um protesto que sei incoerente,
Mas que se vai tornando inevitável *
Pois já não sei se sei s`inda sou gente
Se apenas sou mais uma variável
De uma curva ascendente ou descendente... *
Maria João Brito de Sousa - 12.03.2021 - 11.21h *
(em co-autoria com a minha irreverentíssima Musa) ***
2. *
De uma curva ascendente ou descendente,
Depende o mundo todo, a cada dia,
Pra ver a evolução da pandemia
E decidir os passos para frente. *
Mostrados em escala contundente,
Os gráficos revelam uma fria
Maneira de medir essa agonia
Porque só mostram números, não gente! *
Mas o que posso ver pelo postigo
Pelo qual te proteges num abrigo,
Em um modo de agir tão consciente, *
Que mesmo eficaz, frente a bruma turva,
Pouco importa a tendência da tal curva,
Tu serás variável dependente! *
Belém, 14 de março de 2020.
Jay Wallace Mota ***
3. *
"Tu serás variável dependente"
De uma resiliência natural
Hoje bem burilada por um mal
Que caiu sobre ti e toda a gente *
E hás-de conseguir ser paciente
Pois verás que o convívio virtual
Embora bem mais pobre que o real,
É também fuga ao medo deprimente. *
Se ao postigo me serves os teus versos
Nestes tempos tão duros, tão adversos,
Espero que, um dia, mos sirvas em mão... *
Terá de haver um fim para a clausura
Ou morreremos todos desta cura
Porque também nos mata a solidão. *
Maria João Brito de Sousa - 15.03.2021 - 11.32h ***
4. *
Porque também nos mata a solidão,
Ao nos trancar qual fôssemos cativos
Que, a falta de melhor definição,
Nos torna verdadeiros mortos-vivos! *
Não que me contraponha à solução,
Que nos impõe limites restritivos,
Os quais aceito, até sem coerção,
Pois vejo os resultados positivos. *
Porém, o que de fato já me assusta
É perceber a forma, sempre injusta,
Que não distingue os fortes dos mais fracos; *
Quando se impõe iguais obrigações
Aos poucos que se isolam em mansões
E a tantos que se juntam em barracos! *
Belém, 15 de março de 2021.
Jay Wallace Mota. ***
5. *
"E a tantos que se juntam em barracos"
Insalubres, tão pobres que um só pão
Se divide por cinco, à refeição
Que foi servida em louça feita em cacos. *
Dormem no chão embrulhados em sacos,
Que muitos del`s não têm nem colchão
E, por mais que procurem solução,
Não conseguem tapar tantos buracos. *
Do outro lado, em casas luxuosas,
Parece essa clausura um mar de rosas
Entre edredões de penas e o regalo *
Das refeições servidas em bandejas;
Lagosta, caviar e, enfim, cerejas
Pr` acompanhar um Porto*, dos "de estalo"!** *
Maria João Brito de Sousa - 15.03.2021 - 17.31h *
* Vinho do Porto
***
6. *
“P’ra acompanhar um Porto, dos de estalo”,
Para valorizar a refeição,
Que come sem sequer dar atenção
Aos números que assiste sem abalo! *
Ignora que chegou-se ao gargalo
De um sistema em completa lotação,
Gerido por um louco fanfarrão,
Com quem ele costuma ir no embalo; *
Bradando sempre contra o isolamento,
Pois só pensa em seu próprio rendimento;
Crítica os exageros sem motivos! *
E enquanto toma um vinho envelhecido,
Vê seu trabalhador, todo espremido,
Exposto nos transportes coletivos! *
Belém, 15 de março de 2021.
Jay Wallace Mota. ***
7. *
"Exposto nos transportes colectivos"
Como se fosse carne pra canhão,
Não gente com família e coração
E que é suporte dos que inda estão vivos. *
Esses que afinal são os mais activos
Dos alicerces vivos da nação,
Vão sendo destratados sem razão
E sem medicação nem lenitivos *
Vão tombando às dezenas, aos milhares,
Nas valas que os civis e militares
Vão abrindo e fechando sem parar. *
Será que são deveras descartáveis
As vidas desses pobres miseráveis
Que sufocam assim, sem pinga de ar? *
Maria João Brito de Sousa - 15.03.2021- 20.03h ***
8. *
“Que sufocam assim, sem pinga de ar”
E passam a sentir dentro do peito
O tempo que se torna mais estreito
Que o tempo que dispõe pra procurar *
Sem nada e sem ninguém com quem contar
Procuram encontrar de qualquer jeito
Nos hospitais lotados algum leito
Até morrer nas filas sem achar! *
E justo quando já se tem vacina
O moribundo chora, se lastima
E luta pra ficar firme na raia... *
Mas sem quem possa ouvir seu choro rouco,
Ele vai se entregando pouco a pouco,
C’a sensação de quem morre na praia! *
Belém, 15 de março de 2021.(18:37h).
Jay Wallace Mota. ***
9. *
"C`a sensação de quem morre na praia"
Junto com a revolta que brotava
Do peito imóvel que antes ofegava
Como potro selvagem preso à baia. *
Na contra-mão da vida, a morte ensaia
Uma dança letal que ninguém trava;
Já não respira alguém que respirava
E a espécie humana torna-se a cobaia *
Da procura imp`riosa duma cura
Que ninguém sabe se será segura,
Ou se pode trazer um novo p`rigo *
E enquanto o "jogo" assim se desenrola,
Eu, que não passo de uma velha tola,
Componho uns versos pra venda ao postigo... *
Maria João Brito de Sousa - 15.03.2021 - 22.39h *** 10. *
“Componho uns versos pra venda ao postigo...”
É sempre o que me dizes quando assunto,
Ou se indiscretamente te pergunto
Por que te isolas dentro deste abrigo! *
Parece até que vives de castigo!
Ou será que não queres ninguém junto?
Que possa intrometer-se no conjunto;
Aquele que a tal musa faz contigo! *
Não penso mexer nessa sintonia,
Mas quando terminar a pandemia,
E todos nos livrarmos desse medo, *
Prometo, e vou cumprir tudo que digo,
Depois de escancarar esse postigo,
Vou ver, além da porta, o teu segredo! *
Belém, 15 de março de 2021.
Jay Wallace Mota. ***
11. *
"Vou ver, além da porta, o teu segredo"
Que não é mais do que uma minudência
Pr`aliviar o Estado de Emergência
Que fechara o comércio. E, que degredo!, *
Só ao postigo é que, de manhã cedo,
Algumas lojas servem, com prudência,
Aquilo que esta nossa impaciência
Exigia normal, esquecendo o medo... *
Esta medida, muito discutida,
Foi depois pelos "media" difundida...
Julguei que se soubesse, por aí, *
Que os postigos, aqui em Portugal,
São os reis deste novo não-normal...
(sirvo, ao postigo, aquilo que escrevi) *
Maria João Brito de Sousa - 16.03.2021 - 10.59h
***
12. *
“(sirvo, ao postigo, aquilo que escrevi)”
O que parece ser o não normal
Neste momento triste em Portugal,
Eu te asseguro ser normal aqui! *
Não só pelas razões que tens aí,
Em decorrência desse tal lockdown!
Além deste, há por cá um outro mal
Que, de banal, eu quase me esqueci! *
Aqui, nossos receios, sobressaltos
Decorrem da frequência dos assaltos
Seja à porta de casa ou da oficina! *
O que vai nos minando a resistência
Porque quando a doença é violência,
Nem se tem a esperança da vacina! *
Mosqueiro, 16 de março de 2021, (14:38h).
Jay Wallace Mota ***
13. *
"Nem se tem a esperança da vacina"
Na qual não tenho assim tanta confiança;
Este vírus sofreu tanta mudança
Que ressurgiu mais forte em cada esquina *
Porém, antes ter esperança pequenina
Do que, de todo em todo, não ter esp`rança
Que eu bem me lembro da cruel matança
Da Pneumónica, a trágica assassina... *
No caso da violência, Portugal,
É bem mais moderado. Essoutro mal
Não nos aflige tanto quanto a vós. *
Neste "jardim à beira-mar plantado"
Toda a gente prefere ouvir um fado
A cometer um qualquer crime atroz.* *
Maria João Brito de Sousa - 16.03.2021 - 18.30h
***
14. *
“A cometer um qualquer crime atroz”
E assim levar alguém à fria cova,
Prefiro reviver a Bossa Nova,
Ouvindo João Gilberto a baixa voz! *
C’alguém com quem pudesse estar a sós!
E viver meu momento Casanova,
Cantando meu amor; loas em trova!
Sem me importar com contras e nem prós! *
Porém, devido à louca pandemia,
Não posso ter nenhuma companhia,
Quer seja como amante ou como amigo!
Porquanto, sem querer ser insensato,
Privado de estreitar qualquer contato,
“Trago um soneto servido ao postigo.” *
Belém, 16 de março de 2021.
Jay Wallace Mota. ***
publicado às 23:23
Maria João Brito de Sousa
Imagem Pinterest
*
ADAGIO
Para Velhos Sonetistas e Não Só *
Caminhamos curvados pelas ruas
Geladas e brilhantes como espelhos,
Nós desgastados, nós que estamos velhos,
Nós cujos ossos ferem como puas... *
Cá vamos nós trocando sóis e luas
Por veias que azularam nos artelhos
E se multiplicaram quais coelhos
Multiplicam no solo as tocas suas... *
Tentamos proteger-nos do contágio,
Que este Janus* vai estando rigoroso
E nós chegámos ao mais alto estágio *
Do Inverno da Vida, o mais penoso,
Que apenas nos concede um lento "Adagio"
Em vez de um "Presto" firme e vigoroso. *
Mª João Brito de Sousa
08.01.2024 - 16.47h ***
* Referência à figura da mitologia romana, Janus, deus do começo, que dá nome ao primeiro mês do ano no calendário Juliano - Janeiro
publicado às 23:08
Maria João Brito de Sousa
VIDEO
Vídeo de Cida Vasconcelos
publicado às 23:39
Maria João Brito de Sousa
Eu e Joaquim Sustelo fotografados por Cida Vasconcelos
*
SIGAMOS MAIO AFORA *
Coroa de Sonetos *
Mª João Brito de Sousa e Joaquim Sustelo *
1. *
Sigamos Maio afora confiantes
Sabendo, embora, quanto nos espera,
Sejamos mais do que o que fomos antes
Em cada Maio e em cada Primavera, *
Que Maio sempre fez de nós gigantes
Diante da malícia de uma fera
Que nos tem por dispersos, vãos, errantes
Cavaleiros do sonho e da quimera. *
Sigamos Maio afora; Junho e Julho
Esperam por nós, de nós terão orgulho,
Tal como cada mês que está por vir *
Nos há-de abrir os braços, finalmente,
Quando o futuro se tornar presente
De quanta gente em Maio o construir! *
Maria João Brito de Sousa - 02.05.2020 - 08.39h *** 2. * "De quanta gente em Maio o construir!"
Esse futuro por agora tenso
Que o mês de Maio irá fazer surgir
Envolto em sonhos bons tal como penso *
Junho há-de com mais força também vir
A força de vencer, que me convenço
Depois deste "maduro Maio" florir
Irá florir o mundo ao qual pertenço *
Confio em ar mais puro... a atmosfera
Irá consolidar a primavera
Nos campos e nas almas desta gente, *
Que agora ainda está na incerteza
Mas que depois verá com mais clareza
Todo um futuro alegre e sorridente. *
Joaquim Sustelo *** 3. *
"Todo um futuro alegre e sorridente"
Há-de chegar um dia, não duvido,
Mas ainda haverá que fazer frente
A um tempo difícil e dorido. *
Sou optimista, não inconsciente
Dos riscos do caminho já escolhido
E tu, que és meu irmão, terás em mente
Que há que roer este osso... bem roído! *
Não se pode sonhar... sonhando apenas
Como se o tempo fosse de açucenas
E apenas nos bastasse acreditar *
Que há pão na mesa que vemos vazia
Ou música se sopra a ventania...
Também há que lutar, lutar, lutar! *
Maria João Brito de Sousa *** 4. * "Também há que lutar, lutar, lutar"
E nessa luta haver vários reveses
Não basta nós ficarmos a esperar
Pelo Maio passar e mais uns meses *
Só muitos, muitos mais a ajudar
Mas em tempo contínuo e não às vezes
Muit'água pelos rios há-de passar
Há-de pregar-se em muitas dioceses *
Mas sempre com querer, com confiança
Que a última a morrer é a esperança
E o homem quando quer pra melhor muda *
Então vamos fazer, nós, todo o povo,
Que nasça brevemente um mundo novo
Que quase em horizonte nos saúda. *
Joaquim Sustelo *** 5. * "Que quase em horizonte nos saúda"
Pois nunca poderemos lá chegar
A menos que uma coisa mais graúda
Nos lance, de repente e sem tardar... *
Não espero que minha alma inda se iluda,
Já que tem a razão para a amparar,
Mas, meu irmão, às vezes fica muda
De tanta coisa estranha contemplar... *
Mas, não, nunca descri dos amanhãs
Que hão-de falar de coisas menos vãs
Cantando alto e bom som, ou sussurando, *
Que há justiça na Terra para os povos!
Não será para nós, para os mais novos,
Pró homem, prá mulher que vão chegando! *
Maria João João Brito de Sousa *** 6. *
"Pró homem, prá mulher que vão chegando!"
Talvez ele até venha um mundo novo
Com calma a pouco e pouco se implantando
Com grande f'licidade em todo o povo *
Eu creio. E nessa fé cá vou pensando
No que será... Por vezes me comovo
Quando se adensa o sonho, ou seja quando
Mais forte o sinto em mim e o renovo *
Nós não estaremos cá, vamos de "férias"
Porém não penses que isto é tudo lérias
Pois tenho até uma forte convicção! *
E vamos passo a passo, rua a rua
Num sonho que por ora continua
A adentrar-me a alma e o coração. *
Joaquim Sustelo *** 7. *
"A adentrar-me a alma e o coração"
Como se um bando de aves me adentrasse
Gerando vida, espanto, evolução
Que a morte nunca visse, nem sonhasse... *
Sonhar é também ter a convicção
De mais tentar, ainda que bastasse
À nossa muito humana condição
Um nada de ambição que um desenlace *
Mais ou menos feliz, desse à função,
Dessa existência, quando se apagasse
A pequenina chama da razão *
Talvez, depois, a fome já não grasse
Nem a doença, nem a frustração
Com que o tempo nos brinda neste impasse... *
Maria João Brito de Sousa *** 8. *
"Com que o tempo nos brinda neste impasse..."
Que afeta todos nós em mais ou menos
Mudando a cada dia a nossa face
Por nossos pensamentos não serenos *
Como se este Covid não bastasse
Os tempos que aí vêm, nada amenos,
Nem fazem com que a gente aqui já trace
Tão boas plantações pelos terrenos... *
Porém, se o pensamento em nós já lavra,
Sabemos ser a força da palavra
Aliada a um crer, forte... eficaz, *
Duma forte mudança, o seu fator
E do ressurgir pleno do Amor
Que até hoje não trouxe ainda a paz. *
Joaquim Sustelo *** 9. *
"Que até hoje não trouxe ainda a paz"
Pela qual tanto, tanto nós pugnamos
E que tão grande falta ao mundo faz
Embora o contradigam grandes amos... *
Talvez a nossa voz seja incapaz
De se fazer ouvir, mas bem tentamos
E há sempre uma vozita mais audaz
Que sobe ao alto dos mais altos ramos *
Ou que grita mais alto, embora atrás
Dos que já se destacam, entre humanos,
Perecíveis... que importa se subjaz *
Esta vontade imensa? Longos anos
Faltarão pra sabermos que nos traz
O tal futuro que hoje lobrigamos *
Maria João Brito de Sousa ***
10. *
"O tal futuro que hoje lobrigamos",
Não vem em nosso tempo nem lá perto
Por ele há muito tempo que lutamos
Mas o caminho é... inda algo incerto *
Porém fazer por ele sempre vamos
No campo da poesia, neste "aperto",
Em que a nossa vontade apregoamos
Se bem que o chão se mostre algo deserto *
Virá o Junho, o Julho e o Agosto
Virão os outros meses e aposto
Que sempre alguma coisa vai mudar *
"Se nós mudarmos todo o mundo muda" (*)
Ah que ninguém se fique e nem se iluda
Pois este mundo velho há de cessar. *
Joaquim Sustelo
(*) frase do dr. Lair Ribeiro
*** 11. *
"Pois este mundo velho há-de cessar"
E havemos de tomar um novo rumo
Sem que haja sempre alguém a cobiçar
Do fruto humano a polpa, o próprio sumo *
Um mundo bem mais justo, um mundo-lar
Do qual cada um seja o fio-de-prumo,
No qual a luz do sol possa brilhar
E onde se não morra envolto em fumo. *
Nisto, sei que vou sendo idealista...
Talvez o que aqui sonho nunca exista,
Talvez não passe de uma outra utopia *
Mas não me peças nunca que desista
De te falar do sonho. Cada artista
Compõe conforme sente a melodia... *
Maria João Brito de Sousa ***
12. *
"Compõe conforme sente a melodia..."
E toca consoante o instrumento
Indo todos criar a sinfonia
Que se for bem tocada dá alento *
Tocar muito melhor, sim, eu queria
Se bem que à melodia esteja atento
Porém há sempre um toque de mestria
Que não vou atingir, se bem que tento... *
Somos uns idealistas? Não faz mal
Todos devemos ter um ideal
E este é dos melhores que há na vida *
Imaginar a estrada especial
Pugnar por ela vir de pedra e cal
Assim atapetada... assim florida... *
Joaquim Sustelo ***
13. *
"Assim atapetada... assim florida"
Como se jardim fora, ou astro errante
Soltando a cabeleira colorida,
Coberta de poeira flamejante... *
Irmão, juntei ao astro a cor da vida
E vi, ou julguei ver, por um instante,
A humanidade menos dividida,
Mais forte, mais feliz e mais pujante; *
Poetas e também trabalhadores
Cantavam, lado a lado, os seus amores
Como se nada, nada fosse em vão *
Mas, nesse mundo que mal vislumbrei,
Não pude ver que houvesse qualquer rei,
Nem vi que a alguém faltasse tecto ou pão. *
Maria João Brito de Sousa ***
14. *
"Nem vi que a alguém faltasse tecto ou pão"
Havia um equilíbrio, uma equidade
Que todos adquiriram a noção
De a ter de pôr em prática. Em verdade, *
Ganhavam dia a dia o seu quinhão
Pelo que produziam, não metade
Do que cabia à mesa do patrão
Que açambarcara dantes com maldade *
Fosse sonho ou não fosse o que tu viste
Uma etapa feliz já coloriste
Pintando-a de cor negra que era dantes *
A pouco e pouco iremos... e sorrindo
Sabendo que esse tempo ele é bem-vindo
"- Sigamos Maio afora confiantes." *
Joaquim Sustelo ***
NOTA - Coroa de sonetos dialogada a quatro mãos e terminada em menos de doze horas.
Poema registado ao abrigo dos direitos de autor.
publicado às 23:18
Maria João Brito de Sousa
"Jovem" - Tela de José de Brito, meu bisavô
*
DIAS TRISTES * Coroa de Sonetos *
Helena Fragoso e Mª João Brito de Sousa *
1. *
Há dias e dias na vida da gente
Uns que nos sorriem, outros que até não…
Há os que nos fazem torturas à mente…
São aos quais eu chamo de " dias de cão".… *
Tem uns que são duros e que num repente
Emanam tristeza…nos deitam ao chão….
Até nos destroem a alma, a pureza
Só nos trazem mágoas, dor na contramão… *
Tem dias que tudo nos parece ausente
Em que nada vibra, nada se consente…
Dias em que o mundo é mera ilusão…. *
Enfim, dias tristes em que consciente,
Nossa alma chora, sentindo latente
A saudade, as mágoas e a solidão… *
Helena Fragoso *** 2 *
"A saudade, as mágoas e a solidão"
Podem, minha querida, ser tão passageiras
Quanto o são as aves, se de arribação,
Ou as altas chamas de alguma fogueira *
Que ao fim de umas horas se consumirão
Pra deixar só cinzas brancas e poeira...
Sim, há dias tristes, há "dias de cão",
E há dias que são riso e brincadeira *
Nesta nossa estrada, em vez de alcatrão,
Há pedras bem duras a forrar o chão
E arbustos com espinhos mesmo à nossa beira *
Mas nós prosseguimos. Não, não foi em vão
Que continuamos nesta direcção,
Neste mundo (quase) carrossel de feira! *
Mª João Brito de Sousa
29.11.2022 - 15.15h ***
3. *
Neste mundo (quase) carrossel de feira
Que descompensado corre sem noção
Com dias que roubam e de que maneira
Nossa paciência e concentração... *
Tem dias que a vida não se mostra inteira
E em que nossos passos se colam ao chão.
Dias em que os sonhos ardem na fogueira
Só restando as cinzas da desilusão… *
E neste caminho, nesta ribanceira
Os dias que passam seguem de maneira
Que haja riso, pranto, dor e solidão… *
Tem dias que a vida na sua cegueira
Nos deixa sem rumo, sem eira nem beira.
Perdidos nas sombras e na escuridão… *
Helena Fragoso ***
4. *
"Perdidos nas sombras e na escuridão"
Sem ver mais que um palmo do nosso futuro
Tornámo-nos sombras tecidas no escuro,
Quase inexistência, quase assombração... *
Mas todas as sombras são a projecção
De algo consistente, volumoso e duro,
Que pode ser gente ou somente um muro
Cuja sombra é fruto... de iluminação *
Sem luz, minha amiga, por pouca que seja
Não haverá sombra, nem quem nela esteja
Tão desiludido quanto estás agora: *
Salta-me esse muro que, do outro lado,
Tudo está mais claro, mais iluminado
E verás que as sombras terão ido embora! *
Mª João Brito de Sousa
07.12.2022 - 11.50h ***
5. *
"E verás que as sombras terão ido embora"
Levando com elas dor e solidão
Nasce um novo dia, uma nova aurora
É um dia triste? Diria que não… *
Um dia que corre nesse mundo afora
Formando um oásis mantendo a ilusão
Que há dias felizes e que a qualquer hora
Os dias mais tristes se transformarão *
Ao pular o muro vi sombras lá fora
Vi dias sorrindo numa ou outra hora
Vi sombras andando pela escuridão.. *
Então ao ver tudo, voltei, vim embora,
Pensei nesses dias que vão mundo afora
Uns tristes, é certo... outros até não. *
Helena Fragoso *
6. *
"Uns tristes, é certo... outros até não"
Que se nuns chorei, nos outros me ri
E entre choro e riso muito eu aprendi
Ao subir o muro da contradição: *
Vi os que acumulam milhão a milhão
E os que moirejam não tendo pra si
Nem um pedacinho do que nalguns vi,
E vi os sem-terra junto dos sem-pão *
Sucumbindo às bestas do nazi-fascismo
Que, por todo o mundo, escava um sujo abismo
Em que os dias - todos! - são de escravidão! *
E pra que não seja mais do que um aviso,
Pra que sobrevivam os dias do riso,
Que nos não enganem as bestas que o são! *
Mª João Brito de Sousa
09.12.2022 - 11.35h ***
7. *
"Que nos não enganem as bestas que o são"
Ferozes selvagens sempre assim os vi…
Negando aos mais pobres a casa e o pão
Com cruéis discursos como sempre li…. *
Existe a esperança, não é ilusão…
E talvez por isso eu nunca a perdi
Tem dias sorrindo, sim, na contramão
Desses tristes dias que também vivi… *
Tem dias risonhos que bem os senti
Que enquanto duraram amei e sorri
Mesmo que só fossem total ilusão… *
Nos outros, nos tristes, até me perdi
Com tanta maldade como nunca vi
Fruto desta nossa civilização… *
Helena Fragoso *
8. *
"Fruto desta nossa civilização"
Que ao capitalismo tanto idolatrou,
Renasce o nazismo do que del` sobrou,
Mais letal que um vírus, mais sem compaixão *
Mas se há esp`rança ainda de lhe pôr travão,
Esses dias tristes em que a dor cravou
Punhais de aço puro nos que dizimou,
Em dias felizes se transformarão! *
Planta a tua esp`rança companheira amiga
Para que ela em breve se transforme em espiga
E pra que da espiga nasça essoutro pão *
Que consola a alma e conforta a barriga,
Que ora trigo loiro, ora uma cantiga,
Tanto é poesia quanto é refeição! *
Mª João Brito de Sousa
13.12.2022 - 17.20h ***
9. *
"Tanto é poesia quanto refeição,"
Que alimenta a alma, que dá cor à vida
Nesses dias tristes que sem compaixão
Tudo vai embora sem ter despedida… *
Mas tem um momento de consolação
Em que os dias chegam sorrindo pra vida
Dias de alegria de amor de paixão
De uma liberdade por nós conseguida… *
Aí companheira de luta de vida,
Sorriem os dias na paz que é vivida
Em nossos momentos de satisfação… *
E os dias tristes estarão de partida
Levando tristezas retalhos de vida…
Deixando alegrias, paz no coração. *
Helena Fragoso ***
10. *
"Deixando alegrias, paz no coração"
Como a que hoje sinto por de novo ler-te:
Não há mais angústia que me desconcerte
Nem que a voz me tolha pra prender-me ao chão! *
Virão alegrias, amiga, virão,
Embora eu não possa, certeira, dizer-te
Quando exactamente sorrirão ao ver-te,
Só posso afirmar-te que te sorrirão *
E estes tristes dias que a tantos oprimem,
Serão apagados pelos que redimem
Todas as angústias e todos os prantos *
Virão dias claros que os prantos suprimem
E enquanto aguardamos, nossos versos exprimem,
Nos sonhos de agora, a esp`rança de tantos! *
Mª João Brito de Sousa
18.12.2022 - 15.05h ***
11. *
Nos sonhos de agora a esprança de tantos…
Que com fé desejam a paz neste mundo…
Dias de tristeza e outros de encantos…
Faz parte da vida, verdade no fundo… *
Nesses dias tristes, nem sabemos quantos,
Dias do fascismo, um momento imundo…
Sofreram na carne, e Deus…foram tantos…
Outros que sumiram nesse submundo… *
Mas vamos em frente construindo a fundo
Um novo universo a bem deste mundo
Uns dias, sim, tristes, outros serão santos … *
E mesmo algum ódio, talvez iracundo
Se transforme em sonhos em sonhos que a fundo
Serão mesmo a esprança, a esprança de tantos… *
Helena Fragoso ***
12. *
"Serão mesmo a esprança, a esprança de tantos"
Que de novo vêem erguer-se o nazismo
Conquanto o julgassem morto em cada abismo
Que o próprio cavara por todos os cantos *
Foi enorme o pasmo, grandes os espantos
Que nos abalaram como um brutal sismo,
Mas de novo calmos, quebrou-se o mutismo
E entre os que resistem não cabem mais prantos *
Não sei dizer como, nem sei dizer quando,
Mas vejo o nazismo de novo afundando
No profundo abismo que pra nós cavou *
Não será com balas, mas será lutando
Que os que quer esmagados o irão esmagando
Até que digamos: - O monstro acabou! *
Mª João Brito de Sousa
18.12.2022 - 19.15h ***
13. *
"Até que digamos o monstro acabou"…
Até que tenhamos paz e liberdade…
Até derrotarmos quem nos torturou
Com ódios, com guerras, matanças, maldade…. *
Até que vejamos que o mundo mudou
Que haja novos dias de luz, claridade…
Que os dias renasçam do bem que os criou
Os dias felizes a bem da verdade… *
Há dias e dias que a vida mudou
Com tudo o que a gente viveu e lutou
Até houve dias deixando saudade… *
Os tais dias tristes que o vento levou
Os dias risonhos que o sol nos doou
Tristes ou risonhos … dias de verdade… *
Helena Fragoso ***
14. *
"Tristes ou risonhos... dias de verdade",
Dias que nos encham de amor e de paz,
Dias que nos mostrem que há gente capaz
De remir os erros desta sociedade, *
De implantar, no mundo, a solidariedade
Com fundas raízes, não breve e fugaz,
Dando um passo em frente e, a seguir, dois atrás,
No que vai tocando à nossa liberdade... *
Que a guerra entre os povos termine de vez!
Se aquilo que vejo é também o que vês,
Que quem sofre e paga é quem está inocente, *
Então, companheira, que pague quem fez
De cada alegria, dor e morbidez:
"Há dias e dias na vida da gente"! *
Mª João Brito de Sousa
21.12.2022 - 13.50h
***
publicado às 23:58
Maria João Brito de Sousa
O PRESO POLÍTICO *
Estou preso mas não sou nenhum ladrão!
Fui preso por lutar por ideais,
Por ter sonhos e qu`rer fazer bem mais;
Por isso me puseram na prisão *
Estar preso nem sempre foi questão
De ser, ou não, culpado entre os demais
Pois eu, Preso Político, jamais
Roubei fosse o que fosse a um irmão! *
Sacrifiquei, talvez, a minha vida
Lutando por um mundo bem mais justo,
Por um futuro livre e promissor *
Mas fiz o que devia! Quem duvida
Que o sonho pode ter um alto custo
Por apostar num mundo bem melhor? *
Maria João Brito de Sousa
2010 ***
Soneto reformulado
Na sequência de publicação de ontem, segue-se a representação do preso político de Oeiras - Forte Prisional de Caxias. Aquilo que iniciei com o Cientista, termina aqui com o Preso Político pois fiquei sem os originais dos outros vinte e oito sonetos quando o velho computador se apagou.
publicado às 09:39