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poetaporkedeusker

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UM BLOG SOBRE SONETO CLÁSSICO

Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores. ...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
31
Jan24

CONVERSANDO COM CUSTÓDIO MONTES

Maria João Brito de Sousa

SINFONIA SOL LUA COM REMENDO VERDE (1).jpeg

*

TENHO UMA AMIGA
*

Tenho uma amiga que vive em Oeiras

Escrevia, antes, sempre noite e dia

Não sei o que tem, estou sem alegria

É, entre as amigas, uma das cimeiras
*


Tenho outras, claro, também verdadeiras

Mas sem grande rasgo a escrever poesia

Outros predicados de categoria

Que muito me agradam, amigas inteiras
*


Mas esta de Oeiras é muito inspirada

Tem ao pé a musa com ela amestrada

Ambas muito ilustres, ambas de condão
*


Uma não tem nome, é essa que inspira

A outra, já digo, é a que gente admira

Tem um nome lindo: Maria João.
*

Custódio Montes
26.1.2024

***
TENHO UM AMIGO
*

Dos muitos amigos que por cá vou tendo,

Já só um me acode se penso em tecer

Uma bela C´roa que tanto prazer

Traz à minha vida quando a estou tecendo
*


Custódio se chama e nos montes vivendo

Montes traz no nome que lhe coube ter

E eu montanhas subo pra lhe responder;

Ele comigo aprende e eu com ele aprendo...
*


Mais amigos tenho que aqui não nomeio

Porque sendo tantos tenho algum receio

De algum me falhar e fazer má figura
*


Pois neste soneto com dedicatória

Não arrisco lapsos, desses que a memória

Nos impõe se a vida vai longa e foi dura...
*

 

Mª João Brito de Sousa

31.01.2024 - 20.15h
***

Sonetos hendecassilábicos

31
Jan24

SONETO III - Lviz Vaz de Camões

Maria João Brito de Sousa

alínea a pinterest (1).jpg

Ilustração de Norman Rockwell
enviada para o meu endereço electrónico por Pinterest
*


SONETO III
*


Tanto de meu estado me acho incerto,

que em vivo ardor tremendo estou de frio;

sem causa, juntamente choro e rio,

o mundo todo abarco e nada aperto.
*


É tudo quanto sinto, um desconcerto;

da alma um fogo me sai, da vista um rio;

agora espero, agora desconfio,

agora desvario, agora acerto.
*


Estando em terra, chego ao Céu voando,

nũ’ hora acho mil anos, e é de jeito

que em mil anos não posso achar ũ' hora.
*


Se me pergunta alguém porque assi ando,

respondo que não sei; porém suspeito

que só porque vos vi, minha Senhora.
*

 

Luís de Camões

in Rimas

Texto estabelecido, revisto e prefaciado por Álvaro J. da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 1994
*

SONETO III
*

Alínea M
*


"Tanto de vosso estado me acho incerta"

que acautelada fico e desconfio

de quanto me dizeis. Se vos sorrio,

de gentileza, apenas, faço oferta...
*


Não sei, Senhor, se me tomais por certa,

nem se há verdade em vosso desvario,

mas sei que em caso algum eu desafio

suspeição que me instigue a estar alerta...
*


Mantende os pés na terra e não cuideis

de ao Céu chegar por mor de haverdes visto

meu vulto na janela debruçado;
*


Meus predicados, não os conheceis

e, na verdade, nem me sois benquisto

que a outro eu hei, Senhor, por mais amado.
*


Mª João Brito de Sousa

31.01.2021 - 00.10h
***

 

14
Jan24

INTEMPORALIDADE - Mª João Brito de Sousa e Lourdes Mourinho Henriques

Maria João Brito de Sousa

Pétala Luís Rodrigues.jpg

Aguarela de Luís Rodrigues

*

 

INTEMPORALIDADE
*
Coroa de Sonetos
*

Mª João Brito de Sousa e Lourdes Mourinho Henriques

*
1.
*

 

Aqui não há passado nem futuro;

O presente é fieira que não finda

E não tem de passar por nenhum furo

Embora a agulha disso não prescinda
*


E disto estou seguro, tão seguro

Quanto de não haver ninguém que cinda

A ponta que se afasta e que conjuro

Como se o tarde cedo fosse ainda...
*


Onde não há princípio nem há fim

Sou tudo e não sou nada. Este ínterim

É somente ilusão. Paradoxal?
*


Talvez sim, talvez não, talvez talvez,

Já não quero saber de outros porquês;

Quem mede esta meada intemporal?
*

 

Mª João Brito de Sousa

01.11.2021 - 10.30h
***

2.
*
“Quem mede esta meada intemporal?”

Alguém cujo engenho e muita arte

Pintando numa tela sem igual,

Expõe a sua alma em toda a parte.
*

Alguém que seus poemas nos of’rece

Cada dia que passa, que beleza,

Qual deles o melhor, e com certeza

Que sua inspiração jamais falece!
*

A Musa está presente a toda a hora,

Mas insistindo sempre, vai lutando

Contrariando a falta da visão!
*

Eis Morfeu a chegar, e a João

Pára a poesia e lá vai andando

P’rós braços dos lençóis, dormir agora!
*

Lourdes Mourinho Henriques

02.11.2021
***


3.
*
"Prós braços dos lençóis dormir agora (!)"

Como se lá por fora a noite escura

Tentasse convencer-me de que a hora

Se tornou, de repente, mais madura...
*

Irei, sim, quando a Lua tentadora

Vier falar-me da sua loucura

E, aproveitando o Sol ter-se ido embora,

Cerrar-me os olhos com toda a candura...
*


Mas na verdade, minha boa amiga,

Quando esta minha Musa me castiga

E se recusa à nossa interacção
*


Fico de mãos atadas. Pouco crio

Quando, não vendo a Musa, olho o vazio

Criado pela sua rebelião
***


Mª João Brito de Sousa

02.11.2021 - 15.40h

4.
*

“Criado pela sua rebelião”

A todos os que escrevem, acontece,

Quantas vezes de nós ela se esquece

E nos deixa grande desilusão!

 

E é enorme então a frustração

Se ao pegar na caneta p’ra ‘screver

A Musa isso não deixa acontecer

Ficando assim inerte a nossa mão!

 

Mas eis que, de repente, ela aparece

P’ra não pensarmos que de nós se esquece

E vai-nos conduzindo p’la poesia…

 

Diz-nos o que ‘screver em cada verso

E o nosso pensamento, então imerso,

Vai criando poemas… que alegria!
*

Lourdes Mourinho Henriques

02.11.2021
***

5.
*

"Vai criando poemas... que alegria(!)"

E que bela razão pra se estar vivo

É transformar-se o verbo em sinfonia

Sem da monotonia estar cativo!
*


Começa a despontar a melodia;

Se o soneto tem tempo(s) que eu cultivo

Eu sinto-me em completa sinergia

Com estas pautas das quais me não privo.
*


Mais pulsam as palavras apressadas,

Mais correm minhas mãos (dantes aladas...)

Em direcção ao fecho, à conclusão
*


E este meu remendado e velho peito,

Não sabendo correr fica sem jeito

A ver se lhe não escapa o coração...
*


Mª João Brito de Sousa

02.11.2021 - 23.10h
***

6.
*

“A ver se lhe não escapa o coração”

Que a mente está bem viva e criadora

E vai escrevendo pelo dia fora

O que na alma vai, com emoção.
*

Lembranças de quando era criança,

Memórias do tempo da ilusão,

Guardadas na gaveta da esperança

Que hoje são alento do coração!
*

Mas vai sempre insistindo, não desiste,

Lindos poemas vai escrevendo… e insiste

Em manter a mente sempre ocupada.
*

Por mais que isso lhe custe, persistente,

Os versos vão surgindo de repente

Deixando a nossa mente extasiada!
*

Lourdes Mourinho Henriques

03.11.2021
***

7.
*

"Deixando a nossa mente extasiada",

Tão extasiada quanto o Tempo fica

Quando anda com a Musa de mão dada,

Sem saber bem o que isso significa
*


Pois toda a musa é criatura alada

Que tanto o tempo pára quanto estica,

Que tudo pode sem esforçar-se nada,

Que ninguém mede e ninguém quantifica...
*


Toma cuidado, ó Tempo intemporal;

Não te quer bem, a Musa, nem quer mal,

Mas é mais livre do que jamais foste
*


E se não tens cuidado e te distrais

Ela puxa por ti, pede-te mais;

Tempo, não há quem contra a Musa arroste!
*


Maria João Brito de Sousa - 04.11.2021 - 08.30h
***
8.
*

“Tempo, não há quem uma Musa arroste”

Pois ela sem esperarmos aparece

E nem que a encostemos a um poste

Ela só vem quando lhe apetece.
*

Mas se a ti se aliar, a ti se encoste

Vê se lhe concedes mais um tempinho,

Não deixes que se perca, se desgoste,

Mesmo que nos visite de mansinho.
*

Ah! Tempo, que nos limitas a vida

Que às vezes, é tão curta na partida

E a Musa nem nos chega a visitar…
*

Não queiras ser carrasco dessa Musa

Que sempre nos visita e sem recusa

Por vezes nos ajuda a inspirar!
*

Lourdes Mourinho Henriques

04.11.2021
***

9.
*

"Por vezes nos ajuda a inspirar"

E também a sorrir ela auxilia

Tal como nos ajuda a superar

As rasteiras da vida, dia a dia.
*


E musas há que gostam de sonhar,

Enquanto outras preferem a magia

De construírem castelos no ar

Ou de acenderem estrelas pr`Harmonia.1)
*


São tantas essas musas feiticeiras,

Quantas serão as nossas mãos obreiras

Das coisas que os seus dedos vão criando
*


E quando chega a hora da partida

Parte a Musa também, que assim a vida

Por igual Musa e Gente vai tratando.
*


Mª João Brito de Sousa

05.11.2021 - 08.30h

1)Harmonia- Deusa da Paz e da Concórdia na Mitologia Grega
***

10.
*

“Por igual, Musa e Gente vai tratando”

P’ra ele, ambas trata por igual,

E traiçoeiro, o tempo vai passando…

Tantas vezes as leva em vendaval!
*

Leva a Musa, tira-lhe a inspiração

Que trazia p’rá Gente… Foi ficando

Cativa... e a matou sem compaixão

Até que a Gente também vai levando!
*

Oh! Tempo, que tanto nos magoas,

Nos roubas nossas Musas e Pessoas

Que tanto gostariam de viver!
*

Não sejas tão cruel, tem compaixão,

Deixa ambas viver, dá-lhes a mão,

Só querem continuar a escrever!
*

Lourdes Mourinho Henriques

05.11.2021
***

11.
*

"Só querem continuar a escrever"

Estes poetas com sonhos nas veias

Que talvez não consigas entender

Porque te afrontam com suas ideias
*


Ó Tempo, nenhum mal te irão fazer!

Não sei, Tempo, não sei por que os odeias

Quando, afinal, te irão enaltecer

Ainda que o não saibas ou descreias...
*


Aqui irei cessar de interceder

Por poetas e musas, que morrer

Cabe a todos os vivos, afinal.
*


Só tu, ó Tempo, irás permanecer

Sempre a fluir e às vezes a correr,

Porque só tu nasceste intemporal.
*


Mª João Brito de Sousa

05.11.2021 - 15.00h
***

12.
*

“Porque só tu nasceste intemporal”

Só tu nos vês chegar, também partir,

Só tu nos vês lutar e bem ou mal

Nos vais acompanhando… vês-nos ir…
*

 

Muitas vezes seguindo por caminhos

Nunca por nós sonhados, quando em quando…

Às vezes vais-nos dando uns miminhos

Mas noutras, vais-nos deixando chorando!
*

A vida inteira tu nos acompanhas

Ao lado do Destino e suas manhas

Pregando quando em vez suas partidas.
*

A ti, ó Tempo, que és intemporal,

Ninguém te vence e não existe mal

Que te atinja, como nas nossas vidas.
*

Lourdes Mourinho Henriques

05.11.2021
***

13.
*

"Que te atinja, como nas nossas vidas",

As breves vidas que tu nos concedes,

Nem sempre alegres e bem sucedidas

E tão curtinhas face ao que tu medes
*


Que se as ambicionamos mais compridas,

Compreensíveis são as nossas sedes

De ti, Tempo, que ditas as partidas,

De ti, que não as vês nem as impedes...
*


Assim vamos vivendo enquanto passas

Sem dar conta das vidas que ameaças,

Nem das vidas que aqui viste nascer
*


Por isso, se em verdade és Tempo/Espaço,

Seremos nós quem passa, passo a passo,

Por ti, sem te sabermos entender...
*


Mª João Brito de Sousa

06.11.2021 - 10.15h
***

14.
*

“Por ti, sem te sabermos entender”

Somos nós que passamos algum tempo

Numa curta viagem, sem saber

Se ela será normal… ou a destempo!
*


Uns vivem longa vida, quantas vezes

Pedindo que se aproxime o seu fim,

Mas outros vão passando por revezes

E partem sem querer, sina ruim…
*

Ó Tempo, tu que és intemporal

E por vezes vês por nós passar o mal

Podias poupar-nos tempo tão duro.
*


Chegamos e partimos deste mundo

Que dominas, é um mistério profundo,

“Aqui não há passado nem futuro”!
*


Lourdes Mourinho Henriques

06.11.2021
***

12
Jan24

SONETO CONTRA NATURA

Maria João Brito de Sousa

cinzeiro pinterest (1).jpg

Imagem Pinterest

***

 

SONETO CONTRA-NATURA
*


Burile-se o soneto qual escultura

Mas só depois de impresso. Quando brota

Deve jorrar selvagem em ruptura

Com a suave aparência que denota:
*


Curto tamanho, pequena estatura

Tem o soneto e escolhe a própria rota

Ainda que ela o leve à sepultura

Rindo de si como se fora anedota...
*


Mas se em tão curto espaço cabe inteiro

Nem sempre o que contém é tão ligeiro

Quanto o que hoje vos trago e que desmente
*


Quanto quero dizer e só desdigo

No pouco, quase nada, que consigo

Deixar-vos porque a Musa mo consente.
*

 

Maria João Brito de Sousa

16.11.2020 - 13.59h
***

Segunda versão modificada em relação ao soneto original

10
Jan24

ADAGIO PARA VELHOS SONETISTAS (e não só)- Mª João Brito de Sousa e Custódio Montes

Maria João Brito de Sousa

orquestra.png

 

ADAGIO

Para Velhos Sonetistas
e
Não Só
*

Coroa de Sonetos
*

Mª João Brito de Sousa e Custódio Montes
*
1.
*
Caminhamos curvados pelas ruas

Geladas e brilhantes como espelhos,

Nós desgastados, nós que estamos velhos,

Nós cujos ossos ferem como puas...
*


Cá vamos nós, trocando sóis e luas

Por veias que azularam nos artelhos

E se multiplicaram quais coelhos

Multiplicam no solo as tocas suas...
*


Tentamos proteger-nos do contágio,

Que este Janus* vai estando rigoroso

E nós chegámos ao mais alto estágio
*


Do Inverno da Vida, o mais penoso,

Que apenas nos concede um lento "Adagio"

Em vez de um "Presto" firme e vigoroso.
*

 

Mª João Brito de Sousa

08.01.2024 - 16.47h
***

2.
*
“ Em vez dum “Presto” firme e vigoroso"

Que trouxe a juventude ao começar

Que agora vai embora sobre o mar,

Deus do ocaso, um velho langoroso
*


No começo o jardim era formoso

Com papoilas e rosas ao luar

Sol nascente e cantigas pelo ar

Agora um astro breu, velho e moroso
*


E vemos primaveras a florir

Jovens belas que passam mesmo ao lado

Com força no andar e no sorrir
*


E num banco um idoso ali sentado

Sem réstias de sonho no porvir

Como sol a deixar o povoado
*


Custódio Montes
9.1.2024
***

3.
*
"Como sol a deixar o povoado"

Nos vamos, nós também, desvanecendo,

As mãos sobre os joelhos que, mordendo,

Nos trazem mais memórias do passado
*


E enquanto os nossos dedos no teclado

Ainda produtivos vão escrevendo,

Ao som do lento Adagio iremos tendo

Um Inverno mais suave e animado
*


Nenhum de nós conhece a hora exacta,

Só sabemos que aos poucos se aproxima

Sem que possamos adiar-lhe a data
*


Mas antes que essa data nos suprima

Vamos mostrar ao frio que nos maltrata

O tanto que este Adagio nos sublima!
*


Mª João Brito de Sousa

09.01.2024 - 11.00h
***

4.
*
“O tanto que este adágio nos sublima”

E também nos ajuda a ter cuidado

Na minha terra o tempo está gelado

Fico em Braga que há neve lá em cima
*


E para que esse frio não me oprima

Fico na minha “toca” resguardado

Agasalho-me bem agasalhado

Torneio deste modo tão mau clima
*


A vida que fazia não se faz

Temos que ter cuidado, tem que ser

Sair, andar na borga satisfaz
*


Mas cria-me problemas a valer

Gostava de aventuras em rapaz

Mas agora a aventura é o bom viver
*
Custódio Montes
9.1.2024
***

5.
*
"Mas agora a aventura é o bom viver"

E bem melhor cantar as nossas vidas

Que vão longas mas nada aborrecidas,

Embora muitos não o queiram crer
*


E ao ver-nos assim, a envelhecer,

Nos julguem pela vida já vencidos...

Mas sorrimos ainda! Os tempos idos

Passaram por nós dois sempre a correr
*


Deixando pouco mais do que as memórias

Que docemente agora recordamos

Entre tristezas e pequenas glórias...
*

Somos a soma do que conquistamos:

Se houve derrotas, houve mais vitórias,

E haverá futuro, se o sonhamos!
*


Mª João Brito de Sousa

09.01.2024 - 12.15h
***

6.
*
“E haverá futuro, se o sonhamos!”

Vida é isso mesmo: é arquitectar

Visitar jardins para os vislumbrar

E não os vendo, nós imaginamos
*

Sempre em frente, parados não ficamos

Ser-se poeta é ir até ao mar

Mas se não se for, basta imaginar

Um mundo novo e belo que criamos
*


Se nos cai o cabelo e nascem papos

O que nós escrevemos tem valor

Merecemos louvor e somos guapos
*


Que tão criativos, nós temos valor

Não somos velhos, velhos são os trapos

Ser-se poeta é ter vida e amor
*

Custódio Montes
91.2024
***

7.
*

"Ser-se poeta é ter vida e amor"

Tocando até ao fim o suave Adagio

E se é inevitável o naufrágio,

Naufraguemos com arte e com fulgor
*


Que há sempre quem acabe bem pior

E venha a ser banido por sufrágio:

Alguém que trema a cada mau presságio

Em cada pedra encontra o Adamastor...
*


Não me assusta a velhice. O que me assusta

É não poder escrever, nem poetar,

E naufragar da forma mais injusta
*

Que um bom poeta possa imaginar...

É isso que me dói, que mais me custa:

Ser só vetusta não me irá calar!
*


Mª João Brito de Sousa

09.01.2024 - 15.35h
***

8.
*
“Ser só vetusta não me irá calar”

Que quem cala o que sabe é infiel

À sua natureza e ao seu papel

De dizer o que sente e de ensinar
*

Um mestre não fraqueja que parar

É pôr de lado a pena e o pincel

É não mostrar aos outros o cinzel

Com que se adorna a obra a poetar
*


O que interessa é ter o pensamento

E a mente em seu lugar e organizada

Que a obra se verá e o seu talento
*

Com enfeites e forma emalhetada

Que a arte quando existe é um portento

E a artista fica eterna e afamada
*

Custódio Montes
9.1.2024
***

9.
*

"E a artista fica eterna e afamada"

Mas não será a fama que a fascina,

E sim poder voltar a ser menina

Por um instante e por coisa de nada
*


Que às vezes basta um verso de uma quadra

Pra transportá-la, envolta em seda fina,

Aos tempos da criança cuja sina

A levaria a ir por esta estrada...
*


Mas voltemos de novo ao andamento

Do suave Adagio que nos guia os passos,

Suavíssimo e melódico, mas lento
*


A criar entre nós profundos laços,

Que toda a poesia é sentimento

E quase sempre acaba em dois abraços.
*

 

Mª João Brito de Sousa

09.01.2024 - 20.45h
***

10.
*
“E quase sempre acaba em dois abraços”

Que o poema é alegria e amizade

Estimula o carinho e a vontade

Para juntos criarem fortes laços
*


O poema preenche e ocupa espaços

Enfeita com fulgor, luz, claridade

Ornamenta os dizeres na cidade

E liga dois amores entre braços
*


O idoso imagina-se menino

As agruras transformam-se em poesia

E, com gáudio, encontra o seu destino
*

A tristeza é um mal que, por magia,

Nem sempre dura, ri, entoa um hino

E, como o adágio diz, vira alegria
*

Custódio Montes
10.1.2024
***

11.
*

"E, como o adágio diz, vira alegria"

Que estoutro Adagio tenta acompanhar,

Correndo, mas correndo devagar,

Mostrando o que lhe resta de energia...
*

Ao Presto não chegou, mas a harmonia

É tanta que parece suscitar

Um Allegro Vivace a culminar

A nossa inacabada sinfonia...
*


Seja o soneto o piano em que compomos

Este Adagio pra cordas. O violino

Virá depois contar tudo o que fomos
*


E ambos falarão sobre o destino...

Talvez nos caibam fadas, elfos, gnomos,

Ou mesmo o génio que coube a Aladino...
*


Mª João Brito de Sousa

10.01.2024 - 12.20h
***

12.
*
“Ou mesmo o génio que coube a Aladino…”

Na lâmpada e no estro musical

Em andamento era genial

Com toque em dó menor de violino
*


Suave, em andamento muito fino

Trinava o seu acorde em arraial

Dançava todo o mundo e o maioral

E também badalava ao alto o sino
*


Nessa intensa harmonia e fulgor

Ficava alegre o povo com a gesta

E dava à sinfonia mais valor
*


Ficava a gente idosa bem mais lesta

Havia muitos beijos, muito amor

E toda a aldeia andava sempre em festa
*

Custódio Montes
10.1.2024
***

13
*

"E toda a aldeia andava sempre em festa"

Sendo que nós não fomos excepção

E embora sem violino ou violão

Cantámos- e bem alto! - a nossa gesta
*


Alguns tocavam música mais lesta,

Houve até quem trouxesse acordeão:

Toda esta sinfonia era emoção

Porque este Adagio à comoção se presta
*


Soam agora as notas musicais

Das harpas melancólicas, chorosas,

Logo seguidas plo som dos metais
*


Que sopram notas tão melodiosas

Que nos fascinam e até os pardais,

Enfeitiçados, pousam sobre as rosas.
*

 

Mª João Brito de Sousa

10.01.2024 - 15.45h
***
14.
*
“Enfeitiçados, pousam sobre as rosas”

Que nós bem os ouvimos chilrear

Andamos nos jardins a passear

E vemos coisas lindas, valorosas
*


Que mesmo com passadas vagarosas

Com vista nós bem vemos ao olhar

Toda a beleza à volta a espelhar

Além de moças lindas e formosas
*


Idoso, mas ainda a espairecer

Avança, vai em frente, não construas

Altos muros ao nosso envelhecer
*


Verdade que se foram sóis e luas

Mas cantemos alegres sem dizer:

“Caminhamos curvados pelas ruas”
*


Custódio Montes
10.1.2024
***

 

 

 

 

09
Jan24

SERVIDO AO POSTIGO- Mª João Brito de Sousa e Jay Wallace Mota - Reedição

Maria João Brito de Sousa

Servido ao postigo (1).jpg

Imagem cedida por Jay Wallace Mota

*

SERVIDO AO POSTIGO

*
Coroa de Sonetos
*

Maria João Brito de Sousa (Oeiras, Portugal) e Jay Wallace Mota (Belém, Brasil)
***
1
*

Trago um soneto servido ao postigo;

Vá prá fila senhor concidadão

Tal qual como se fosse comprar pão

Ou tomar um café... sem um amigo.
*


Adquira um verso ou qualquer outro artigo

Pois passa o meu postigo a ser balcão

De um boteco de esquina sem patrão,

Sem tecto, sem cadeiras, nem abrigo...
*


Vou servir-lho no copo descartável

De um protesto que sei incoerente,

Mas que se vai tornando inevitável
*


Pois já não sei se sei s`inda sou gente

Se apenas sou mais uma variável

De uma curva ascendente ou descendente...
*


Maria João Brito de Sousa - 12.03.2021 - 11.21h
*

(em co-autoria com a minha irreverentíssima Musa)
***

2.
*

De uma curva ascendente ou descendente,

Depende o mundo todo, a cada dia,

Pra ver a evolução da pandemia

E decidir os passos para frente.
*

 

Mostrados em escala contundente,

Os gráficos revelam uma fria

Maneira de medir essa agonia

Porque só mostram números, não gente!
*

Mas o que posso ver pelo postigo

Pelo qual te proteges num abrigo,

Em um modo de agir tão consciente,
*

Que mesmo eficaz, frente a bruma turva,

Pouco importa a tendência da tal curva,

Tu serás variável dependente!
*

 

Belém, 14 de março de 2020.

Jay Wallace Mota
***

3.
*

"Tu serás variável dependente"

De uma resiliência natural

Hoje bem burilada por um mal

Que caiu sobre ti e toda a gente
*


E hás-de conseguir ser paciente

Pois verás que o convívio virtual

Embora bem mais pobre que o real,

É também fuga ao medo deprimente.
*


Se ao postigo me serves os teus versos

Nestes tempos tão duros, tão adversos,

Espero que, um dia, mos sirvas em mão...
*


Terá de haver um fim para a clausura

Ou morreremos todos desta cura

Porque também nos mata a solidão.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 15.03.2021 - 11.32h
***

4.
*

Porque também nos mata a solidão,

Ao nos trancar qual fôssemos cativos

Que, a falta de melhor definição,

Nos torna verdadeiros mortos-vivos!
*

 

Não que me contraponha à solução,

Que nos impõe limites restritivos,

Os quais aceito, até sem coerção,

Pois vejo os resultados positivos.
*

Porém, o que de fato já me assusta

É perceber a forma, sempre injusta,

Que não distingue os fortes dos mais fracos;
*


Quando se impõe iguais obrigações

Aos poucos que se isolam em mansões

E a tantos que se juntam em barracos!
*

 

Belém, 15 de março de 2021.

Jay Wallace Mota.
***

5.
*

"E a tantos que se juntam em barracos"

Insalubres, tão pobres que um só pão

Se divide por cinco, à refeição

Que foi servida em louça feita em cacos.
*


Dormem no chão embrulhados em sacos,

Que muitos del`s não têm nem colchão

E, por mais que procurem solução,

Não conseguem tapar tantos buracos.
*


Do outro lado, em casas luxuosas,

Parece essa clausura um mar de rosas

Entre edredões de penas e o regalo
*


Das refeições servidas em bandejas;

Lagosta, caviar e, enfim, cerejas

Pr` acompanhar um Porto*, dos "de estalo"!**
*

 

Maria João Brito de Sousa - 15.03.2021 - 17.31h
*

* Vinho do Porto


***

6.
*

“P’ra acompanhar um Porto, dos de estalo”,

Para valorizar a refeição,

Que come sem sequer dar atenção

Aos números que assiste sem abalo!
*

 

Ignora que chegou-se ao gargalo

De um sistema em completa lotação,

Gerido por um louco fanfarrão,

Com quem ele costuma ir no embalo;
*

 

Bradando sempre contra o isolamento,

Pois só pensa em seu próprio rendimento;

Crítica os exageros sem motivos!
*

 

E enquanto toma um vinho envelhecido,

Vê seu trabalhador, todo espremido,

Exposto nos transportes coletivos!
*

 

Belém, 15 de março de 2021.

Jay Wallace Mota.
***

7.
*

"Exposto nos transportes colectivos"

Como se fosse carne pra canhão,

Não gente com família e coração

E que é suporte dos que inda estão vivos.
*


Esses que afinal são os mais activos

Dos alicerces vivos da nação,

Vão sendo destratados sem razão

E sem medicação nem lenitivos
*


Vão tombando às dezenas, aos milhares,

Nas valas que os civis e militares

Vão abrindo e fechando sem parar.
*


Será que são deveras descartáveis

As vidas desses pobres miseráveis

Que sufocam assim, sem pinga de ar?
*

 

Maria João Brito de Sousa - 15.03.2021- 20.03h
***

8.
*

 

“Que sufocam assim, sem pinga de ar”

E passam a sentir dentro do peito

O tempo que se torna mais estreito

Que o tempo que dispõe pra procurar
*

 

Sem nada e sem ninguém com quem contar

Procuram encontrar de qualquer jeito

Nos hospitais lotados algum leito

Até morrer nas filas sem achar!
*

 

E justo quando já se tem vacina

O moribundo chora, se lastima

E luta pra ficar firme na raia...
*

 

Mas sem quem possa ouvir seu choro rouco,

Ele vai se entregando pouco a pouco,

C’a sensação de quem morre na praia!
*

 

Belém, 15 de março de 2021.(18:37h).

Jay Wallace Mota.
***

9.
*

"C`a sensação de quem morre na praia"

Junto com a revolta que brotava

Do peito imóvel que antes ofegava

Como potro selvagem preso à baia.
*

 

Na contra-mão da vida, a morte ensaia

Uma dança letal que ninguém trava;

Já não respira alguém que respirava

E a espécie humana torna-se a cobaia
*

 

Da procura imp`riosa duma cura

Que ninguém sabe se será segura,

Ou se pode trazer um novo p`rigo
*


E enquanto o "jogo" assim se desenrola,

Eu, que não passo de uma velha tola,

Componho uns versos pra venda ao postigo...
*

 

Maria João Brito de Sousa - 15.03.2021 - 22.39h
***
10.
*

“Componho uns versos pra venda ao postigo...”

É sempre o que me dizes quando assunto,

Ou se indiscretamente te pergunto

Por que te isolas dentro deste abrigo!
*


Parece até que vives de castigo!

Ou será que não queres ninguém junto?

Que possa intrometer-se no conjunto;

Aquele que a tal musa faz contigo!
*


Não penso mexer nessa sintonia,

Mas quando terminar a pandemia,

E todos nos livrarmos desse medo,
*

Prometo, e vou cumprir tudo que digo,

Depois de escancarar esse postigo,

Vou ver, além da porta, o teu segredo!
*

 

Belém, 15 de março de 2021.

Jay Wallace Mota.
***

11.
*

"Vou ver, além da porta, o teu segredo"

Que não é mais do que uma minudência

Pr`aliviar o Estado de Emergência

Que fechara o comércio. E, que degredo!,
*


Só ao postigo é que, de manhã cedo,

Algumas lojas servem, com prudência,

Aquilo que esta nossa impaciência

Exigia normal, esquecendo o medo...
*


Esta medida, muito discutida,

Foi depois pelos "media" difundida...

Julguei que se soubesse, por aí,
*


Que os postigos, aqui em Portugal,

São os reis deste novo não-normal...

(sirvo, ao postigo, aquilo que escrevi)
*

 

Maria João Brito de Sousa - 16.03.2021 - 10.59h

***

12.
*

 

“(sirvo, ao postigo, aquilo que escrevi)”

O que parece ser o não normal

Neste momento triste em Portugal,

Eu te asseguro ser normal aqui!
*

 

Não só pelas razões que tens aí,

Em decorrência desse tal lockdown!

Além deste, há por cá um outro mal

Que, de banal, eu quase me esqueci!
*

 

Aqui, nossos receios, sobressaltos

Decorrem da frequência dos assaltos

Seja à porta de casa ou da oficina!
*

 

O que vai nos minando a resistência

Porque quando a doença é violência,

Nem se tem a esperança da vacina!
*

 

Mosqueiro, 16 de março de 2021, (14:38h).

Jay Wallace Mota
***

13.
*

"Nem se tem a esperança da vacina"

Na qual não tenho assim tanta confiança;

Este vírus sofreu tanta mudança

Que ressurgiu mais forte em cada esquina
*


Porém, antes ter esperança pequenina

Do que, de todo em todo, não ter esp`rança

Que eu bem me lembro da cruel matança

Da Pneumónica, a trágica assassina...
*


No caso da violência, Portugal,

É bem mais moderado. Essoutro mal

Não nos aflige tanto quanto a vós.
*

 

Neste "jardim à beira-mar plantado"

Toda a gente prefere ouvir um fado

A cometer um qualquer crime atroz.*
*

 

Maria João Brito de Sousa - 16.03.2021 - 18.30h

***

14.
*


“A cometer um qualquer crime atroz”

E assim levar alguém à fria cova,

Prefiro reviver a Bossa Nova,

Ouvindo João Gilberto a baixa voz!
*

 

C’alguém com quem pudesse estar a sós!

E viver meu momento Casanova,

Cantando meu amor; loas em trova!

Sem me importar com contras e nem prós!
*

 

Porém, devido à louca pandemia,

Não posso ter nenhuma companhia,

Quer seja como amante ou como amigo!

 

Porquanto, sem querer ser insensato,

Privado de estreitar qualquer contato,

“Trago um soneto servido ao postigo.”
*

 

Belém, 16 de março de 2021.

Jay Wallace Mota.
***

 

08
Jan24

ADAGIO PARA VELHOS SONETISTAS (e não só)

Maria João Brito de Sousa

ao piano pinterest (1).jpg

Imagem Pinterest 

*

ADAGIO

Para Velhos Sonetistas
e
Não Só
*


Caminhamos curvados pelas ruas

Geladas e brilhantes como espelhos,

Nós desgastados, nós que estamos velhos,

Nós cujos ossos ferem como puas...
*


Cá vamos nós trocando sóis e luas

Por veias que azularam nos artelhos

E se multiplicaram quais coelhos

Multiplicam no solo as tocas suas...
*


Tentamos proteger-nos do contágio,

Que este Janus* vai estando rigoroso

E nós chegámos ao mais alto estágio
*


Do Inverno da Vida, o mais penoso,

Que apenas nos concede um lento "Adagio"

Em vez de um "Presto" firme e vigoroso.
*

 

Mª João Brito de Sousa

08.01.2024 - 16.47h
***

 

* Referência à figura da mitologia romana, Janus, deus do começo, que dá nome ao primeiro mês do ano no calendário Juliano - Janeiro

 

06
Jan24

SIGAMOS MAIO AFORA - Mª João Brito de Sousa e Joaquim Sustelo

Maria João Brito de Sousa

Eu e Joaquim (1).jpg

Eu e Joaquim Sustelo fotografados por Cida Vasconcelos

*

SIGAMOS MAIO AFORA
*

Coroa de Sonetos
*

Mª João Brito de Sousa e Joaquim Sustelo
*

1.
*

Sigamos Maio afora confiantes

Sabendo, embora, quanto nos espera,

Sejamos mais do que o que fomos antes

Em cada Maio e em cada Primavera,
*


Que Maio sempre fez de nós gigantes

Diante da malícia de uma fera

Que nos tem por dispersos, vãos, errantes

Cavaleiros do sonho e da quimera.
*


Sigamos Maio afora; Junho e Julho

Esperam por nós, de nós terão orgulho,

Tal como cada mês que está por vir
*


Nos há-de abrir os braços, finalmente,

Quando o futuro se tornar presente

De quanta gente em Maio o construir!
*


Maria João Brito de Sousa - 02.05.2020 - 08.39h
***
2.
*
"De quanta gente em Maio o construir!"

Esse futuro por agora tenso

Que o mês de Maio irá fazer surgir

Envolto em sonhos bons tal como penso
*


Junho há-de com mais força também vir

A força de vencer, que me convenço

Depois deste "maduro Maio" florir

Irá florir o mundo ao qual pertenço
*

Confio em ar mais puro... a atmosfera

Irá consolidar a primavera

Nos campos e nas almas desta gente,
*

Que agora ainda está na incerteza

Mas que depois verá com mais clareza

Todo um futuro alegre e sorridente.
*


Joaquim Sustelo
***
3.
*

"Todo um futuro alegre e sorridente"

Há-de chegar um dia, não duvido,

Mas ainda haverá que fazer frente

A um tempo difícil e dorido.
*

Sou optimista, não inconsciente

Dos riscos do caminho já escolhido

E tu, que és meu irmão, terás em mente

Que há que roer este osso... bem roído!
*

Não se pode sonhar... sonhando apenas

Como se o tempo fosse de açucenas

E apenas nos bastasse acreditar
*

Que há pão na mesa que vemos vazia

Ou música se sopra a ventania...

Também há que lutar, lutar, lutar!
*


Maria João Brito de Sousa
***
4.
*
"Também há que lutar, lutar, lutar"

E nessa luta haver vários reveses

Não basta nós ficarmos a esperar

Pelo Maio passar e mais uns meses
*


Só muitos, muitos mais a ajudar

Mas em tempo contínuo e não às vezes

Muit'água pelos rios há-de passar

Há-de pregar-se em muitas dioceses
*

Mas sempre com querer, com confiança

Que a última a morrer é a esperança

E o homem quando quer pra melhor muda
*


Então vamos fazer, nós, todo o povo,

Que nasça brevemente um mundo novo

Que quase em horizonte nos saúda.
*


Joaquim Sustelo
***
5.
*
"Que quase em horizonte nos saúda"

Pois nunca poderemos lá chegar

A menos que uma coisa mais graúda

Nos lance, de repente e sem tardar...
*


Não espero que minha alma inda se iluda,

Já que tem a razão para a amparar,

Mas, meu irmão, às vezes fica muda

De tanta coisa estranha contemplar...
*


Mas, não, nunca descri dos amanhãs

Que hão-de falar de coisas menos vãs

Cantando alto e bom som, ou sussurando,
*


Que há justiça na Terra para os povos!

Não será para nós, para os mais novos,

Pró homem, prá mulher que vão chegando!
*


Maria João João Brito de Sousa
***
6.
*

"Pró homem, prá mulher que vão chegando!"

Talvez ele até venha um mundo novo

Com calma a pouco e pouco se implantando

Com grande f'licidade em todo o povo
*


Eu creio. E nessa fé cá vou pensando

No que será... Por vezes me comovo

Quando se adensa o sonho, ou seja quando

Mais forte o sinto em mim e o renovo
*


Nós não estaremos cá, vamos de "férias"

Porém não penses que isto é tudo lérias

Pois tenho até uma forte convicção!
*


E vamos passo a passo, rua a rua

Num sonho que por ora continua

A adentrar-me a alma e o coração.
*

Joaquim Sustelo
***
7.
*

"A adentrar-me a alma e o coração"

Como se um bando de aves me adentrasse

Gerando vida, espanto, evolução

Que a morte nunca visse, nem sonhasse...
*


Sonhar é também ter a convicção

De mais tentar, ainda que bastasse

À nossa muito humana condição

Um nada de ambição que um desenlace
*


Mais ou menos feliz, desse à função,

Dessa existência, quando se apagasse

A pequenina chama da razão
*


Talvez, depois, a fome já não grasse

Nem a doença, nem a frustração

Com que o tempo nos brinda neste impasse...
*


Maria João Brito de Sousa
***
8.
*

"Com que o tempo nos brinda neste impasse..."

Que afeta todos nós em mais ou menos

Mudando a cada dia a nossa face

Por nossos pensamentos não serenos
*


Como se este Covid não bastasse

Os tempos que aí vêm, nada amenos,

Nem fazem com que a gente aqui já trace

Tão boas plantações pelos terrenos...
*


Porém, se o pensamento em nós já lavra,

Sabemos ser a força da palavra

Aliada a um crer, forte... eficaz,
*


Duma forte mudança, o seu fator

E do ressurgir pleno do Amor

Que até hoje não trouxe ainda a paz.
*


Joaquim Sustelo
***
9.
*

"Que até hoje não trouxe ainda a paz"

Pela qual tanto, tanto nós pugnamos

E que tão grande falta ao mundo faz

Embora o contradigam grandes amos...
*


Talvez a nossa voz seja incapaz

De se fazer ouvir, mas bem tentamos

E há sempre uma vozita mais audaz

Que sobe ao alto dos mais altos ramos
*


Ou que grita mais alto, embora atrás

Dos que já se destacam, entre humanos,

Perecíveis... que importa se subjaz
*


Esta vontade imensa? Longos anos

Faltarão pra sabermos que nos traz

O tal futuro que hoje lobrigamos
*


Maria João Brito de Sousa
***

10.
*

"O tal futuro que hoje lobrigamos",

Não vem em nosso tempo nem lá perto

Por ele há muito tempo que lutamos

Mas o caminho é... inda algo incerto
*


Porém fazer por ele sempre vamos

No campo da poesia, neste "aperto",

Em que a nossa vontade apregoamos

Se bem que o chão se mostre algo deserto
*


Virá o Junho, o Julho e o Agosto

Virão os outros meses e aposto

Que sempre alguma coisa vai mudar
*


"Se nós mudarmos todo o mundo muda" (*)

Ah que ninguém se fique e nem se iluda

Pois este mundo velho há de cessar.
*

Joaquim Sustelo

(*) frase do dr. Lair Ribeiro

***
11.
*

"Pois este mundo velho há-de cessar"

E havemos de tomar um novo rumo

Sem que haja sempre alguém a cobiçar

Do fruto humano a polpa, o próprio sumo
*


Um mundo bem mais justo, um mundo-lar

Do qual cada um seja o fio-de-prumo,

No qual a luz do sol possa brilhar

E onde se não morra envolto em fumo.
*


Nisto, sei que vou sendo idealista...

Talvez o que aqui sonho nunca exista,

Talvez não passe de uma outra utopia
*


Mas não me peças nunca que desista

De te falar do sonho. Cada artista

Compõe conforme sente a melodia...
*


Maria João Brito de Sousa
***

12.
*

"Compõe conforme sente a melodia..."

E toca consoante o instrumento

Indo todos criar a sinfonia

Que se for bem tocada dá alento
*


Tocar muito melhor, sim, eu queria

Se bem que à melodia esteja atento

Porém há sempre um toque de mestria

Que não vou atingir, se bem que tento...
*


Somos uns idealistas? Não faz mal

Todos devemos ter um ideal

E este é dos melhores que há na vida
*


Imaginar a estrada especial

Pugnar por ela vir de pedra e cal

Assim atapetada... assim florida...
*


Joaquim Sustelo
***

13.
*

"Assim atapetada... assim florida"

Como se jardim fora, ou astro errante

Soltando a cabeleira colorida,

Coberta de poeira flamejante...
*


Irmão, juntei ao astro a cor da vida

E vi, ou julguei ver, por um instante,

A humanidade menos dividida,

Mais forte, mais feliz e mais pujante;
*


Poetas e também trabalhadores

Cantavam, lado a lado, os seus amores

Como se nada, nada fosse em vão
*


Mas, nesse mundo que mal vislumbrei,

Não pude ver que houvesse qualquer rei,

Nem vi que a alguém faltasse tecto ou pão.
*


Maria João Brito de Sousa
***


14.
*

"Nem vi que a alguém faltasse tecto ou pão"

Havia um equilíbrio, uma equidade

Que todos adquiriram a noção

De a ter de pôr em prática. Em verdade,
*


Ganhavam dia a dia o seu quinhão

Pelo que produziam, não metade

Do que cabia à mesa do patrão

Que açambarcara dantes com maldade
*


Fosse sonho ou não fosse o que tu viste

Uma etapa feliz já coloriste

Pintando-a de cor negra que era dantes
*


A pouco e pouco iremos... e sorrindo

Sabendo que esse tempo ele é bem-vindo

"- Sigamos Maio afora confiantes."
*


Joaquim Sustelo
***

NOTA - Coroa de sonetos dialogada a quatro mãos e terminada em menos de doze horas.

Poema registado ao abrigo dos direitos de autor.

 

05
Jan24

DIAS TRISTES - Helena Fragoso e Mª João Brito de Sousa -Reedição

Maria João Brito de Sousa

JOVEM - José de Brito.jpg

"Jovem" - Tela de José de Brito, meu bisavô

*

 

DIAS TRISTES
*
Coroa de Sonetos
*

Helena Fragoso e Mª João Brito de Sousa
*

1.
*

Há dias e dias na vida da gente

Uns que nos sorriem, outros que até não…

Há os que nos fazem torturas à mente…

São aos quais eu chamo de " dias de cão".…
*

Tem uns que são duros e que num repente

Emanam tristeza…nos deitam ao chão….

Até nos destroem a alma, a pureza

Só nos trazem mágoas, dor na contramão…
*

Tem dias que tudo nos parece ausente

Em que nada vibra, nada se consente…

Dias em que o mundo é mera ilusão….
*

Enfim, dias tristes em que consciente,

Nossa alma chora, sentindo latente

A saudade, as mágoas e a solidão…
*

 

Helena Fragoso
***
2
*

"A saudade, as mágoas e a solidão"

Podem, minha querida, ser tão passageiras

Quanto o são as aves, se de arribação,

Ou as altas chamas de alguma fogueira
*


Que ao fim de umas horas se consumirão

Pra deixar só cinzas brancas e poeira...

Sim, há dias tristes, há "dias de cão",

E há dias que são riso e brincadeira
*


Nesta nossa estrada, em vez de alcatrão,

Há pedras bem duras a forrar o chão

E arbustos com espinhos mesmo à nossa beira
*


Mas nós prosseguimos. Não, não foi em vão

Que continuamos nesta direcção,

Neste mundo (quase) carrossel de feira!
*


Mª João Brito de Sousa

29.11.2022 - 15.15h
***


3.
*

Neste mundo (quase) carrossel de feira

Que descompensado corre sem noção

Com dias que roubam e de que maneira

Nossa paciência e concentração...
*


Tem dias que a vida não se mostra inteira

E em que nossos passos se colam ao chão.

Dias em que os sonhos ardem na fogueira

Só restando as cinzas da desilusão…
*

E neste caminho, nesta ribanceira

Os dias que passam seguem de maneira

Que haja riso, pranto, dor e solidão…
*


Tem dias que a vida na sua cegueira

Nos deixa sem rumo, sem eira nem beira.

Perdidos nas sombras e na escuridão…
*

Helena Fragoso
***

4.
*

"Perdidos nas sombras e na escuridão"

Sem ver mais que um palmo do nosso futuro

Tornámo-nos sombras tecidas no escuro,

Quase inexistência, quase assombração...
*

 

Mas todas as sombras são a projecção

De algo consistente, volumoso e duro,

Que pode ser gente ou somente um muro

Cuja sombra é fruto... de iluminação
*


Sem luz, minha amiga, por pouca que seja

Não haverá sombra, nem quem nela esteja

Tão desiludido quanto estás agora:
*


Salta-me esse muro que, do outro lado,

Tudo está mais claro, mais iluminado

E verás que as sombras terão ido embora!
*

 

Mª João Brito de Sousa

07.12.2022 - 11.50h
***

5.
*

"E verás que as sombras terão ido embora"

Levando com elas dor e solidão

Nasce um novo dia, uma nova aurora

É um dia triste? Diria que não…
*


Um dia que corre nesse mundo afora

Formando um oásis mantendo a ilusão

Que há dias felizes e que a qualquer hora

Os dias mais tristes se transformarão
*


Ao pular o muro vi sombras lá fora

Vi dias sorrindo numa ou outra hora

Vi sombras andando pela escuridão..
*


Então ao ver tudo, voltei, vim embora,

Pensei nesses dias que vão mundo afora

Uns tristes, é certo... outros até não.
*

Helena Fragoso
*


6.
*

"Uns tristes, é certo... outros até não"

Que se nuns chorei, nos outros me ri

E entre choro e riso muito eu aprendi

Ao subir o muro da contradição:
*


Vi os que acumulam milhão a milhão

E os que moirejam não tendo pra si

Nem um pedacinho do que nalguns vi,

E vi os sem-terra junto dos sem-pão
*


Sucumbindo às bestas do nazi-fascismo

Que, por todo o mundo, escava um sujo abismo

Em que os dias - todos! - são de escravidão!
*


E pra que não seja mais do que um aviso,

Pra que sobrevivam os dias do riso,

Que nos não enganem as bestas que o são!
*

 

Mª João Brito de Sousa

09.12.2022 - 11.35h
***

7.
*

"Que nos não enganem as bestas que o são"

Ferozes selvagens sempre assim os vi…

Negando aos mais pobres a casa e o pão

Com cruéis discursos como sempre li….
*


Existe a esperança, não é ilusão…

E talvez por isso eu nunca a perdi

Tem dias sorrindo, sim, na contramão

Desses tristes dias que também vivi…
*


Tem dias risonhos que bem os senti

Que enquanto duraram amei e sorri

Mesmo que só fossem total ilusão…
*


Nos outros, nos tristes, até me perdi

Com tanta maldade como nunca vi

Fruto desta nossa civilização…
*

Helena Fragoso
*

8.
*

"Fruto desta nossa civilização"

Que ao capitalismo tanto idolatrou,

Renasce o nazismo do que del` sobrou,

Mais letal que um vírus, mais sem compaixão
*


Mas se há esp`rança ainda de lhe pôr travão,

Esses dias tristes em que a dor cravou

Punhais de aço puro nos que dizimou,

Em dias felizes se transformarão!
*


Planta a tua esp`rança companheira amiga

Para que ela em breve se transforme em espiga

E pra que da espiga nasça essoutro pão
*


Que consola a alma e conforta a barriga,

Que ora trigo loiro, ora uma cantiga,

Tanto é poesia quanto é refeição!
*

 

Mª João Brito de Sousa

13.12.2022 - 17.20h
***

9.
*

"Tanto é poesia quanto refeição,"

Que alimenta a alma, que dá cor à vida

Nesses dias tristes que sem compaixão

Tudo vai embora sem ter despedida…
*


Mas tem um momento de consolação

Em que os dias chegam sorrindo pra vida

Dias de alegria de amor de paixão

De uma liberdade por nós conseguida…
*


Aí companheira de luta de vida,

Sorriem os dias na paz que é vivida

Em nossos momentos de satisfação…
*


E os dias tristes estarão de partida

Levando tristezas retalhos de vida…

Deixando alegrias, paz no coração.
*

Helena Fragoso
***

10.
*

"Deixando alegrias, paz no coração"

Como a que hoje sinto por de novo ler-te:

Não há mais angústia que me desconcerte

Nem que a voz me tolha pra prender-me ao chão!
*


Virão alegrias, amiga, virão,

Embora eu não possa, certeira, dizer-te

Quando exactamente sorrirão ao ver-te,

Só posso afirmar-te que te sorrirão
*


E estes tristes dias que a tantos oprimem,

Serão apagados pelos que redimem

Todas as angústias e todos os prantos
*


Virão dias claros que os prantos suprimem

E enquanto aguardamos, nossos versos exprimem,

Nos sonhos de agora, a esp`rança de tantos!
*


Mª João Brito de Sousa

18.12.2022 - 15.05h
***

11.
*

Nos sonhos de agora a esprança de tantos…

Que com fé desejam a paz neste mundo…

Dias de tristeza e outros de encantos…

Faz parte da vida, verdade no fundo…
*


Nesses dias tristes, nem sabemos quantos,

Dias do fascismo, um momento imundo…

Sofreram na carne, e Deus…foram tantos…

Outros que sumiram nesse submundo…
*


Mas vamos em frente construindo a fundo

Um novo universo a bem deste mundo

Uns dias, sim, tristes, outros serão santos …
*


E mesmo algum ódio, talvez iracundo

Se transforme em sonhos em sonhos que a fundo

Serão mesmo a esprança, a esprança de tantos…
*

Helena Fragoso
***

12.
*

"Serão mesmo a esprança, a esprança de tantos"

Que de novo vêem erguer-se o nazismo

Conquanto o julgassem morto em cada abismo

Que o próprio cavara por todos os cantos
*


Foi enorme o pasmo, grandes os espantos

Que nos abalaram como um brutal sismo,

Mas de novo calmos, quebrou-se o mutismo

E entre os que resistem não cabem mais prantos
*


Não sei dizer como, nem sei dizer quando,

Mas vejo o nazismo de novo afundando

No profundo abismo que pra nós cavou
*


Não será com balas, mas será lutando

Que os que quer esmagados o irão esmagando

Até que digamos: - O monstro acabou!
*


Mª João Brito de Sousa

18.12.2022 - 19.15h
***

13.
*

"Até que digamos o monstro acabou"…

Até que tenhamos paz e liberdade…

Até derrotarmos quem nos torturou

Com ódios, com guerras, matanças, maldade….
*


Até que vejamos que o mundo mudou

Que haja novos dias de luz, claridade…

Que os dias renasçam do bem que os criou

Os dias felizes a bem da verdade…
*


Há dias e dias que a vida mudou

Com tudo o que a gente viveu e lutou

Até houve dias deixando saudade…
*


Os tais dias tristes que o vento levou

Os dias risonhos que o sol nos doou

Tristes ou risonhos … dias de verdade…
*

Helena Fragoso
***

14.
*

"Tristes ou risonhos... dias de verdade",

Dias que nos encham de amor e de paz,

Dias que nos mostrem que há gente capaz

De remir os erros desta sociedade,
*


De implantar, no mundo, a solidariedade

Com fundas raízes, não breve e fugaz,

Dando um passo em frente e, a seguir, dois atrás,

No que vai tocando à nossa liberdade...
*


Que a guerra entre os povos termine de vez!

Se aquilo que vejo é também o que vês,

Que quem sofre e paga é quem está inocente,
*


Então, companheira, que pague quem fez

De cada alegria, dor e morbidez:

"Há dias e dias na vida da gente"!
*


Mª João Brito de Sousa

21.12.2022 - 13.50h

***

05
Jan24

O PRESO POLÍTICO

Maria João Brito de Sousa

O preso político.jpeg

O PRESO POLÍTICO
*


Estou preso mas não sou nenhum ladrão!

Fui preso por lutar por ideais,

Por ter sonhos e qu`rer fazer bem mais;

Por isso me puseram na prisão
*

 

Estar preso nem sempre foi questão

De ser, ou não, culpado entre os demais

Pois eu, Preso Político, jamais

Roubei fosse o que fosse a um irmão!
*

 

Sacrifiquei, talvez, a minha vida

Lutando por um mundo bem mais justo,

Por um futuro livre e promissor
*
 

Mas fiz o que devia! Quem duvida

Que o sonho  pode ter um alto custo

Por apostar num mundo bem melhor?
*


 

Maria João Brito de Sousa

2010
***

Soneto reformulado

Na sequência de publicação de ontem, segue-se a representação do preso político de Oeiras - Forte Prisional de Caxias.
Aquilo que iniciei com o Cientista, termina aqui com o Preso Político pois fiquei sem os originais dos outros vinte e oito sonetos quando o velho computador se apagou.

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