Maria João Brito de Sousa
Pormenor de Tela de Roberto Ferri, enviada para o meu endereço electrónico por
Pinterest
*
NO POEMA *
No poema as palavras é que mandam
Nas vias que percorrem a cantar
Às vezes fogem, voam para o mar
Correndo pela areia e por lá andam *
Como aves voejam e cirandam
Baixinho, sobre as ondas, pelo ar
Entoam melodias de encantar
E nessas belas árias nos demandam *
Palavras entoadas, sol poente
Teu regaço, maresia envolvente,
E os teus olhos amados em redor *
Cantigas lá ao longe, melopeia
Enredo a surfar como sereia
Palavras só palavras só de amor *
Custódio Montes
(Do seu livro "Em Maio") ***
PALAVRAS *
"Palavras só palavras só de amor"
Mas tantas formas há de amor sublime
Que às vezes esse amor em dor se exprime
Se o mundo grita e sangra em seu redor *
E pode lá haver amor maior
Do que o que nos perdoa e nos redime
Pois nem uma palavra nos suprime
Quando nos rebelamos contra a dor? *
Palavras revoltadas que explodindo
Fazem por acordar quem está dormindo
E dar ouvido ao surdo e vista ao cego, *
Que fazem eco sem mostrarem medo
De exporem a crueza e o degredo...
Palavras? Mesmo amargas, nunca as nego! *
Mª João Brito de Sousa
30.12.2023 - 20.00h ***
publicado às 11:35
Maria João Brito de Sousa
Fotografia de Carlos Ricardo
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VIRTUALMENTE ALICE *
Há aspas, há arrobas, asteriscos
E signos ou sinais que desafiam
Os anjos ideados que os recriam
E que já me fizeram correr riscos... *
Há coisas de estranheza desmedida
Como a "condicional das verticais",
Ou outras que parecem ser reais
Mas que não são sequer formas de vida... *
Há sons que me parecem ser ideias
Com/fusas, semi-fusas e colcheias
A saltitar na pauta semi-breve *
Da Alice no País-dos-Pesadelos
Que trinca, alegremente, os cogumelos
E vai mexendo em tudo o que não deve. *
Mª João Brito de Sousa
Setembro, 2008 ***
publicado às 15:40
Maria João Brito de Sousa
Pormenor de mural de Diego Rivera
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FOME(S) II *
Se tens fome do pão que ao rico sobra,
A força da razão está do teu lado
Quando acusas traído o resultado
De tudo o que é produto de mão de obra *
E se, do que criaste, outrem te cobra
O fruto inteiro ou o maior bocado
E a ti te deixa pobre e esfomeado
Certo de que te cala e que te dobra *
Mal sabe que te entrega a força toda,
Que essa força em ti cresce e se denoda
Para acender-se em chama renovada *
Porquanto se agiganta, alastra em roda,
Incendeia-se toda e mais te açoda
Quando do que estuou lhe sobra um nada. *
Mª João Brito de Sousa
In A CEIA DO POETA
Inédito
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publicado às 11:52
Maria João Brito de Sousa
Aqui
publicado às 22:24
Maria João Brito de Sousa
Tela de Georges Rouault
1871/1958 *
"LE MIROIR" *
O Tempo pintou-me o cabelo de branco,
No meu rosto franco, ravinas cavou
E, por onde vou, o meu passo vai manco,
Cada solavanco vos diz quem eu sou... *
Sentei-me. Bastou uma tábua de banco
Que alanca o que alanco pois não se quebrou
E tudo mudou ao mirar-me de flanco:
Quase tive um tranco, o meu Ego murchou, *
Tremeu, gaguejou e... num pulo sumiu,
Pisgou-se, fugiu! Para onde, não sei,
Mas considerei o pavor que sentiu *
Ao ver o que viu quando pra ele olhei...
A mim me culpei porque, cheia de frio,
Em vez de no rio... num "miroir" me mirei! *
Mª João Brito de Sousa
25.12.2023 - 15.00h ***
publicado às 21:18
Maria João Brito de Sousa
Fotografia de Carlos Ricardo
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O NATAL
DAS COISAS
QUE AINDA NÃO MUDARAM *
Parece-me impensável não escutar
O eterno pinheirinho que nos diz
Que não é de bom tom não estar feliz
Apesar do pesar que nos pesar... *
Assim se vai sorrindo pr`agradar,
Se come o bolo-rei, se pede bis,
E se celebra o dia de um petiz
Que veio ao mundo para nos salvar... *
Isto, de tão humano, em nós se entranha
E, temporariamente, inunda as mentes:
Abraçam-se o amigo e a gente estranha *
Mas quem está na miséria e mal se amanha,
Quem já perdeu o tecto, a cama, os dentes...,
Esse inda estende a mão ao que o desdenha. *
Mª João Brito de Sousa
25.12.2023 - 18.00h ***
publicado às 19:31
Maria João Brito de Sousa
É por dentro de mim que chego a Deus,
É por dentro de mim, eu sei-o bem,
Que todos os natais vou pelos céus
Visitar o Menino de Belém
*
Nunca o disse a ninguém, pois há segredos
Que devemos guardar dentro de nós
E há sempre quem duvide, ou tenha medo,
De uma mulher com asas de albatroz,
*
Mas da estranha viagem, que só faço
Se a estrela de Belém me dá boleia,
Fica o registo do divino traço:
*
Nascem raios de luz no meu regaço
E há anjos a cantar a noite inteira
Ao menino que dorme nos meus braços.
*
Maria João Brito de Sousa
Ao meu menino que partiu à nascença.
A todas as mães dos meninos palestinianos dedico, neste Natal sangrento de 2023, este último terceto, modificado de forma a reflectir a presente realidade:
*
Voam balas e mísseis pelo espaço
E oiço mães a chorar a noite inteira
Os seus filhos desfeitos em pedaços.
*
publicado às 20:50
Maria João Brito de Sousa
110x85cm
PRESÉPIO
*
É por dentro de mim que chego a Deus,
É por dentro de mim, eu sei-o bem,
Que todos os natais vou pelos céus
Visitar o Menino de Belém.
Nunca o disse a ninguém, pois há segredos
Que devemos guardar dentro de nós
E há sempre quem duvide, ou tenha medo,
De uma mulher com asas de albatroz,
Mas da estranha viagem, que só faço
Se a estrela de Belém me der boleia,
Fica o registo, do divino traço:
Nascem raios de luz no meu regaço
E há anjos a cantar a noite inteira
Ao menino que dorme nos meus braços.
*
Maria João Brito de Sousa - 20.01.2008
publicado às 14:57
Maria João Brito de Sousa
FELIZ NATAL E PRÓSPERO ANO NOVO
*
Feliz Natal seja para quem for
Conquanto haja trabalho e tecto e pão,
Que sempre a nossa humana condição
Pediu trabalho e pão, pr`além de amor *
E, já agora, que não haja dor
No corpo em que nos pulsa o coração,
Nem medo que nos tolha, nem nevão
Que nos prive de um pouco de calor *
Sejam felizes, que, apesar de tudo,
O mundo ainda gira e não está mudo
Por muito que confuso ande este povo *
E ainda que de forma desigual
Se distribuam pão e capital,
Feliz Natal e Próspero Ano Novo! *
Maria João Brito de Sousa
***
publicado às 16:53
Maria João Brito de Sousa
Fotografia (de minha autoria) da capa do livro que Natália Correia
escreveu sobre a vida e a obra do meu avô poeta
*
UM DIA DESTES *
Um dia destes hei-de ir ter contigo
- Não sei pra onde foste mas... que importa? -
E hei-de perguntar-te "meu amigo,
És tu ou serei eu que já estou morta?" *
Ficar sem ti foi para mim castigo,
Foi golpe de punhal que fere e corta
Esta tenacidade em que me abrigo
Como se em cela sem janela ou porta... *
Um dia destes - disso estou segura! -
Também eu deixarei de andar por cá
E cessará, pra mim, esta procura *
Não mais versejarei ao deus-dará
Como quem lambe a chaga que é sem cura
Sabendo que jamais a curará... *
Mª João Brito de Sousa
22.12.2023 - 00.50h ***
publicado às 20:51
Maria João Brito de Sousa
Fotografia (fracção) de Bartolomeu Rodrigues
cedida por Luís R. Rodrigues
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ARQUEIRO *
Quem versos semeia e sonetos colhe
Porque assim o escolhe... nada mais receia!
Nunca se refreia, nenhum medo o tolhe,
Nem que a chuva o molhe, nem que venha a cheia *
E, nela, a sereia que este Tejo acolhe,
Pra que se desfolhe toda em grãos de areia...
Se é bela ou se é feia, di-lo-á quem olhe,
Que o Mar que a recolhe já por ela anseia *
E o que é mera ideia de humano poeta
Passa a ser a meta de um poema inteiro
No mar de um tinteiro sob a pena erecta *
Que vai, letra a letra, dar cor, corpo e cheiro
Ao que é corriqueiro se ele o não completa:
Faz do verbo a seta e, a si, faz-se arqueiro! *
Mª João Brito de Sousa
21.12.2023 - 15.00h ***
publicado às 20:37
Maria João Brito de Sousa
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ESPANTO
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Meu espanto, como bicho degolado,
É este quase-nada, este destroço,
Que embora reduzido a pele e osso
Faz frente a quem o tenha encurralado *
É este não temer ser confrontado
Com força natural, fera ou colosso,
Que nega a frustração do “mais não posso!”
E muda, à dura sorte, o resultado *
O espanto mora em mim, comigo vive,
Mas pode exacerbar-se onde eu não estive
Se as asas dum poema o transportarem *
Porque traz quanta força eu jamais tive
Se enfrenta humilhação que o esgote ou prive
Da voz que os sonhos meus lhe não negarem. *
Maria João Brito de Sousa
30.10.2013 ***
publicado às 23:39