Maria João Brito de Sousa
QUE DESALENTO…
(DURA REALIDADE) *
Em ruelas estreitas vão caindo:
Casas muito velhinhas sem ninguém
Como o tempo as matou, tudo fugindo
Veem-se uns velhos sós aqui e além *
Nessas casas de pedra sem telhado
As portas e janelas já sumiram
Também já pouco resta do sobrado
Hoje apenas recordo os que me abriram *
Com um sorriso a porta sem receio
Of’recendo bom queijo e pão centeio
Mostrando a mais humilde das ternuras *
Com cuidado subi desfeita escada
As silvas a tornaram enfeitada
Onde subiram tantas almas puras. *
ARIEH NATSAC
(Vitor Castanheira)
***
SORTILÉGIO *
"Onde subiram tantas almas puras"
Voltarão a subir, se puras forem,
Outras almas forjadas nas agruras,
Caso as lembranças nelas se demorem *
E se o dia chegar em que as lonjuras
Dos anos que passaram as devorem,
Sobrarão as memórias que descuras
Pra consolar as almas qu`inda chorem... *
Brotarão novas plantas das ranhuras
Pra que as velhas escadas se decorem
De aromas e de seiva e de verduras *
Que, na renovação, se comemorem
Com chaves a rodar em fechaduras
Surgidas do que as musas nos implorem. *
Mª João Brito de Sousa
08.09.2023 - 00.30h ***
publicado às 10:33
Maria João Brito de Sousa
ESCREVESSE EU SONETOS GAGOS... *
Coroa de Sonetilhos *
Maria João Brito de Sousa e Helena Teresa Ruas Reis ***
1. * Escrevesse eu sonetos gagos,
Ou mal falados, ou mudos...
Sonetos machos, barbudos,
Mas tão ternos quanto afagos *
Que, em tocando, fazem estragos
Nos corações mais sisudos...
Mas não, os meus são veludos
Já pelo tempo esgaçados... *
Cantasse eu versos que mordem
Como quem com fome beija,
Soubesse eu criar desordem, *
Drama, ciúmes, inveja...
Acordes meus, não me acordem,
Se nenhum de vós gagueja! *
Maria João Brito de Sousa - 23.06.2021 - 13.06h *
Ao Fernando Ribeiro
*** 2. *
“Se nenhum de vós gagueja”,
Coisa de somenos vista,
Já eu roo-me de inveja
Porque a gaguez é de artista. *
Curioso, que ao cantar
Sai-nos tudo de uma vez…
E melhor do que a rimar,
Que aí é que é ver “gaguez”! *
Embalada em melodia
Pensáveis que eu escrevia
Mas, afinal, só cantava. *
Porque se eu ga - gaguejasse
Haveria quem não esp’rasse
Para ler esta estopada! *
Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021 ***
3. *
"Para ler esta estopada(!)"
Garanto que pagaria
E até ga-gaguejaria
Não sendo gaga nem nada, *
Só pra marcar a toada
Da rima que se recria
Dia e noite ou noite e dia,
Conforme a hora marcada *
Se isto soa a pleonasmo,
Ou talvez contradição,
Não me liguem! Eu só pasmo *
Que, com tanta produção,
Inda não sentisse um espasmo
Dos fatais... no coração. *
Maria João Brito de Sousa - 27.06.2021 - 17.45h *** 4. *
“Dos fatais... no coração”
É lá coisa que se diga!
Acaba-se a produção,
Fica fome na barriga. *
Se soa a comparação,
É que o lanche já marchava
Mas a tal de inspiração
Chovia se Deus a dava… *
Mas vou-me já à cozinha
Perdoem-me os vates todos
Se não se acharem cómodos. *
Cenoura, courgette em linha,
Coentros, alguma aguinha,
O meu jantar é sopinha! *
Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021 ***
5. *
"O meu jantar é sopinha"
Que não "marcha" antes das dez,
Já que almocei - outra vez... -
Bem tarde, quase à noitinha *
E isto de jantar sozinha
Tem vantagens, traz mercês,
Porquanto, às duas por três,
Viro costas à cozinha *
E sem razões nem porquês
Vou treinando esta gaguez
Que, por ora, está fraquinha, *
Mas, bem treinada, talvez
Ganhe aquela solidez
Que, creio, já se avizinha... *
Maria João Brito de Sousa - 27.06.2021- 19.30h ***
6. *
“Que creio já se avizinha”
Pelo cheiro que aqui sinto…
E podem crer que não minto,
Que a sopa se acha prontinha. *
Não sofro já de gaguez
E fome não passo eu já.
Sem comer fico “gagá”
E então gaguejo outra vez! *
Não queremos ficar fracas
Como velhas matriarcas
Num encontro obsoleto. *
Nem que use como muletas
Esta sopita de letras,
Sonetilho e não soneto.
*
Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021 ***
7. *
"Sonetilho e não soneto"
Se chama a esta estrutura,
Mais curtita na largura
Mas igualmente completo. *
Será do soneto neto
Mas mantém-se à sua altura;
Belo como uma escultura,
De muitos será dilecto *
E mantém toda a lisura
Do avô cuja postura
Vai imitando, discreto. *
Não gagueja, nem descura
Ser um marco prá Cultura
E, para o poeta, um repto! *
Maria João Brito de Sousa - 27.06.2021 - 21.30h ***
8. *
"E para o poeta, um repto",
Provocação, desafio
Que só provoca arrepio
De usá-lo como um inepto. *
Ancestralmente falando
Não sei onde fui buscar
Tal forma de versejar
Que ando para aqui usando. *
Enfim, ao correr da pena
Vem-me à tona outro tema:
A poesia multiforme. *
Se eu gaguejasse em poesia
Nem sei que graça acharia
Essa Musa que não dorme...
*
Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021 ***
9. *
"Essa Musa que não dorme"
E que nunca foi "gágá"
Pode achar graça - eu sei lá...-
A quem gagueje ou performe *
Verso gago que transforme
Uma graçola em maná...
Ou essa gaguez será
Coisa que muito a transtorne? *
Só nos resta exp`rimentar
E se a Musa se irritar,
Assobiamos pró lado; *
Eu nem sequer ga-gaguejo...
Foi talvez um bo-bocejo
De um verso mais ensonado *
Maria João Brito de Sousa - 28.06.2021 - 11.25h ***
10. *
“De um verso mais ensonado”
Fica a “gaguez” de um bocejo
Que sem pedir ou ter pejo
Surge, sem ser desejado. *
Mas se vem à revelia,
Verdade é que se finou…
Pois depois que descansou
Acordou em novo dia. *
Se a Musa se transtornar,
Depressa a vamos lembrar
Que dormir é bom remédio *
Pois, ficar a bocejar
É pior que gaguejar:
Dá-te sono e dá-te tédio. *
Helena Teresa Ruas Reis - 28/06/2021 ***
11. *
"Dá-te sono e dá-te tédio"
Ta-ta-tanto bocejar
E Morfeu, sempre a rondar,
Faz-me pensar em assédio... *
Contudo, neste meu prédio,
Toda a gente é de fiar...
Morfeu que se vá lixar;
Está na hora do remédio! *
Engulo duas pastilhas
Mais rijas do que cavilhas
Que "empurro" c`um copo d`água *
E, do almoço esquecida,
Ve-versejo embevecida;
Vem o verso e vai-se a mágoa! *
Maria João Brito de Sousa - 28.06.2021 - 14.36h ***
12 *
“Vem o verso e vai-se a mágoa”,
Que se lixem gargarejos,
P’ra eles os meus bocejos
Ferventes na pouca água! *
Ora, não querem lá ver?!
Se eu tiver dor de cabeça
Não será porque mereça
Mas porque estou a ferver... *
Pastilhas eu não engulo…
Podem colar-se ao casulo
Da minha pobre garganta. *
Porém, se for necessário,
Deixo aqui um corolário
Que ajude a pintar a “manta”
Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021 ***
13. *
"Que ajude a pintar a manta"
Com cor que seja bem viva
Pois, se é viva, a cor cativa
Quem pela manta se encanta *
E se acaso essa cor espanta
Por ser muito apelativa,
Ga-ga-gagueja a comitiva
Que, ao olhá-la, se ataranta; *
- Mas que pre-preciosidade!
Nada vi que mais me agrade!
Que manta tão-tão-tão bela! *
Se não a confeccionou,
Di-di-diga onde a comprou,
Quanto pa-pagou por ela? *
Maria João Brito de Sousa - 28.06.2021 - 17.42h ***
14. *
“Quanto pa… pagou por ela?”
Paguei por ela… eu sei lá
Se aquilo que valerá
Faz jus a coisa tão bela! *
Eu até fico amarela
Por estar quase a gaguejar
Que p’ra manta apregoar
Até me falha a goela… *
Tem colorido a preceito!
A nossa manta tem jeito
‘Inda que feita aos bocados. *
Quem quiser igual assim
Aprenda porque aqui vim:
“Escrevesse eu sonetos gagos”! *
Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021 ***
NOTA - Tema inspirado no "Fado Mal Falado" de Hermínia Silva e no "Fado Gago" de Sérgio Godinho *
RESERVADOS OS DIREITOS DE AUTOR
publicado às 12:51
Maria João Brito de Sousa
MARÉS VIVAS
ou
"POR MARES NUNCA DANTES NAVEGADOS" *
Estava tão perto o mar e o nevoeiro
Tão espesso quanto um muro de cimento
Turbava-lhe a visão desse veleiro
Que, ligeiro, avançava contra o vento *
Do mar sentia tão somente o cheiro
Que, do resto, tão só pressentimento
De velho e exp`rimentado marinheiro
Que de cor sabe as manhas deste tempo... *
À Barca, quem a vê, quem a adivinha,
Se ela contra as marés ruma sozinha
E se, em silêncio, vai seguindo em frente? *
Avança a dois milénios por segundo
Sem temer adernar, sem ir ao fundo,
Admirável, talvez... mas imprudente. *
Mª João Brito de Sousa
06.09.2023 - 15.00h ***
publicado às 15:07
Maria João Brito de Sousa
GLOSANDO JOAQUIM SUSTELO
Mote:
«Há sempre qualquer coisa por dizer
Que fica entre a presença e a saudade
Adentra no suave entardecer
E vai-se, como vai a claridade.» *
Joaquim Sustelo * Do soneto: “Há Sempre Algo”
in "Palavras por Dizer" *
Glosa *
LAPSO DE COMUNICAÇÃO *
"Há sempre qualquer coisa por dizer",
Qualquer coisa que escapa, que se evade,
Mas que, depois, recobra a densidade
De um não-sei-quê que ousou nunca nascer, *
"Que fica entre a presença e a saudade",
Como se em ambas fosse esse acender
- ou, de ambas, quanto falte para o ser... -
Da luz, na mais perfeita intensidade *
"Adentra no suave entardecer",
Intriga-nos se, mesmo ao decrescer,
Nos nega a sensação de saciedade *
"E vai-se, como vai a claridade",
Quando, por fim, começa a esmorecer
Sem se apagar, por não saber morrer. *
Maria João Brito de Sousa
03.09.2016 - 20.05h ***
publicado às 10:34
Maria João Brito de Sousa
Tela de autor desconhecido, retirada daqui
O SONETO E EU *
Desde a mais tenra idade o conheci,
Que meu avô paterno era escritor
E os tecia, ainda com fervor,
No tempo já distante em que nasci. *
Por tão bem conhecê-lo é que temi
Sua complexidade e seu rigor:
Chamavam-me poeta mas, valor,
Nunca encontrei no tanto que escrevi... *
Só aos cinquenta e cinco me atrevi
A dedilhar-lhe o verso e a compor
Um soneto qualquer, que já esqueci *
Não sei se era melhor, se era pior,
Do que este que vos deixo agora, aqui,
Mas teci cada verso em fios de amor. *
Maria João Brito de Sousa
13.07.2018- 17.19h ***
publicado às 13:57
Maria João Brito de Sousa
GLOSANDO ROSA REDONDO *
SETEMBRO *
Em Setembro, os tons ocres da folhagem,
São prenúncio da mudança de estação,
As férias são agora, uma miragem
É tempo de dizer adeus ao Verão *
O Outono já se faz anunciar
Já mostra o arvoredo de outra cor
Folhas mortas rodopiam pelo ar,
A brisa, é mais fresca…sem calor. *
Em Setembro, já não vejo as andorinhas,
As cigarras já deixaram de cantar!
É tempo da labuta lá nas vinhas,
Novo ciclo de trabalho, a começar. *
Os dias já em fase decrescente,
No Céu pairam as nuvens de algodão,
Olhei agora o Sol, lá no poente
Pedi-lhe que ilumine esta Nação. *
4 de Setembro 2015
Rosa Redondo ***
UMA ESTRANHA VONTADE DE VOAR *
"Em Setembro os tons ocres da folhagem",
São de uma tal beleza que me esqueço
Do gélido prenúncio desta aragem
Que me magoa e tolhe, em que arrefeço... *
"O Outono já se faz anunciar"
E eu rendo-me à beleza da paisagem:
Se aceito a perspectiva de gelar
Aceito-a sem remédio... e sem coragem. *
"Em Setembro não vejo as andorinhas",
Mas a minha palmeira - a que resiste... -
Vai abrigando as outras avezinhas:
Olho-a de frente e esqueço que estou triste. *
"Os dias, já em fase decrescente"
Vêm lembrar-me as contas a aumentar
E em mim, que não sou ave e estou doente,
Nasce uma estranha urgência de voar. *
Maria João Brito de Sousa
20.08.2016 - 15.08h ***
publicado às 14:40
Maria João Brito de Sousa
Por aqui , se faz favor
publicado às 13:34
Maria João Brito de Sousa
Aqui , por favor
ou
no José da xã , se quiser desgarrar ou ler a nossa desgarrada de quadras populares
publicado às 11:22