Maria João Brito de Sousa
SONETO À "CHEF" *
(Sem jaleca, nem estrelinhas) *
Coroa de Sonetos *
Mª João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues *
1. *
Sim, já usei palas, uma em cada olho,
Mas uma jaleca com direito a estrela,
Nunca usei nenhuma, nunca pude tê-la
Por não saber como... bringir um repolho! *
Não tendo jaleca, estrelinhas não colho
Nem mesmo as que observo da minha janela;
Sou tão só poeta, escrevo à luz da vela,
Mal vou distinguindo espargos de restolho... *
Quem me faz um prato com este soneto
Sem peixe, sem carne, nem sabor concreto?
E acabo eu de ouvir que de um bom cozinhado *
Um "Chef" estrelado faria um poema...*
Que o faça, que eu provo! Salgou-lhe um fonema?
Faltou-lhe a mestria de um vate inspirado! *
Mª João Brito de Sousa
27.02.2022 - 12.00h=
*
* Chef Óscar Geadas na finalíssima do programa MasterChef Portugal *** 2. *
"Falta-lhe a mestria de um vate inspirado"
que tenha no corpo a grande lição
que o cheiro e o gosto, depois de provado
não gosta de expor sua rendição. *
O "chefe" ou a "chefe" das coisas visíveis
esconde para nós a ponta do véu:
somos atraídos por ecos plausíveis
que brotam perfumes que a terra nos deu. *
Mas nada é verdade. Verdade que importa?
Todos pretendemos não ser "cepa torta"
traduzindo o eco de gritos potentes... *
Talvez esteja longe! Mas cá, entre nós,
espero que haja gente que, ao usar a voz,
traduza razões que sejam diferentes. *
Laurinda Rodrigues
27.02.2022 ***
3. *
"Traduza razões que sejam diferentes"
Bringidas, seladas ou talvez cozidas
Já que pouco entendo de águas "reduzidas"
E algas polvilhadas de ocres reluzentes... *
Mas que são bonitas e muito atraentes
As tais obras-primas por lá concebidas,
Disso não duvido porque as vi servidas
Quer estivessem frias, quer estivessem quentes! *
Eu que mal cozinho, vou fazê-lo agora,
Mas "Chefa" não sou, sou só "comedora"
E um arroz me basta se uma costeleta *
Bem ou mal passada puder pôr no prato,
Que a barriga sinto roída por rato,
No que toca a pratos, pouco ou nada esteta... *
Mª João Brito de Sousa
27.02.2022 - 14.00h
*** 4. *
"No que toca a pratos, pouco ou nada esteta"
mas será artista na decoração
da mesa e da louça que são sua meta
trazida do tempo de infância e paixão. *
Lembranças colhidas de sabores eternos
sentados à volta, com cheiro a lareira.
Não existem guerras nem esses infernos
de quem não tem pão, nem eira nem beira. *
Histórias mal contadas. Doces reprimendas
que, agora, esquecidas, sabem a merendas
de doces com gestos apaziguadores... *
Nem sequer importa quem foi cozinheira
porque, na alegria, tu foste a primeira
devorando, ansiosa, todos os odores. *
Laurinda Rodrigues *** 5. *
"Devorando, ansiosa, todos os odores"
Vêm-me à memória belas rabanadas,
Açordinhas d`alho, filhós, encharcadas...
E a essas memórias juntam-se os sabores *
De antigas compotas, de velhos licores,
Das mil iguarias bem confeccionadas
Pela avó Maria ou pelas empregadas
Das casas maternas, meus grandes amores... *
Três foram as casas em que fui crescendo;
Todas me prenderam, todas fui prendendo
E sou hoje um bairro de três casas só *
Porque a quarta casa é a que hoje abriga
O corpo que envergo e o da minha amiga,
A Musa incansável, coberta de pó... *
Mª João Brito de Sousa
27.02.2022 - 19.40h
***
6. *
"A musa incansável, coberta de pó"
não tem a mania das arrumações
e a cama onde deita para fazer "óó"
é feita de sonhos, crenças, ilusões. *
Não pede que a dona faça concessões
p'ra que chegue urgente sentada em trenó
como o Pai Natal ou como Papões
que na noite gemem como o som da mó. *
Ah que sinfonia de gostos infindos
quebrados, esgotados, mas ainda lindos
que, atrás de uma porta, poetas aguardam... *
E, sempre com medo das reais maldades,
compõem os versos que trazem saudades
de um tempo vivido que mágoas não guardam. *
Laurinda Rodrigues ***
7. *
"De um tempo vivido que mágoas não guardam"
Apuram-se as sopas de espinafre ou grão;
Para essas guardo a vara de condão
Cujos bons efeitos decerto não tardam... *
Sobre o leite creme sempre convém que ardam,
Que flamejem chamas como se um dragão
Lançasse o seu sopro com mais devoção
Do que os mais que o comem, do que os mais que enfardam *
E, agora, as memórias voltam prá panela
Com açúcar, leite e um pau de canela
A que junto lima para obter frescura *
As gemas batidas e homogeneizadas
Serão, na mistura, bem incorporadas
Mal este soneto levante fervura... *
Mª João Brito de Sousa
27.02.2022 - 21.30h ***
8. *
"Mal este soneto levante fervura"
entornando o caldo tão açucarado
vais lamber a espuma, curando a secura
da espera de um beijo que saiba a pecado. *
Não é cozinhado que o desejo cura
por muito que seja bem condimentado:
a fome de amor, que a ânsia tortura,
em nada se mata se não for saciado. *
Transmuta-se a carne. O instinto sobra.
Comendo a maçã que te deu a cobra
ficarás p'ra sempre envolta em pecado. *
E mesmo que escrevas ao tal cozinheiro
os teus belos versos num estilo certeiro
não vai ser a ele que entregas teu fado. *
Laurinda Rodrigues ***
9. * " Não vai ser a ele que entregas teu fado"
E eu logo respondo que tudo o que entrego
É esta amizade que sinto e não nego
Por negar saber o que é o tal... "pecado" *
E a menos que esteja muito perturbado
Ou surdo dos olhos, ou de ouvido cego,
A ti te o devolvo e em ti o delego;
Errou na morada, chegou atrasado! *
Julgas que eu poeto para um cozinheiro
Só porque um soneto me nasceu matreiro
De uma frase ouvida? Devo-te dizer *
Que estás enganada, nada disso eu quis,
Por pura ironia fiz o que aqui fiz;
Escrevo até pra cactos, se tal me aprouver... *
Mª João Brito de Sousa
27.02.2022- 23.13h
*
10. *
"Escrevo até para cactos, se tal me aprouver!"
Mas toma cuidado porque catos picam
e sendo, como és, a Grande Mulher
não gosto de ver que dores te salpicam. *
Assim, é melhor os versos escrever
ao tal cozinheiro (que os petiscos bicam!)
e esperar que ele os venha comer
com sal e pimenta, que tão belos ficam! *
Mas fico espantada que sejas capaz
de compor sonetos que nos tragam paz
depois de teres sido vítima da gula... *
Presumo que a Musa já dorme contigo
debaixo da cama, sentada ao postigo,
enquanto teus versos sua boca oscula. *
Laurinda Rodrigues *** 11. *
"Enquanto teus versos sua boca oscula"
Ou beija os tais cactos que nunca a picaram;
Ambos têm espinhos que picam, mas saram,
Que a mãe natureza tudo isso regula *
Enquanto o planeta circula e circula,
Meus olhos há horas que se descerraram
E o Sol já vai alto nos céus que azularam
Sem seguirem ordens, nem lerem a bula *
Na paz dos meus versos dormi, com efeito;
Vestido o pijama fiquei a preceito
Pra mais uma noite de sono profundo *
Não fosse o alarme tocar tantas vezes,
Teria dormido talvez uns bons meses
Alheia às desgraças que grassam no mundo... *
Mª João Brito de Sousa
28.02.2022 - 10.20h
***
12. *
"Alheia às desgraças que grassam no mundo"
mas nunca indiferente no fundo do Ser
que só a aparência de um medo profundo
rasgou as entranhas p'ra nunca morrer. *
Se tocam os sinos p'la paz neste mundo
que estranha soada vai acontecer?
Talvez seja o grito desse ódio imundo
perdido no espaço... Iremos viver? *
Entre cozinhados, com Chefes ou não
Poetas temperados com sonho a carvão
chegamos à meta, quase esmorecidas... *
Tu cantas vitória e eu não canto, não!
porque esta memória cravou-me no chão
das várias memórias já acontecidas. *
Laurinda Rodrigues ***
13. *
" Das várias memórias já acontecidas"
Quem te diz que eu rio e que canto vitória,
Se nunca me esqueço das chagas que a História
Nos mostra - se a lermos - que são cometidas? *
Minha Luta é outra! Estas, fratricidas,
Funestas, horrendas, trazem-me à memória
Prenúncios de morte; nem honra, nem glória,
Que essas são "fachadas", que essas são fingidas! *
Deixo os cozinhados de requinte extremo
E evoco o Nautilus do Capitão Nemo
Transmutado, agora, num` arma nuclear... *
Perco o apetite só de imaginá-lo!
Não cozo as batas, nem grelho o robalo,
Tenho é de esforçar-me pra não vomitar! *
Mª João Brito de Sousa
28.02.2022 - 11.55h *** 14. *
"Tenho é de esforçar-me para não vomitar"
quando olho e ouço notícias atrozes
onde o inconsciente está a governar
fazendo verter impulsos ferozes. *
Já não acredito que apenas são vozes
a espalhar o medo sem o praticar...
Começamos bem com Chefes e nozes
que isto de comer prefiro a matar. *
Afinal sabias que a poesia serve
para divertir, mas que também ferve
p´ra temperar a vida como fosse molho... *
E armadas em Chefe, jaleca despida,
perguntas se um dia já fui corrompida:
"Sim, já usei palas, uma em cada olho." *
Laurinda Rodrigues ***
Reservados os direitos de autor
publicado às 10:13
Maria João Brito de Sousa
JURANDO DE NÃO MAIS EM OUTRA VER-ME *
Como quando do mar tempestuoso
O marinheiro todo trabalhado,
De um naufrágio cruel saindo a nado,
Só de ouvir falar nele está medroso; *
Firme, jura que o vê-lo bonançoso
Do seu lar o não tire sossegado;
Mas esquecido já do horror passado,
Dele a fiar se torna cobiçoso; *
Assi, Senhora, eu que da tormenta
De vossa vista fujo, por salvar-me,
Jurando de não mais em outra ver-me; *
Com alma que de vós nunca se ausenta,
Me torno, por cobiça de ganhar-me,
Onde estive tão perto de perder-me. *
Luiz Vaz de Camões
In "Sonetos" ***
BRAVATA(S) *
"Como quando do mar tempestuoso"
Que engole inteiro o velho galeão,
Emerge o grande vate e traz na mão
Quanto lhe fora em vida mais precioso, *
"Firme, jura que vê-lo bonançoso"
Chegar às mãos de D. Sebastião,
Lhe justificará toda a aflição
Da luta contra um mar fero e rochoso *
"Assi, Senhora, eu que da tormenta"
Medo não tendo, vibro de ousadia,
O mesmo irado mar enfrentaria *
"Com alma que de vós nunca se ausenta";
Que tempestade, a mim, me afogaria,
Se em vós respiro, etérea, a Poesia? *
Maria João Brito de Sousa
17.09.2016 - 21.11h ***
publicado às 11:38
Maria João Brito de Sousa
A CHUVA * A chuva quando cai tem a beleza
Das lágrimas que correm por amor;
É choro, é emoção da Natureza,
Das nuvens, suas taças de licor *
Há sonhos que nos traz quando se ouve Seu som lá no telhado ou na vidraça;
Beleza há na toada que se louve
Qual música que toca e nos enlaça *
Não há nenhum poema que descreva
As gotas numa pétala de flor; E cada, é uma lágrima que leva
À terra, quando cai, o seu amor *
A alma se embebeda, se extasia
Ao ver chover nos campos... no caminho...
Embriaguês que chega por magia
Como se em vez de água fosse vinho *
A chuva... obra do Céu, da Natureza,
Tem música nas gotas, uma a uma...
Balada que nos dá nessa beleza Dum dia que nos surge em tons de bruma. *
Joaquim Sustelo * In CAMINHOS DA VIDA ***
A CHUVA, SEGUNDO UMA ESTEVA-DAS-AREIAS *
"A chuva quando cai tem a beleza"
Da bênção que sacia e mata a sede
À terra sequiosa e sem certeza
Que em verdes refloresce, se a recebe *
"Há sonhos que nos traz quando se ouve"
Ressoar pelos pastos e quintais
Onde rebenta a flor, nasce uma couve
E despontam sorrindo os cereais *
"Não há nenhum poema que descreva"
A alegria da terra ao ser beijada
Por essas gotas de água e a própria esteva
Melhor vo-lo diria. Eu, não sei nada... *
"A alma se embebeda, se extasia",
E eu, que nada sei senão supor,
Pressuponho o que a esteva vos diria,
Se soubesse escrever mais e melhor; *
- "A chuva... obra do céu, da natureza",
é também minha mãe pois deu-me a Vida..."
Tão só por estar saciada a esteva reza
E eu fico a contemplá-la embevecida. *
Maria João Brito de Sousa
16.09.2016 - 17.55h ***
publicado às 13:05
Maria João Brito de Sousa
PALAVRAS AO LUAR *
Vim! E trouxe comigo mar bravio
Que destrói esta praia que me deste
Ao ver-te, alga, arrastada por navio
Num trajecto sem rumo e tão agreste *
Há ondas que me afundam num vazio
Quando sinto, que nada, já fizeste
Que te afaste do mal negro e sombrio
Que assombra o teu caminho como peste *
Acalmo este meu mar, de ondas gigantes
Teço-me de faróis, só vigilantes
Porque pra nada mais sou soberana *
Perfumo as tuas noites, de luar
Pra que quando em teus braços se deitar
Leve a minha saudade, da semana *
Maria da Encarnação Alexandre
05/09/2016
(Ainda à minha mãe) ***
CONFISSÃO DE UMA ONDA *
"Vim! E trouxe comigo o mar bravio"
Desde o primeiro instante em que cheguei...
Depois, provei a fome e tive frio,
Mas não desdisse o mar, quando o provei! *
"Há ondas que me afundam num vazio"
E outras que me juram que voei,
Que fiz, de cada vácuo, um desafio,
Que, por perder-me, muito mais ganhei... *
"Acalmo este meu mar de ondas gigantes"
Na plenitude destes meus instantes
De breves, semi-breves e colcheias *
"Perfumo as tuas noites de luar",
Mas sou, mais do que tudo, onda de um mar
Que aspira a circular nas tuas veias! *
Maria João Brito de Sousa
06.09.2016 - 13.56h ***
publicado às 14:30
Maria João Brito de Sousa
Imagem retirada da Wikipédia
***
Por aqui , se faz favor
publicado às 17:21
Maria João Brito de Sousa
ADAGAS CUJAS JÓIAS VELHAS GALAS... *
Adagas cujas jóias velhas galas
Opalesci amar-me entre mãos raras,
E fluido a febres entre um lembrar de aras,
O convés sem ninguém cheio de malas... *
O íntimo silêncio das opalas
Conduz orientes até jóias caras,
E o meu anseio vai nas rotas claras
De um grande sonho cheio de ócio e salas... *
Passa o cortejo imperial, e ao longe
O povo só pelo cessar das lanças
Sabe que passa o seu tirano, e estruge *
Sua ovação, e erguem as crianças
Mas no teclado as tuas mãos pararam
E indefinidamente repousaram... *
Fernando Pessoa *
(Soneto retirado do site Pensador.uol.com.br) *
DESGASTES *
"Adagas cujas jóias velhas galas"
De um tempo requentado e bolorento,
Encastrando o metálico cinzento,
Dando-me a sensação de ver bengalas *
"O íntimo silêncio das opalas"
E alguma estranha graça a que acrescento
Tudo quanto me ocorra, enquanto tento,
Uma a uma, (re)tê-las, observá-las... *
"Passa o cortejo imperial, ao longe",
Evocando invasões, louros, matanças...
Toca, pra mim, com placidez de monge *
"Sua ovação, e erguem as crianças" ...
Já nada vejo além de adagas gastas;
Nem Édipos me turbam, nem Jocastas! *
Maria João Brito de Sousa
03.12.2016 - 12.57h ***
publicado às 23:48
Maria João Brito de Sousa
SOBE O PANO *
Onde se solta o estrangulado grito,
Humaniza-se a vida e sobe o pano.
Chegam aparições dóceis ao rito
Vindas do fosso mais fundo do humano. *
Ilumina-se a cena e é soberano,
No palco, o real oculto no conflito.
É tragédia? É comédia? É, por engano,
O sequestro de um deus num barro aflito? *
É o teatro: a magia que descobre
O rosto que a cara do homem cobre
E reflectidos no teu espelho - o actor - *
Os teus fantasmas levam-te pr`a onde
O tempo puro que te corresponde
Entre as horas ardidas está em flor. *
Natália Correia. ***
DESCE O PANO *
"Onde se solta o estrangulado grito"
Das algemadas mãos do desengano,
Redobra em esforço insano o ser convicto
Que actua, invicto, até que caia o pano. *
"Ilumina-se a cena e é soberano"
O esforço (des)humano. Eu acredito
Porquanto a fundo o fito, em"mano a mano",
Qual de nós mais tirano... ou mais constrito? *
"É o teatro: a magia que descobre"
O primeiro a esvair-se, o que se dobre,
Sobre esse seu reflexo - outro, afinal... - *
"Os teus fantasmas levam-te pra onde"
Nem mesmo o teu reflexo te responde...
Desce o pano. O fantasma era o real. *
Maria João Brito de Sousa
13.11.2016 -19.18h ***
publicado às 22:32
Maria João Brito de Sousa
SONETO PARA TODA A GENTE E NINGUÉM *
Quando eu me for, irmão que irás ficar
No mundo em que um abraço te engendrou,
Lembra-te desta que este mundo amou
Bem mais do que pudeste imaginar... *
Que te não faltem sonhos pra sonhar,
Nem dúvidas, que a dúvida bastou
Pra conduzir-me ao verso... e não parou
Se não para, entre versos, respirar. *
Que se te some a dúvida em procuras
Ainda que por estradas não seguras
Te conduzam as buscas que encetares *
E que nunca te travem amarguras
Pra que em chamas te acendas se às escuras
Perdido nessa busca te encontrares. *
Maria João Brito de Sousa
12.09.2020 - 12.24h ***
publicado às 23:39
Maria João Brito de Sousa
QUINZE VERSOS
DE PÉ SOBRE A ARENA *
Talvez tua assumida f`licidade
Dependa só de ti... mas tenho pena
Que uma felicidade tão pequena
Te baste enquanto houver desigualdade *
E a tantos for faltando a saciedade,
Ou tecto que lhes torne a vida amena...
Mas oiço ainda a tua voz serena,
Convicta de que diz toda a verdade, *
Até que paro o filme e se me evade
Um soneto magoado que me acena
Pedindo voz, clamando identidade... *
Se destes versos, nenhum te condena,
Aqui te deixo estoutra (ir)realidade;
Há quinze versos, de pé, sobre a arena *
Dos que não perdem, nunca, a dignidade! *
Mª João Brito de Sousa
11.09.2023 - 21.40h ***
(Soneto de Coda ou Estrambote)
Tela de Cândido Portinari
publicado às 10:56
Maria João Brito de Sousa
“M” de MULHER *
Mordaz, mordisco o M de mulher,
Magnânimo, magnético (i)mortal...
Mágico ou mitológico morder,
Mistério que (e)moldura o meu mural. *
Menos maltrato o M de morrer,
Magoado mártir (i)memorial:
Manto. Monotonia. Maldizer. Menarca. Maldição. Medieval. *
Mostra a mácula morna da manhã,
Monda a matéria mórbida, malsã,
Mísera miscelânea (i)memorável *
Ministra o ministério, molda mais,
Mantém modestas mãos materiais
Medindo, maternais, o (i)mensurável! *
Maria João Brito de Sousa
06.09.2018 – 17.22h *
Tela de Pablo Picasso
publicado às 13:58
Maria João Brito de Sousa
Pormenor do tecto da Capela Sistina - Michelangelo
*
"ESSE DUBIUM" *
Das palavras fazemos caravelas,
Navegamos no espaço das ideias,
Somos o germinar de panaceias,
Pedras filosofais, chamas de velas *
Cruzamo-nos em vidas paralelas,
Inventamos, no mar, mito e sereias,
Acendemos o sol noutras candeias,
Pintamos de outra cor as nossas telas *
Mas se somos os donos do futuro,
Se abrimos a janela ao amanhã
E se nada nos trava, nem nos prende, *
Por que razão será qu`inda procuro
Medir os prós e contras da maçã
Que a mesmíssima cobra hoje me estende? *
Maria João Brito de Sousa
27.02.2008 - 16.00h ***
In "Poeta Porque Deus Quer", Autores Editora, 2009 *
publicado às 13:37
Maria João Brito de Sousa
GATO DE TELHADO *
O Sol brilha em teus olhos doirados
Se, incontido, um rosnido acontece
Na conquista de urbanos telhados
Onde, à noite, o teu corpo adormece *
De veludo, em teu dorso eriçados,
Revelando a tensão que o estremece,
Há milhões de pequenos soldados
Preparando o que em garras se tece… *
Não há fome nem frio, não há sede
Que detenha essas garras brandidas
Na defesa de um espaço que é teu *
Mas se o estranho invasor to concede
E se afasta das telhas perdidas
Conquistaste na Terra o teu céu! *
Maria João Brito de Sousa
30.12.2012 – 18.09h ***
(Soneto em verso eneassilábico)
publicado às 12:50