Maria João Brito de Sousa
A todos os amigos e camaradas
Cheguei do HSC e estou viva, embora demasiado exausta para poder agradecer os vossos comentários.
Não sei se amanhã já me sentirei capaz de retomar as reedições mas prometo tentar.
Um grande abraço para todos vós!
publicado às 20:27
Maria João Brito de Sousa
Peça da autoria de Jorge Vieira
NOVE ANOS, POR AMOR, MOLDEI, ESCULPI... *
Nove anos, por amor, moldei, esculpi,
Mil formas dei ao barro da palavra:
Nove anos, sol a sol, servi, qual escrava,
A vontade do barro em que nasci *
Nove anos, por opção, não desisti
Dessa labuta que por mim clamava
E nove anos a fio sobrevivi
Dos parcos frutos que esse ofício dava... *
Por outros nove, ou mais, resistiria
Se esta vida tão só mos concedesse:
Mais nove vezes nove os moldaria *
No barro da palavra... se pudesse,
Pois quem do barro vive, em barro cria O que da mente emerge ou alvorece. *
Maria João Brito de Sousa
23.06.2016
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Peça da autoria de Jorge Vieira
publicado às 10:06
Maria João Brito de Sousa
POEMA À PRIMEIRA MULHER II *
Imaculada, afirmo o que não devo:
Preencho a escura cova do meu fim
Com quanta flor semeie num jardim
Quimérico, insondável e primevo… *
Ingénua, sem sonhar que me descrevo
À luz do que mais puro existe em mim,
Não fora o escuro abismo ser assim,
Profundo - tanto mais quão mais me elevo… - *
Talvez soubesse projectar-me toda
Nos sonhos que me orbitam numa roda
Que aspira à mais perfeita identidade *
Mas, finalmente, o germe do real
Corrompe a carne preservada em sal,
Desponta e vem-me impor toda a verdade. *
Maria João Brito de Sousa
20.06.2014 - 16.33h ***
NOTA – Soneto recriado a partir do soneto original “Poema à Primeira Mulher”
in Pequenas Utopias, Corpos Editora, 2012
Imagem- "As Três Idades do Homem", Hans Baldung Grien
publicado às 23:55
Maria João Brito de Sousa
DESLEIXO *
Soneto que me nasça por favor,
sem essa rebeldia indefinível
dos versos que se esculpem por amor
na sequência de urgência irreprimível *
Bem pode ostentar forma e ter rigor,
Porém não terá "garra", essa indizível,
que o tempera, o reforça, dá vigor
e é, no fundo, o que o torna irrepetível *
Mas que posso fazer contra a vontade,
transformada em rotina involuntária
que me exige um soneto? Aqui o deixo, *
Sabendo que ajo mal pois, na verdade,
por capricho tornei-me, a mim, contrária
e em vez de excelência urdi desleixo! *
Maria João Brito de Sousa
17.06.2010 – 09.26h ***
publicado às 10:01
Maria João Brito de Sousa
"Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinhos. Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!" Machado de Assis
* ATÉ QUE O SANGUE ESCORRA, VERMELHINHO *
Gosto de cactos verdes e espinhosos,
E até de rosas vaidosas e nobres...
Nos mundos ideais - sonho dos pobres! -
Finto sem medo maciços rochosos, *
Mostrengos gigantescos, tenebrosos,
- dos que não vergarão por mais que os dobres -
E a todos vou metendo em meus alfobres
Transmutados em nuvem, vaporosos... *
Aqui termino o breve devaneio
E assumo que há mostrengos que receio
Ou que as rosas me ferem se algum espinho *
Dos muitos que por vezes manuseio,
Na carne se me crava, mesmo em cheio,
Até que o sangue escorra, vermelhinho. *
Mª João Brito de Sousa 15.05.2022 - 15.50h ***
Soneto concebido para um desafio de temas no Horizontes da Poesia
publicado às 10:04
Maria João Brito de Sousa
Mulher em Molho de Luar - M.J.B.S., 1999
*
SONETO
À MINHA
"LOUCA, LOUCA, INSPIRAÇÃO" *
Venho tarde e más horas porque venho
de um momento lunar que desconheces
no despontar da teia em que te teces
há mais do que a noção que tens de antanho *
Se firo, como chaga ou corpo estranho
alheada do tanto que padeces,
é por puro desdém das gastas preces
que te confesso já, nego e desdenho! *
Matéria, anti-matéria… o que me importa
se, ao ser razão, de ti me quedo absorta
pr` assombrar-te depois, sem mais razão *
E sempre que me julgas muda ou morta
te invado ao arrombar a férrea porta
que usaste pra fechar-me o coração? *
Maria João Brito de Sousa
18.12.2012 - 02.47h ***
publicado às 10:32
Maria João Brito de Sousa
"Amor e Dor", Edvard Munch
AMOR E DOR
*
Trilogia
*
AMOR E DOR NAS FALDAS DO ARARATE *
Chegando ao Ararate, Amor e Dor,
Sentaram-se, cansados da jornada.
Olhando o Monte, a Dor ficou sanada
E, de contente, quis curar Amor: *
Repara, Amor, que eu estava bem pior
Antes de iniciar a caminhada,
Que olhei o Monte e foi-se-me a pontada
E sinto despontar força e vigor! *
Vem ver, para que o mal nunca te chegue,
Para que a praga, ao ver-te, se te negue,
E não possa haver peste que te mate! *
Ouviu-a, Amor. Olhou. Perdeu-se olhando.
Voltou sozinha a Dor, de dor chorando
Por se perder de Amor no Ararate. *
Maria João Brito de Sousa
10.05.2018 ***
AMOR E DOR II. *
Amor e Dor, brincando se entrechocam
E enredam-se num fio que acaba em nó...
Até então Amor vivera só
E Dor, lá nas lonjuras que se evocam. *
Moram juntos agora e, mal se tocam,
Sentem um pelo outro um mesmo dó:
Amor, que era imortal, desfaz-se em pó
E Dor sucumbe à dor que os nós provocam. *
Nesta paradoxal (des)união,
Sente Amor pela Dor tal compaixão,
Que cega, pra não vê-la sucumbir *
E Dor, que vendo Amor, o julga são,
Mais se enreda nos nós, mais sem perdão
Se obriga a não deixar Amor partir. *
Maria João Brito de Sousa
13.05.2018 ***
AMOR E DOR
Epílogo *
Pra rematar a saga, Amor consente
Tomar a Dor por esposa e companheira
E já que sendo ainda inexp`riente,
Não sabe o que é passar a vida inteira *
Lado a lado com Dor, que impenitente,
Inflige a Amor insónias e canseira:
Amor está cego e Dor, sendo inocente,
Não pode pressupor ter feito asneira *
Deu-se este enlace em tempos tão remotos
Que nem posso evocar que estranhos votos
Uniram para sempre este casal *
Mas garanto que afirmam ser felizes,
Que deram fruto, tiveram petizes
E se amam. Para o bem e para o mal! *
Maria João Brito de Sousa
14.05.2018 ***
In "... Até a Neve Chorará Num Dia Quente..."
Euedito, 2018 ***
publicado às 22:42
Maria João Brito de Sousa
A QUEM SOUBER OUVIR O (EN)CANTO DOS PARDAIS *
Aos mortos nos covais e aos que estão por vir,
Aos que estão a dormir, aos que nem dormem mais,
Aos troncos verticais dos cravos a florir
E a quem souber ouvir o (en)canto dos pardais, *
Aos rios nos seus caudais, aos montes por subir,
Às pedras por esculpir, aos mestres geniais,
Às infracções verbais, aos versos por escandir
E à morte que há-de vir porque somos mortais: *
O poema é uma aventura incerta e fascinante
Que ninguém nos garante, infinda descoberta,
Quase uma fresta aberta ao gesto vacilante *
Do que ainda hesitante ousar o que o liberta
Porque a fresta desperta o que o levara avante
Naquele exacto instante em que ele a dá por certa. *
Maria João Brito de Sousa
17.06.2020 - 12.31h ***
Em verso alexandrino com rima duplamente encadeada
publicado às 23:08
Maria João Brito de Sousa
"O Triunfo da Revolução", Diego Rivera
NÃO ME PEÇAS
PRA SER QUEM NÃO SOU *
Não me peças pra ser quem não sou,
Nem me colhas, de ramo enxertado,
Um só fruto dos frutos que dou
Sem que esteja polpudo e dourado *
Tão maduro do sol que o dourou
Que se of`reça aos teus lábios, ousado,
Sem pôr culpas na mão que o cortou,
Nem remorsos por tê-la tentado! *
Não me fales de medo! Não cedo
A caprichos e sedes tão poucas!
De outra sede fecunda procedo *
E se as sedes que trazes são loucas,
Também esta que cresce sem medo
Expressa a sede de muitas mais bocas. *
Maria João Brito de Sousa
23.04.2016 - 22.09h *
Soneto em verso eneassilábico ***
publicado às 13:29
Maria João Brito de Sousa
Gravura de Pieter Bruegel (o velho)
*
PENDE DO MEU ANZOL UM PEIXE VIRTUAL *
Amo o azul do mar, o verde da planura
E quanto da lonjura alcança o meu olhar:
Serei escrava de um lar que no mar se procura
Enquanto esta loucura assim me cativar *
E, sem me rebelar, nem franca, nem perjura,
Ainda que imatura aceito este invulgar
Destino de varar um mar que só me augura
Os ventos da ventura em que hei-de naufragar... *
Ao longe, pedra e cal, brilha um velho farol,
Branco como um lençol que foi tecido em sal
E se me saio mal porque um raio de sol *
Derrete e faz num fole esta rota ideal
Na colisão plural dos estros sem controle,
Pende, do meu anzol, um peixe virtual! *
Maria João Brito de Sousa
15.06.2020 - 16.09h *
Soneto em verso alexandrino com rima duplamente encadeada *
publicado às 15:42
Maria João Brito de Sousa
Fotografia de Nuno Fontinha
*
MAR REDENTOR *
Só o mar que do mar nunca volta
É do rio tanto cais quanto fonte
E na onda que em espanto se solta
Ergue um muro e também uma ponte *
De água azul e de espuma revolta
Entre mim e o longínquo horizonte,
Essa linha amovível que escolta
Cada além que ao meu sonho confronte *
Quando a onda nas rochas quebrando
Vem dizer-me que o mar ora é brando,
Ora em fúrias e raivas se exprime *
Digo a medo ou apenas segredo
Que deixei de ter medo do medo
E que o mar mesmo irado redime. *
Maria João Brito de Sousa
04.06.2021 - 09.40h * ** Soneto em verso eneassilábico
publicado às 09:53
Maria João Brito de Sousa
MARAVILHA
O meu conceito de... *
Porque a realidade maravilha
Se se nos abre em todo o seu esplendor,
E arrebata, porque em nós fervilha
O sangue ardente do pesquisador *
Que ao acender a luz que tanto brilha
Vai afastando a treva em seu redor,
Assumo-me inteirinha enquanto filha,
Não de quanto sonhei, mas do que for! *
Sempre que isso acontece e me arrebata
Dá-me, da maravilha, a forma exacta
E aponta-me o caminho da verdade *
Mas, se um segundo o esqueço, um lapso imenso
Conduz-me ao limbo róseo mas pretenso
De quem despreza a própria identidade *
Maria João Brito de Sousa
29.05.2018 – 10.41h ***
Soneto ligeiramente reformulado
publicado às 11:11