Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores.
...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
NUNCA (DES)ENCANTES UM SAPO! * Coroa de Sonetos * Mª João Brito de Sousa e Custódio Montes * 1. * Quebra-se a magia do beijo assombrado Que magicamente fez, do sapo, humano... Quanta angústia emerge, quanto desengano Pra quem fora um simples sapo descuidado! * Vá lá! Nunca beijes um sapo encantado! Lembra-te que podes causar-lhe tal dano Que o pobre batráquio, de bichito ufano, Passe a ser humano. Coitado, coitado! * Pobre desse sapo que estando inocente De culpa, de intriga, de ódio e de traição, Se torna consciente das falhas que tem * Quando, por um beijo, se transforma em gente E perde inocência. Que desilusão... Tu, quando o beijaste, sabia-lo bem! * Maria João Brito de Sousa 19.06.2008 - 08.53h *** 2. * “Tu, quando o beijaste, sabia-lo bem” Enganaste o sapo, fizeste-lo gente Perdeu a candura, não é inocente Maldizem o beijo que ao sapo convém * O encanto quebrou-se e agora ninguém O olha assapado na água envolvente O beijo espalhado na coxa carente Passa por humano e o sapo também * Que se vá o encanto que fique a pureza Do coaxar belo no meio do lago Que mesmo sem beijo a gente agradece * No meio do campo vendo a natureza Sente-se alegria, alegria e afago E o coaxar do sapo entoa em prece * Custodio Montes 23.5.2022 * 3. * "E o coaxar do sapo entoa em prece" Na toada exacta que à espécie convém E em versos que um sapo conhece tão bem, Quanto aos nossos versos sequer reconhece... * Batráquio que o seja, não fia, não tece, Nem sabe de beijos que lhe of`reça alguém E encontra fartura no pouco que tem, Porque de mais nada precisa ou carece... * No seu charcozinho ou na sua lagoa, Há sempre um coaxo que vibra e ressoa: O seu hino à Vida é mais belo que o nosso * E mais espontâneo e mais verdadeiro... É mestre, o batráquio, no canto certeiro E eu falho, por vezes. Só canto o que posso... * Mª João Brito de Sousa 23.05.2022 - 14.10h *** 4. * “E eu falho, por vezes. Só canto o que posso…” Mas canto que cante é sempre engraçado O sapo não canta tão emalhetado Embora o que cante seja sem esforço * O sapo no canto canta fino e grosso E é um encanto ouvi-lo espaçado À beira do charco quieto sentado Com as mãos no queixo sem grande alvoroço * Também no poema se ouve a canção Que nos prende a alma e o coração Descrevendo o lago e o sapo a cantar * E por essa forma o coaxar e o canto Só dão alegria nunca desencanto Não beijo assombrado se o quiser beijar * Custódio Montes 23.5.2022 *** 5. * "Não beijo assombrado se o quiser beijar"... Beijá-lo não quero que o assustaria E o seu belo canto não mais se ouviria Nem nesse seu lago, nem noutro lugar * Que sapo assustado deixa de cantar, Quase não respira, cala a melodia E por predadora logo tomaria Qualquer princesinha que o fosse agarrar... * Canta, sapo, canta! Fica descansado, Quero-te batráquio não (des)encantado, Que de realezas estou há muito farta * E se teço c`roas, são de outro jaez, Nunca as teceria pra nenhum "princês" E esta minha Musa também mo descarta. * Mª João Brito de Sousa 23.05.2022 - 16.25h *** 6. * “E esta minha musa também mo descarta” Que a musa é fina não é nenhum sapo Disso ela foge e também eu me escapo Que de aventuras a musa está farta * O sapo medonho que raios o parta A não ser que cante com graça e guapo E não todo imundo sujo como um trapo Com voz de primeira e não voz de quarta * Mas vamos por partes e sem ofender Não beijar o sapo fui eu a dizer? A coroa o disse e sem desengano * Logo à primeira, mesmo a começar Prosseguiu a musa e a deambular Disse: não se faça do sapo um humano * Custódio Montes 23.5.2022 *** 7. * "Disse: não se faça do sapo um humano" Que são, os humanos, muito complicados Enquanto os sapinhos vivem sem cuidados E cuidam das hortas sem causar-nos dano... * Um seu conterrâneo foi um soberano A falar de sapos, esses mal amados, Por quem desconhece que os pobres coitados Nos são muito úteis quando, ano após ano, * Nos livram de insectos e salvam das pragas Que assolam as folhas e destroem bagas... Bambo*, o sapo velho, quem pode esquecê-lo * Se morto em serviço, firme no seu posto, Só porque não tinha beleza no rosto, Só porque não era cativante e belo? * Mª João Brito de Sousa 23.05.2022 - 20.15h *** Vide "Bambo" in "Bichos", Miguel Torga *** 8. * “Só porque não era cativante e belo” Mas sempre a saltar na horta e no canteiro A comer as larvas limpar o terreiro Por isso, agrada e é muito bom tê-lo * O sapo é útil não é um flagelo Se feio parece ele é um bom parceiro Comendo os insectos, limpando o lameiro Ajuda no campo, dos braços é elo * Um “bambo” é verdade mas não é de borga Descrito em Bichos pelo Miguel Torga Como nos informa com sua mestria * Louvemos o sapo, não lhe quero mal Sem lhe darmos beijos a esse animal Nem o endeusarmos com a poesia * Custódio Montes 23.5.2022 *** 9. * "Nem o endeusarmos com a poesia"... Torga humanizou-o na prosa, contudo, E fez dele um mestre que, apesar de mudo, Falava de amor e de Filosofia * Como quem faz jus à tal sabedoria Que da Vida entende um pouquinho de tudo... Ah, se ao velho Bambo nesta estrofe aludo, Aludo à amizade e, quem sabe?, à magia * Mais bela, decerto, do que a do tal beijo Que deu a princesa ao sapito do brejo Julgando que o dito era um rei, nunca um sapo... * Tem tino, princesa! Não vês que o encanto Do nobre batráquio dispensa o teu manto Que é, pra ele, um pobre e cerzido farrapo? * Mª João Brito de Sousa 23.05.2022 - 23.00h *** 10 * “Que é, pra ele, um pobre e cerzido farrapo?” Isso porque o Bambo é inteligente Mas mais nenhum sapo é assim cojente Para distinguir a tal manta de trapo * Queria a princesa pensar que o sapo Era antes Bambo tão nobre e valente Que, na realeza, parecesse gente Errou, enganou-se, tirou-lhe um fiapo * Nem nós no poema temos gosto insano De fazer do sapo um príncipe humano Para a tal princesa o poder beijar * Confundiu decerto e ficou em apuro Por ter confundido o sapo anuro Com príncipe amado para namorar * Custódio Montes 24.5.2022 *** 11. * "Com príncipe amado para namorar" Confunde a princesa o tal sapo anuro... Posso ser insana, mas aqui lhe juro Que ao sapo prefiro de longe admirar * A pensar num homem para me casar: A um, sim, amei-o, mas mais não aturo, E se, no passado, previsse o futuro, Talvez preferisse nem me apaixonar... * Bem sei que, consigo, tudo foi dif`rente, Que esse amor perdura e que vive contente Com sua princesa num reino encantado, * Enquanto eu afirmo que amo a solidão, Que escrevo o que escrevo nessa condição E não troco um brejo por trono ou condado! * Mª João Brito de Sousa 24.05.2022 - 10.15h *** 12. * “E não troco um brejo por trono ou condado” Nem quero princesas tão namoradeiras Que gozem o sapo só com brincadeiras Mesmo que o beijem como encantado * Mas falar de amor agora é escusado Para mais falarmos de tantas asneiras Que a nossa princesa de várias maneiras Fez passar ao sapo como namorado * Se andasse ocupada não tinha desejo De ao sapo encantado querer dar um beijo E não nos daria tanta ocupação * Mas sem ter trabalho, farta, à boa vida Quis-se imaginar como sendo a querida Dum sapo encantado e do seu coração * Custódio Montes 24.5.2022 *** 13. * "Dum sapo encantado e do seu coração" Tenta uma princesa ser dona e senhora... Não sabe, a tontinha, que os sapos de agora São poucos, passaram a espécie em extinção * E exigem, portanto, maior protecção... Cuidado, princesa, que a fauna e a flora Devem preservar-se bem mais do que outrora Em nome de um mundo mais limpo e mais são! * Esses teus caprichos de dama mimada São sonhos traídos, não servem pra nada! (embora eu confesse que os utilizei * na C`roa de versos que aqui vou tecendo...) Princesa, princesa! Tu estás-te é esquecendo: Tão livre é o Sapo quão nu vai el Rei! * Mª João Brito de Sousa 24.05.2022 - 16.15h *** 14. * “Tão livre é o sapo quão nu vai el Rei!!” Por isso, Princesa, vê lá se te apoucas Nessas preferências, que queres tão loucas Deixa lá o sapo que eu investiguei * Que ter tais amores, isso também sei, Já não é namoro: princesas são poucas Vestem como as outras e não usam toucas Não andam em charcos tão fora de lei * E já nem o “Bambo” vai nessas cantigas Que tem bambo fêmea não quer raparigas Nem por elas fica tão apaixonado * Tece, pois, princesa um novo novelo Que o sapo rejeita, não quer teu anelo “Quebra-se a magia do beijo assombrado” * Custódio Montes 24.5.2022 ***