Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores.
...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
NA ONDA - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
Coroa de Sonetos * 1. *
No alto da onda deu-se a explosão Do ventre saído, com luz, com amor Livre de pecado, criado sem dor Que do mar emana, mar da criação *
Ao mundo lançado à procura de pão E com alegria, garra e destemor Andei pelo campo, cidade e ao redor Em tempos passados, tempos que lá vão *
Agora na onda deste tempo aurido Procuro que o tempo me forneça tema Para que o meu tempo fique enriquecido *
Paro e olho em frente e então por sistema Vou à biblioteca e depois de ter lido Ocupo o meu tempo escrevendo um poema *
Custódio Montes 27.4.2023 *** 2. *
"Ocupo o meu tempo escrevendo um poema"
Que brota da rocha que sou quando em rocha
Transformo a papoila que em mim desabrocha
Que às vezes é louco e bem louco, este esquema *
No qual me aventuro sem leme e sem lema
De dia ou de noite e à luz de uma tocha,
Que acendo no escuro que de mim debocha
Tentando cegar-me, que o faz por sistema... *
Porém nos provectos setenta que ostento
Em cabelos brancos até à cintura,
Rio-me do escuro que me observa atento *
Tentando fazer-me fazer má figura
Crendo que me assusto ou até me atormento
Por ter de o pagar quando chega a... factura. *
Mª João Brito de Sousa
27.04.2023 - 16.15h *** 3. *
“Por ter de o pagar quando chega a factura” Mas lá vou andando percorrendo a estrada É demais o custo mas não deixo nada Levo tudo avante de forma segura *
Na crista da onda quando se procura Encontra-se forma, por mais complicada, De pagar a pronto conta debitada Mas não pago nada quando vejo usura *
Fui assim criado mas andei à rasca Na borga em Coimbra e por lá a cantar À noite passava as horas na tasca *
Pagava aos amigos e sempre a gastar Era inocente sem sair da casca Mas não vale a pena andar a lamentar *
Custódio Montes 27.4.2023 ***
4. *
"Mas não vale a pena andar a lamentar"
Pequeninos erros do nosso passado
Senão o presente passa-nos ao lado
E o futuro avança sem nos dar lugar... *
Antes memoremos, pra comemorar,
Desses belos tempos, cada beijo dado,
Furtivo que fosse, de acordo ou roubado
À semi recusa de ocasional par... *
Da borga não soube mais do que o que lia
E bem pouco ou nada gastava comigo
Que eu, por ser "menina", nem sequer saía *
E sair à noite era, então, um p`rigo,
Um tremendo risco que eu nunca corria
Pois ficava em casa... sem ser de castigo. *
Mª João Brito de Sousa
27.04.2023 - 21.10h ***
5. * “Pois ficava em casa…sem ser de castigo” Mas isso era apenas quando combinado Sem os pais saberem ficava fechado Para brincadeiras com algum amigo *
Porque normalmente seguia comigo A ladrar a fusca pelo povoado Ia para o monte de pastor do gado Nadava no rio sem qualquer perigo *
Que na minha terra quando era pequeno Só havia o campo e mais nada ao redor Os montes ao alto, o rio e tempo ameno *
Os lameiros verdes, espalhada a flor Um cheiro aprazível ondulante o feno Os nabais frondosos, recantos de amor *
Custódio Montes 27.4.2023 ***
6. *
"Os nabais frondosos, recantos de amor"
Compunham o grande temor dos meus pais:
- Se não sais comigo, de casa não sais,
Senão, minha filha, quando for`s maior! *
Se eu ia à piscina e nadava a primor,
Logo a minha mãe se sentava entre os mais
E ou me vigiava ou fazia sinais
Pra que me sentasse a seu lado. Um horror! *
Porém o destino pregou-lhe a partida
E foi na piscina que um dia encontrei
O amor que haveria de ser para a vida *
Ou, melhor dizendo, alguém que eu amei
Com quem me casei sem ter sido pedida
E ao fim de trinta anos, ou quase, deixei. *
Mª João Brito de Sousa
27.04.2023 - 22.35h ***
7. * “E ao fim de trinta anos, ou quase, deixei” Quando se abandona é porque não se quer Nosso companheiro - homem ou mulher- Fica-se sozinho como é de lei *
Vidas dessas nunca eu experimentei A minha família sabe-me acolher Vou andar com ela sempre que puder E abandonado nunca estarei *
Fui hoje a Amarante e a Sara de dois anos Virou-me os seus olhos e a brandir a mão Avô vais morrer. Eu fiquei sem enganos *
Nessa circunstância ficarei então Logo abandonado nos mundos insanos Fico só - adeus - e sem contemplação *
Custódio Montes 27.4.2023 ***
8. *
"Fico só - adeus - e sem contemplação"
Mas nas brincadeiras dos mais pequeninos,
Tudo tem a graça de angelicais hinos
Que da morte/morte nem têm noção *
E se nela falam por qualquer razão,
Da mesma maneira pulam, fazem pinos,
Se entregam, audazes, a tais desatinos
Que nos perguntamos como aguentarão... *
Quanto a nós, adultos no Outono da vida,
Bem sabendo quanto nada é linear
E que, a dor que mate, nem uma partida, *
Ainda que ajude, poderá salvar,
Não espanta uma vida que foi destruída
Por dor que, de horrenda, prefiro calar. *
Mª João Brito de Sousa
28.04.2023 - 01.05h ***
9. *
“Por dor que, de horrenda, prefiro calar” Calar, sim, calemos que é muito melhor Falemos do dia até o sol se pôr E da natureza, das ondas do mar *
Não sobre a tristeza, temos de a arredar E pô-la de lado. Falemos de amor E de coisas boas ao nosso dispor E já não da morte até ela chegar *
As flores do campo, ou o nascer da aurora Risos de alegria, sonhos de criança Há tanta beleza pelo mundo fora *
E até recordarmos - que boa a lembrança !!! Deixemos as mágoas… que se vão embora E que a vida traga ventos de mudança *
Custódio Montes 28.4.2023 ***
10. *
"E que a vida traga ventos de mudança"
Que soprem nas velas das barcas da Vida
Pra que a Paz sonhada seja conseguida
E que em nós ressurja, renovada, a esp`rança *
Sabemos que a barca desta Vida avança
Por entre borrascas qual guerreira f`rida
Que às vezes naufraga se for atingida
Por vaga que a exceda em vigor e pujança *
Façamos, portanto, tudo o que pudermos
Pra que as tempestades sejam passageiras
Ou só se enfureçam sobre espaços ermos *
Dos quais nossas barcas se afastem ligeiras
Se nós, marinheiros, amansar soubermos
Outras ameaças de ondas altaneiras. *
Mª João Brito de Sousa
28.04.2023 - 10.30h ***
11.
*
“Outras ameaças de ondas altaneiras” Como é o naufrágio que nos ameaça Fiquemos na margem enquanto ele passa E não arrisquemos a fazer asneiras
*
Na vida que corre há imensas maneiras De afastar perigo que ao vir nos enlaça Nos tira a saúde e nos deixa sem graça Perturbando o sonho, causando canseiras
*
Que a vida nos corra sem melancolia Porque ela é difícil e temos de ter A clarividência e também a mestria
*
De em cada momento sabermos viver Que os minutos passem com muita alegria Assim tem que ser e querer é poder
*
Custódio Montes 28.4.2023 *
12. *
"Assim tem que ser e querer é poder"
Embora nem sempre nos baste a vontade...
Mas acreditemos que é pura verdade
E algum benefício havemos de obter *
Mas se de algum erro inocente eu estiver
Basta-me esse trunfo pra que a tempestade
Recue vencida p`la temeridade
De cada verdade que eu possa dizer? *
Voltemos às ondas revoltas do mar,
Ao vento que sopra, ao trovão que reboa
E à mão sobre a roda do leme a teimar *
Em salvar a Barca e levá-la a Lisboa:
Já passou a Barra e está quase a chegar
Ao porto que abriga a canção que ela entoa! *
Mª João Brito de Sousa
28.04.2023 - 13.45h ***
13. *
“Ao porto que abriga a canção que ela entoa” Do alto da onda até praia segura A barca descansa depois da procura De posição firme à ré e à proa *
Se se vir ao largo pequena canoa A virar de lado como uma tontura Volta lá a barca, logo lhe assegura O seu salvamento, sem andar à toa *
Mas neste começo ao em onda falar Andou-me outro assunto no meu pensamento Descrevi o modo de eu germinar *
E de ter chegado sem padecimento Ao mundo dos vivos sem dor nem chorar Falei do início, do meu nascimento *
significa “You only live once” – Só se vive uma vez *
Inspirado pelos poemas "Quadro Para a Vida", de Joaquim Sustelo, e no "Zelo Ansiosa Por Cada Olhar Teu", de MEA - Maria da Encarnação Alexandre. *
NOTA - Este acróstico ou abecedarius nasceu com um defeito que nem sequer vi e do qual só tomei conhecimento quando um amigo me chamou a atenção para ele : dois versos seguidos surgem iniciados pela letra D, erro que não poderá ser remediado a menos que eu apague o poema inteiro e escreva outro, coisa que optei por não fazer porque, apesar da indesejada repetição, considero que este é um bom poema no seu todo.