Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores.
...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
2. * "A vencê-los em espanto e garra e cor" E o vento bem soprava ao desafio Mas ele como as mães tinha valor E como seu filhote, força e brio *
Por sobre as ondas viu-se o seu fulgor Andava contra o vento em corrupio Com força mais depressa que um vapor Singrando sem ter medo ou arrepio *
Elas, as tempestades, com orgulho Paravam para verem o seu filho Correr desde o Alentejo até ao mar *
Saltavam sempre a dar-lhe o seu arrulho Via-se nos seus olhos tanto brilho Que, destras, o aplaudiam sem parar *
Custódio Montes 22.2.2023 ***
3. *
"Que, destras, o aplaudiam sem parar"
Sorrindo com sorrisos maternais
Que até um furacão aprende a amar
E talvez este amasse até demais *
Ou vendo o filho quase a soçobrar
Soprasse até deixá-lo junto ao cais...
O que sabemos nós do que é ser-se ar
E ter-se um filho vivo entre os mortais? *
Quis este filho dos ventos em fúria
Domar o mar imenso e encapelado
Num simples lugre/escuna. Assim o fez, *
E eu sei que não o fez por mera incúria:
Fê-lo como quem canta ou toca um fado,
Fê-lo por ser poeta e português! *
Mª João Brito de Sousa
22.02.2023 - 17.40h *** 4. * "Fê-lo por ser poeta e português" Cantando a terra e o mar com o desejo De mostrar seu jardim, seu Alentejo Na caravela ao leme uma outra vez *
Singrou o mundo inteiro lés a lés Saltando da estepe ao rio Tejo Vogando sem cessar com o almejo De brilhar na palavra como o fez *
E venceu a tormenta. A tempestade Orgulhou-se do filho e da paixão Com que ele também dobrou o bojador *
E rompeu pelo ar com tal vaidade Que até lhe fez saltar o coração Redobrando por ele o seu amor *
Custódio Montes 23.2.2023 ***
5. *
"Redobrando por ele o seu amor"
Mais um vez se fez ao mar imenso
E não cabendo nele amor maior
Sentiu-se a flutuar, no ar suspenso *
Ainda que sem asas de condor
Sentiu ser mais veloz que vento intenso:
- Ó vento, meu irmão de amor e dor,
Será que sou mais leve do que penso? *
Olhou o mar que manso lhe sorria,
Depois o horizonte e finalmente
Olhou a sua barca ora vazia *
Qual berço balouçando suavemente
E, de repente, só a barca via,
Só a barca existia realmente. *
Mª João
23.02.2023- 17.30h ***
6. *
"Só a barca existia realmente" Mas ele mesmo assim continuou nela Andando pelo mar e sempre em frente Na barca a que chamou a barca bela *
A tempestade olhou e de repente Sentiu imenso orgulho e os olhos dela Molhados se encontravam e, contente, Acalmou e não houve mais procela *
O filho navegava plo mar fora Descrevendo a mãe, a tempestade, Com encómios e vénia filial *
Louvando-à por ser mãe tão protectora Singrando a mostrar felicidade Sempre assim, sem parar, até final *
Custódio Montes 24.2.2023 ***
7. *
"Mesmo assim, sem parar, até final"
Se fez no grande mar tal calmaria
Que, do vento, não houve nem sinal
Enquanto a Tempestade assim dizia: *
"Que bom foi ter-te tido, ó ideal
Filho da minha imensa fantasia,
E descobrir-te assim, vivo e real,
Bem mais real do que eu te sonharia! *
Foi a barca o teu berço, filho meu,
Que docemente embalo até que a lua
Venha roubar à noite o negro véu *
Com que te quer cobrir essa alma nua...
Mas se essa força é minha, o verbo é teu,
E teu é cada sonho que eu construa! " *
Mª João Brito de Sousa
24.02. 2023 - 11.00h ***
8. *
"E teu é cada sonho que eu construa" Com calma ou com força destemida Porque sondas o sol sondas a lua E a tua barca vai de proa erguida *
E tens uma mestria que é só tua Com poesia bela e escolhida Espalhada ao sol vista na rua E que engrandece tanto a tua vida *
Meu filho, és o máximo, eu quero Levar-te nos meus braços sobre o mar E abraçar-te mais e sempre mais *
Na calmaria vem porque te espero Para seres só meu e te beijar E livrar-te dos fortes vendavais *
Custódio Montes 24.2.2023 ***
9. *
"E livrar-te dos fortes vendavais"
Se os fortes vendavais te apoquentarem
Porém sendo esses ventos os teus pais
Pedir-lhes-ei tão só pra se afastarem *
Até que a tua barca aporte ao cais
E os teus humanos pés o chão pisarem...
Isto te dou, que não sei dar-te mais
E tão só se esses ventos concordarem... *
Tempestuosa sou por natureza
E tu, aventureiro e sonhador,
Trazes nos olhos teus a chama acesa *
De quem é santo sendo pecador,
Tomo, por isso, em mãos tua defesa
Pra te livrar de um mal muito maior... *
Mª João Brito de Sousa
24.02.2023 - 16.00h ***
10. * "Pra te livrar dum mal muito maior" Vou descansar enquanto tu versejas Para ser o poema bem melhor Ficando encantador como desejas *
Não fales em ciúmes ou invejas Anda em voos altos à condor Alarga as tuas asas pra que sejas Um mestre em poesia, um senhor *
Porque te quero ao pé….sou tua mãe… Vou amainar o vento sobre o mar Podes andar na barca aqui e além *
Sem haver tempestade a incomodar Escreverás poemas mais que cem Que te eternizarão a relembrar *
Custódio Montes 24.2.2023 ***
11. *
"Que te eternizarão a relembrar"...
E, no entanto, muito poucos são
Os que me quererão acompanhar
Montando um raio em vez de um alazão *
Como se um demiurgo a atravessar
O mar imenso ao som de um só trovão...
Vem, tempestade, e deixa-te abraçar
Ou pelo menos dá-me a tua mão *
Vem, deixa que te leve aonde eu queira
E ainda que depois nos separemos
Quero-te aqui e agora à minha beira *
Não viste ainda que tudo o que temos
É esta fantasia derradeira
E, no mundo real, um bote a remos? *
Mª João Brito de Sousa
24.02.2023 - 17.45h ***
12. *
"E no mundo real um bote a remos" Anda com lentidão e devagar Com ele nunca mais o mar vencemos E ocupamos as mãos só a remar *
No bote tão só água é o que nós vemos E o poeta quer mais quer ver, voar Ver céus, ver luzes, deuses e até demos Para um belo poema enramalhar *
Por isso, tempestade, deixa o filho Dá-lhe asas, dá-lhe um barco com motor Para que possa andar sem empecilho *
Circundar todo o mar ao seu redor Para maior encanto e maior brilho Enfeitando o poema com primor *
Custódio Montes 24.2.2023 ***
13.
*
"Enfeitando o poema com primor"
No mundo destas nossas fantasias
Porquanto no real há pouca cor
E muita guerra e fome e avarias...
*
Não quer nem nunca quis barco a motor:
Se do nada lhe nascem poesias
E se nasceu poeta e sonhador
Escolherá sempre as rotas mais vadias
*
Este filho da grande tempestade,
Como ela imprevisível e severo
E crítico mordaz da realidade,
*
Tendo a fraternidade por tempero
E amando até à morte a liberdade,
Ri-se até do seu próprio desespero.
*
Mª João Brito de Sousa
24.02.2023 - 20.30h
***
14. *
"Ri-se até do seu próprio desespero" Ao ver virada a barca sobre o mar E a mãe dizer-lhe ao longe: filho eu quero Ficar ao pé de ti e ajudar *
Mas ele disse-lhe não em tom severo A minha rota sigo-a sem parar Vencer as altas vagas eu espero Tal como um campeão sempre a ganhar *
O poeta lá foi e sem demora Andou com todo o brio sobre as vagas Já não se vendo ao longe ao ir-se embora *
Enfrentou inimigos com adagas Destemido seguiu pelo mar fora “Andou perdido por remotas plagas” *