Maria João Brito de Sousa
SONETO PROLETÁRIO *
Nas redacções do meu imaginário,
Agora menos fértil, mais cansado,
Se (a)colho um verso humilde e proletário,
Fico segura de não ter errado *
E sigo em frente. O texto, solidário,
Flui no papel como regueiro em prado
E a Musa empunha o sacho do cenário
Que enquanto escrevo vai sendo lavrado *
Mas se perto do fim as mãos me doem,
Se os olhos se me cerram de cansaço
A quatro versos - ai! - do fim do texto, *
São os sachos que lavram e compõem
Estes últimos versos, traço a traço,
Pra que o regueiro venha aguá-los, lesto. *
Mª João Brito de Sousa
30.11.2022 - 10.50h ***
Imagem - "Peasant Woman", Vincent Van Gogh
publicado às 11:01
Maria João Brito de Sousa
AQUELE VERSO QUE UM DIA PERDESTE *
Àquele verso que se te escapou
Quando te passeavas na cidade,
Julgo ter sido eu quem o achou
No chão caído e morto de saudade *
Desse poema que nem começou
Por culpa sua, ainda que a vontade
Lhe pedisse uma urgência que calou
Por ter perdido a oportunidade. *
Quis devolver-to mas, fragilizado,
Dissolveu-se inteirinho ao ser tocado
Embora eu lhe tocasse tão de leve *
Que pareciam seda, estes meus dedos...
Versos perdidos são como os segredos:
Se descobertos, têm vida breve. *
Maria João Brito de Sousa
21.01.2019 – 14.12h ***
Poema reformulado
publicado às 10:20
Maria João Brito de Sousa
FOI NUM NATAL MUITO FRIO *
I * Era o Inverno mais frio
De que podia lembrar-se,
Mas nem tentou lamentar-se:
Se gritou, ninguém ouviu *
Corressem-lhe, embora, a fio
As águas, a agigantar-se
Cada dor até soltar-se
O filho que então pariu... *
Era o vento que soprava,
E era a chuva que, impiedosa,
Açoitava o velho quarto *
Mas só no filho pensava
Quando sobre a colcha rosa
Suportava as dores do parto *
II *
Nunca teve anjo, nem estrela
Que a viesse iluminar,
Só o menino a chorar,
Num cestinho à luz da vela *
A criança, o cesto e ela,
O improviso de um lar
Onde ela o põe a mamar
Sob um céu que a agride e gela... *
Não veio nenhum rei mago
Trazer-lhe ouro, incenso e mirra,
E nem sequer José veio *
Fazer-lhe um pequeno afago
Na desmedida barriga
Nem dar-lhe um pão de centeio *
III *
Nesse Dezembro gelado,
Nem vaquinha, nem burrico,
Só da chuva algum salpico
Saudou o recém chegado *
Pequenino ali deitado,
Tão pobre e de amor tão rico
Quão emocionada fico
Por havê-lo aqui citado... *
Mas esse menino existe!
Citá-lo é citar milhares
De crianças sem futuro, *
Ou na situação mais triste
Que, sem esforço, imaginares
Se o teu coração for puro. *
Mª João Brito de Sousa
27.11.2022 - 18.30h ***
Poema em sonetilhos inspirado no título do poema de Dália Micaelo
"Era o Inverno Mais Frio..."
publicado às 09:46
Maria João Brito de Sousa
Procura uma solução? É por aqui se faz favor
publicado às 12:37
Maria João Brito de Sousa
Ouviu um grito de esperança? O som vem daqui
publicado às 19:06
Maria João Brito de Sousa
SE A NAVALHA NOS FALHA, OSCILA E CAI *
Se, no fio da navalha caminhando,
A navalha nos falha, oscila e cai,
Sem um suporte, tudo se nos vai
E sem asas, nem chão vamos ficando... *
A que nos agarramos se, oscilando,
Até o gume, de repente, trai
Aquilo que nos nega e que subtrai
Ao pouco que antes fomos avançando? *
A própria Musa, desasada fica,
A corda, retesada, já não estica
E os versos, um a um, caem também *
Da tal pauta invisível que os prendia
Ao fio duma navalha que os servia
E que não serve agora a mais ninguém. *
Maria João Brito de Sousa
11.01.2019 – 12.16h ***
publicado às 09:28
Maria João Brito de Sousa
OBITUÁRIO *
Morri, segundo fonte oficial...
A (a)creditada folha assim me informa
Num breve obituário de jornal
De pequena tiragem, como é norma. *
Esfrego os olhos! Duvido! É natural
Que apesar de não estar em grande forma,
Me revolte e entenda que está mal
Morrer sem ter gozado da reforma *
Leio de novo. Não, não era um erro,
Podia ler-se a data do enterro:
"Rebéubéu, zaz-traz-paz, tantos de tal". *
Sem pressas, cerro um olho. Ao outro o cerro...
Contudo, o meu cadáver, mesmo perro,
Ergue-se e escreve o verso terminal. *
Maria João Brito de Sousa
17.07.2018 – 15.46h ***
publicado às 14:06
Maria João Brito de Sousa
CATIVEIRO *
Como meridiano-de-mulher
Na divisão do Ser em hemisférios,
Sou o imponderável dos mistérios
Que explica o seu mistério a quem quiser *
Falo a quem me entender, a quem souber
Dentro de si achar outros impérios,
Se farto das prisões e cemitérios
A que a futilidade os quis prender *
Falar-vos-ei de um tempo-antes-do-tempo
Bem como dos futuros-infinitos
Que ainda estão por vir no mundo inteiro *
E de um maior, mais justo entendimento...
Tudo quanto se ler nestes escritos
Nasceu da liberdade em cativeiro. *
Maria João Brito de Sousa
14.05.2008 - 02.53h ***
(Poema ligeiramente reformulado)
publicado às 12:01
Maria João Brito de Sousa
ACRÓSTICOS A FLORBELA * Memorando Florbela Espanca e José Manuel Cabrita Neves *
ACRÓSTICO *
Fui a tristeza, a mágoa, a solidão!
Longe da felicidade e da alegria,
Ostentei um caminho que sabia,
Reverso e controverso de paixão… *
Bebendo silenciosa a nostalgia,
Enquanto eu era toda adoração,
Lia nalguns olhares condenação,
A esse amor tão puro que sentia… *
Errei pois por amar quem não devia,
Seguindo a terna voz do coração,
Peregrina fiel duma ilusão,
Alimentando a cega idolatria… *
Não creio haver sequer comparação,
Com esta minha entrega doentia,
Ao dedicar-me inteira ao próprio irmão!... *
José Manuel Cabrita Neves ***
ACRÓSTICO- RESPOSTA * *
Fui, sim, tristeza e mágoa e solidão,
Lamento de infindável nostalgia
Ornato de candura e poesia,
Remate de perfeita (in)confecção *
Bordado a ponto-cruz sobre aflição,
Errando, ou não, - conforme a disforia... -,
Louca, talvez, que muito bem sabia
A que conduziria tal paixão... *
Estou livre, no entanto - quem diria? -
Singrando agora uma outra imensidão,
Passando, sem passar de mão em mão,
Adivinhando já o que antes qu`ria... *
Não pude responder-te - ó decepção! -,
Cuidando, embora, que te respondia...
Ah, que me importa? Nunca amaste em vão? *
Maria João Brito de Sousa
09.02.2016 - 17.21h ***
publicado às 11:35
Maria João Brito de Sousa
Vai um solzinho amarelo? Por aqui , faça favor!
publicado às 11:21
Maria João Brito de Sousa
NAS ARTÉRIAS E V(E)IAS DA CIDADE
Reedição *
O sangue inunda as veias da cidade
Vindo da fonte humana que o contém
E só por uns instantes se detém
Para beber um copo na Trindade, *
Para dizer bom dia a quem lá vem,
Pra dar-se num abraço de saudade,
Pra comer uns natinhas em Belém
Ou na Avenida que é da Liberdade... *
Corre esse sangue em estranho descompasso
Do Marquês ao Terreiro que, do Paço,
Passou a ser do povo que é sa(n)grado, *
E nessa infinda, imensa hemorragia
Esvai-se a cidade inteira, dia a dia,
Ao som das mansas notas do seu fado. *
Maria João Brito de Sousa
22.06.2018 -15.48h ***
publicado às 15:41
Maria João Brito de Sousa
Por aqui , se faz favor
publicado às 14:13