Maria João Brito de Sousa
DE MADRUGADA *
Coroa de Sonetos *
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa ***
1. *
De madrugada acordo no escuro
Mas vejo com clareza alvorecer
A ideia nasce logo a florescer
Como fruto nascido e já maduro *
Depois escalo a árvore e apuro
Aquele que aos olhos parecer
Mais belo. Lanço a mão a escolher
E pronto, agarro o fruto bem seguro *
A ideia sabe bem e alimenta
O ego agiganta a fantasia
É como alimento que sustenta *
O poder que nos leva à magia
Nos mantém a alegria e nos aumenta
O gosto que nos dá a poesia *
Custódio Montes
24.10.2022 ***
2. *
"O gosto que nos dá a poesia"
É um fruto carnudo e agridoce
Que assim que nasce de mim toma posse
E toda me transforma em melodia... *
A madrugada dá lugar ao dia
- e mal de todos nós se assim não fosse -
Para que o novo fruto nos remoce
Em talento, em vontade e harmonia *
Por vezes sou tão lenta a (re)colhê-lo
Que tropeço, me enredo e me atropelo
Longe do fruto com que mato a sede *
Mas não desisto! Mesmo desastrada
Porque vacilo desequilibrada,
Alcanço o fruto que a Musa me pede. *
Mª João Brito de Sousa
24.10.2022 - 12. 53h ***
3. *
“Alcanço o fruto que a musa me pede”
E bem gulosa é que muito come
Pois cada fruto a mais que assim consome
Aumenta-nos a luz que nos concede *
Não é qualquer doença que a impede
De nos trazer poemas em seu nome
Que saciam e matam nossa fome
E em troca nada exige e nada pede *
Por isso, obrigado minha amiga
Que quero os seus poemas e prossiga
Nessa arte que tem a poetar *
Embora o corpo não nos obedeça
Importa é que a ideia e a cabeça
Nos traga a fantasia e o sonhar *
Custódio Montes
24.10.2022 ***
4. *
"Nos traga a fantasia e o sonhar"
Que o sonho é também fruto, dá semente
E estará sempre à mão de toda a gente
Colhê-lo pra depois o semear *
Obrigada por sempre me aturar,
Inda que estando a minha Musa ausente
Eu escreva muito, muito lentamente
E possa nalgum verso coxear... *
Para fugir à dor, fiquei sem Musa,
Porque ela, caprichosa, se recusa
A aceitar esta minha lentidão *
E mal aclara um pouco a madrugada
Ei-la que parte triste e amuada
Porque - diz-me ela - falta-lhe a paixão... *
Mª João Brito de Sousa
24.10.2022 - 15.50h ***
5. *
“Porque - diz-me ela - falta-lhe a paixão”
Mas ela é mentirosa e trato-a mal
Porque a musa ao saber que é maioral
Devia ter na língua contenção *
Devia até meter-se na prisão
Depois de condenada em tribunal
Como difamadora, tal e qual
Com custas do processo e punição *
Por esta passa, amiga, estou a ver
Que lhe vai perdoar sem merecer
Que ela bem merecia até cadeia *
Concordo, que o poeta, na verdade,
Dá à musa tamanho à vontade
Com que ela muitas vezes nos cerceia *
Custódio Montes
24.10.2022 ***
6. *
"Com que ela muitas vezes nos cerceia"
Porque embora insubmissa, se se entrega,
Dá o melhor de si quebrando a regra
Que impõe limites à humana ideia *
Sim, eu perdôo sempre a quem anseia,
- mesmo sabendo que hoje se me nega -
Por estar comigo sempre que a refrega
Se mostra mais agreste e dura e feia... *
Mas também na bonança me acompanha
Essa que é tão pequena quão tamanha
E a quem só por graça chamo Musa *
Se a condenasse, a mim me condenava,
Que ela é parte de mim, não minha escrava,
E eu que faria ao ver-me, assim, reclusa? *
Mª João Brito de Sousa
24.10.2022 - 21.10h ***
7. *
“E eu que faria ao ver-me, assim, reclusa?”
Clamava por justiça e piedade
Afirmaria então sua bondade
E talvez o juiz lhe desse escusa *
Quando se é uma só e mais a musa
Se condenarmos esta, na verdade,
Iriam pró aljube em irmandade
Ficando junto a ela lá reclusa *
Por isso volto atrás e escondo a mão
Já não lhe meto a musa na prisão
Porque prendo-a a si prendendo ela *
Deixemo-la voar que vá embora
De madrugada volta a qualquer hora
Que já se sente ao longe a barca bela *
Custódio Montes
25.10.2022 ***
8. *
"Que já se sente ao longe a barca bela"
Em que as musas embarcam pra voltar
Quando cansadas já de olhar o mar
Decidem, finalmente, içar a vela *
Enquanto debruçado/a na janela
O/A poeta tudo faz para a avistar
E em avistando, corre pr`abraçar
Esse tanto de si que embarcou nela *
Da madrugada é que renasce o dia
Que às vezes traz as vestes da harmonia
E que, outras vezes, veste plúmbeos mantos... *
Hoje, porém, só penso na alegria
Que o retorno da Musa me traria
Caso ela me emprestasse os seus encantos. *
Mª João Brito de Sousa
25.10.2022 - 10.35h ***
9. *
“Caso ela me emprestasse os seus encantos”
E empresta bem se vê a sua mão
Porque quem ela habita em união
Fá-la cobrir e andar sob seus mantos *
Não vem desafinando nos seus cantos
Que vão de onda em onda em amplidão
Ouvidos com amor e admiração
Adorados até por tantos, tantos … *
Por isso não desdiga a sua sorte
Que até com a doença é muito forte
E se é tão forte assim não se lamente *
A matéria esvai-se e modifica
E o que interessa ao mundo e nele fica
É o poder da alma e sua mente *
Custódio Montes
25.10.2022 ***
10. *
"É o poder da alma e sua mente"...
Ah, não desdenhe a carne, que fraqueja,
Mas que obedece à mente enquanto esteja
Capaz de pôr em verso o que ela sente *
E que, em falhando, bem pouco consente
A quanto essa pobre alma tanto almeja:
Se o corpo, entorpecido, só boceja,
Não gera a mente fruto nem semente! *
Por mais que o sol nascente ouse tentá-la
E a evadida Musa volte à sala
Em que a carne tombara adormecida, *
Não os vê o/a poeta que sucumbe
Ao poder de Morfeu quando o/a incumbe
De ressonar dois dias de seguida. *
Mª João Brito de Sousa
26.10.2022 - 12. 25h ***
11. *
“De ressonar dois dias de seguida….”
Mas se ressona, dorme e também sonha
Com coisa linda, não coisa medonha
Mas se medonha for só na dormida *
Porque sendo poeta e já crescida
Nada lhe mete medo ou que se oponha
Ao seu dom aguerrido ou que suponha
Que não é heroína destemida *
Ressone que depois vai descansar
Que o corpo relaxado junto ao mar
Vai ficar como novo, em sanidade *
Depois ao acordar, de madrugada,
Vai ver que ficará mais descansada
E até quase a voltar à mocidade *
Custódio Montes
26.10.2022 ***
12. *
"E até quase voltar à mocidade"
Brincarei, que em verdade não ressono
(ou não me ouço, que é pesado o sono
e eu não acordo com facilidade...) *
Também hoje Morfeu toda me invade,
Mas eu, rebelde como cão sem dono,
Resisto como posso ao abandono:
Vigil, lutei contra aquela deidade! *
Pra colher tantos frutos quanto pude,
Reinava ainda um céu negro de crude,
Já eu escapava ao seu sereno enlevo *
E antecipava o alvor da madrugada...
De pouco me valeu, ou quase nada,
Que bem depressa esqueço o que não escrevo. *
Mª João Brito de Sousa
26.10.2022 - 17.45h ***
13. *
“Que bem depressa esqueço o que não escrevo”
Então se acordar de madrugada
Escreva o que pensou numa penada
E vai ver logo a ideia em relevo *
Ao vir a ideia penso e eu me enlevo
E mesmo com a luz meio apagada
Penso, componho e assim organizada
À forma de poema então a levo *
Assim escrevo muita poesia
O que me dá prazer e alegria
Sobre qualquer assunto que interesse *
Ali apanho um fruto ou uma flor
Trato todo o jardim com muito amor
E ando sempre a ver como floresce *
Custódio Montes 26.10.2022 ***
14. *
"E ando sempre a ver como floresce"
O jardim que recebe as madrugadas
Tal qual conclama estrelas afastadas
Que o seu olhar profundo coalesce *
Depois, de madrugada, a Musa cresce,
Vai-se pintando o céu de auras rosadas,
Recolhe-se a coruja nas arcadas
E, por breves instantes, nada mexe... *
Tudo parece estático, impassível,
Nesse momento mágico, (in)tangível,
Etéreo mas tão espesso quanto um muro *
Que separasse a luz da escuridão...
No espanto desse instante escrevo então:
"De madrugada acordo no escuro"! *
Mª João Brito de Sousa
26.10.2022 - 20.50h ***
publicado às 10:22