Maria João Brito de Sousa
Tela de Pablo Picasso (1881/1973)
ÉS O SOL *
Coroa de Sonetos *
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
1. *
És o sol que me aquece dia a dia
Na caverna que arrefece o meu viver
Sem ti o que seria do meu ser
Sem o amor que me dá tanta alegria *
Amar-te até ao fim é uma fatia
Do que mereces tu para te ter
E muito mais farei até morrer
Ao colo do frescor dessa magia *
À volta do teu seio e remanso
Reclino a cabeça e descanso
Estarei sempre alegre ao teu redor *
Que é meu esse ambiente essa frescura
Que me leva ao céu e à loucura
De ter no teu regaço o meu amor *
Custódio Montes
5.8.2022
***
2. *
"De ter no teu regaço o meu amor",
Lembro-me bem de em tempos tê-lo dito,
Mas essa é frase que não mais repito
Porque perdeu há muito o seu fulgor *
E esse meu sol deixou de dar calor,
Tornou-se, para mim, astro proscrito
Que se perdeu, talvez, no infinito
Que é, das grandes lonjuras, a maior... *
Mas pudesse eu no tempo recuar
E porque me conheço vou jurar
Que o mesmo sol de então me atrairia *
Sorrio e nem sequer penso em tentar
Andar pra trás, voltando a orbitar
Um astro que entender-me não sabia. *
Mª João Brito de Sousa
05.08.2022 - 14.50h ***
3. *
“Um astro que entender-me não sabia”
Mas voou pelo estro do meu ser
E me fez prisioneiro e renascer
Dum grande amor que eu já não conhecia *
E a cada hora mais ele se abria
A ponto de por ele me perder
Não pôde o coração se defender
E seguir outro rumo ou outra via *
Agora já nem sei se me conheço
Que tudo o que eu tenho lhe ofereço
O que tenho cá dentro e fora a pele *
Mas vivo tão contente e satisfeito
Que esse amor que lhe tenho tão perfeito
Me confunde: sou eu ou serei ele ? *
Custódio Montes
5.8.2022 ***
4. *
"Me confunde: sou eu ou serei ele?"
E exactamente o mesmo se passou
Comigo, quando o sol me deslumbrou
E me cegou até tornar-me dele... *
Porém, astro não há que não revele
O lado obscuro que antes não mostrou
E até eu fui aquilo que não sou
Enquanto ao sol queimava a minha pele *
Agora, enquanto leio o que me diz,
Lembro-me que dizia ser feliz,
Embora cada vez mais me anulasse *
E lá no fundo, muito lá no fundo,
Uma voz sussurrasse - a voz do mundo? -
Que era pura loucura, aquele impasse. *
Mª João Brito de Sousa
05.08.2022 - 16.00h ***
5. *
“Que era pura loucura, aquele impasse”
Mesmo assim prosseguiu o seu intento
Lançando o coração de asas ao vento
Pensando que ele ao céu fosse e o levasse *
Que a gente quando ama segue a face
Do belo imaginado e o pensamento
Sente tanta alegria a seu contento
Que segue irresistível esse enlace *
E nunca se arrepende o coração
Sem saber o motivo ou a razão
De seguir esse rumo e caminhar *
Nunca sente a tortura que o aflige
E todo o amor que tem ele o dirige
A quem quis para sempre ter e amar *
Custódio Montes
5.8.2022 ***
6. *
"A quem quis para sempre ter e amar"
Tive e amei enquanto foi possível,
Mas quando a tempestade mais temível
Rebentou sobre nós a ribombar *
Nenhum de nós sequer ousou brilhar
Que o espanto, também ele, é perecível
E o sol deixa de ser apetecível
Para quem nel`se acaba de queimar... *
O que passou, passou. Se houve saudade,
Pouco durou que a criatividade
Depressa se lhe veio sobrepor *
E nem sei se valeu, ou não, a pena...
Só sei que a peça já saiu de cena
E que foi escrita não sei por que autor. *
Mª João Brito de Sousa
05.08.2022 - 17.25 h ***
7. *
“E que foi escrita não sei por que autor…”
Que teve assim motivo de romance
Analisando à volta a performance
Do êxito e do auge desse amor *
Em coisas bem pequenas há valor
Que visto só depois e de relance
Dá tema ao autor para que avance
E faça boa obra ao seu redor *
Nem tudo o que se passa é problema
Mas de repente temos um dilema
Que não se pode mais ultrapassar *
No romance haverá uma maneira
De abrir então os olhos à cegueira
Terminando o casal feliz a amar *
Custódio Montes
5.8.2022 *
8. *
"Terminando o casal feliz a amar"
Ou em separação, se não houver
Melhor forma de tudo resolver
Até a tempestade se acalmar *
Que é, por vezes, melhor tudo acabar
Do que tentar fazer prevalecer
Amor que esteja à beira de morrer
E já sem esp`rança de ressuscitar... *
- Já tive um sol, mas todo o sol se esconde
Na linha de horizonte, ou sei lá onde
Queira um sol refazer o seu caminho... *
Possa este meu caminho solitário
Ser, por opção, o sol do meu solário
No ôco aconchegante do meu ninho! *
Mª João Brito de Sousa
05.08.2022 - 21.00h
***
9. *
“No ôco aconchegante do meu ninho”
Existe a esperança a reentrar
Com os netos e filhos a alegrar
A minha casa antiga, um meu cantinho *
A casa agora cheia de carinho
Com todos a correr e a nadar
A jogarem à bola e a saltar
E termos mesmo ao lado um bom vizinho *
O sol que nos aquece e acalenta
Clareia tudo à volta e a gente inventa
A forma de o gozar e resistir *
A sua intensidade e o seu calor
Deixamos-lo na sua hora pior
Para melhor em casa nos sentir *
Custódio Montes
5.8.2022 ***
10. *
"Para melhor em casa nos/me sentir"
Depois dessoutro sol ter ido embora,
Voltei a ser aquela que antes fora
E comecei, enfim, a produzir *
Todas as coisas que ousara trair
Sem que soubesse estar a ser traidora:
Acorda a Musa que comigo mora
Depois de estar vinte anos a dormir *
E volto a ser quem fui em tempos idos,
Dona e senhora destes meus sentidos,
Operária de versos e de telas *
Os outros que respondam, se o souberem,
Pelo que já fizeram - ou fizerem... -,
Que eu só sei compor versos, não novelas. *
Mª João Brito de Sousa
05.08.2022 - 23.00h *** 11. *
“Que eu só sei compor versos, não novelas”
Que estas apenas têm sentimento
Que é de aparato, ou menos, no momento
Em que forem passando pelas telas *
Não temos qualquer dor depois de vê-las
Nem nos causam tristeza ou lamento.
Num verso quando eivado de tormento
As dores ficam lá ao escrevê-las *
Escrita uma paixão que a gente teve
Ao tornar a lembrá-la não é leve
E nunca mais nos deixa e vai embora *
Deve-se, antes, pensar, sendo capaz,
Na alegria que chega e vem de trás
E não nessa paixão, de novo, agora.
Custódio Montes
6.8.2022 ***
12. *
"E não nessa paixão, de novo, agora"
Porque, nisso, eu e Musa de igual forma
Não sabemos mentir... Fugindo à norma,
Lançamos a verdade, verso afora... *
Nenhuma de nós duas "fingidora",
Nenhuma de nós chora ou se conforma
Com a mentira que tão bem contorna
O que a verdade grita a toda a hora... *
Mas deu-me o sol momentos de beleza
E a alguns recordo ainda com clareza,
Por isso em coro disse: És o meu sol! *
Deveria, talvez, ter-me calado,
Mas esta Musa, de ouvido apurado,
Tentou-me até morder isco e anzol... *
Mª João Brito de Sousa
06.08.2022 - 10.30h *** 13. *
“Tentou-me até morder isco e anzol….”
Mas valeu-me eu estar desconfiado
Senão ela ter-me-ia enganado
No seu canto orquestrado em dó bemol *
Fechou-me tudo à volta com lençol
Para que eu a não visse. Apaixonado
Resisti e depois de a ter deixado
Voltei para cantar à rouxinol *
E a minha amada então ficou contente
Passou de novo a ser meu sol nascente
E ser o meu destino, o meu desejo *
Ao vê-la logo aceno e digo adeus
Apresso-me a fazer seus olhos meus
E ficamos um só ao dar um beijo *
Custódio Montes
6.8.2022 ***
14. *
"E ficamos um só ao dar um beijo"...
Faça-se o seu presente o meu passado
Remoto, é certo, mas vivenciado
E belo como as águas do meu Tejo *
Pois sendo hoje mais amplo o que cotejo,
Parece o resto ter-se aligeirado,
Tomando a dimensão de um velho fado
No qual não cabe já qualquer desejo *
Também sou um produto do vivido,
Nisso me espelho e não há desmentido
Que me faça negar que houve alegria *
E uma absurda ilusão de ser feliz
Quando dizia, tal como aqui diz:
"És o sol que me aquece dia a dia"! *
Mª João Brito de Sousa
06.08.2022 - 12.30h ***
publicado às 13:21