A MÃO QUE ALIMENTA A GUERRA
Por aqui, mas não a alimente, por favor...
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Por aqui, mas não a alimente, por favor...
Veja porquê.
Maria-Sem-Camisa
*
Maria-Sem-Camisa, a sem dinheiro
Que passa pela vida ao Deus-dará,
Tem fama de ser estranha e de ser má
Mas é, tão só, poeta a tempo inteiro
*
Maria vai plantando em seu canteiro
Sementes de si mesma ... o que não há
Engendra-o Maria, e tanto dá
Ter pouco se tão rica foi primeiro
*
Maria-Sem-Camisa planta ideias
E disso vai colhendo o seu sustento
Sem cuidar da chegada ou da partida
*
Porque os frutos colhidos são candeias,
São estrelas a luzir no firmamento
Da órbita em que traça a sua vida.
*
Maria João Brito de Sousa
14.01.2008 - 21.15h
***
NOTA - Este foi o primeiro soneto que editei neste Blog
SONETO TARDIO
*
Mergulhei no sonho das alegorias
Já que de energias e sons me componho,
E o tempo é risonho se der garantias
De enfrentar fobias sem medo ao medonho.
*
Hoje pressuponho que, ao longo dos dias,
De conchas vazias, apenas, disponho...
Que mais me proponho quando, horas tardias,
Em vez de harmonias, encontro bisonho
*
Um tempo a que oponho sons e melodias?
Sim, houve avarias, mas não me envergonho
Das coisas que sonho. Se roubas fatias
*
Dessas fantasias de mel e medronho,
Depressa reponho quantas me desvias
Que entre as sombras frias me adentro e me exponho.
*
Maria João Brito de Sousa – 21.05.2019 – 21.16h
AMOR NÃO SE CONQUISTA
NEM SE IMPÕE
*
Amor não se conquista nem se impõe:
Sente-se num repente por alguém
E assim que chega, diz-nos a que vem,
Mostrando sem reserva o que propõe
*
De espanto e de ternura se compõe,
Por vezes toda a vida se mantém
Mas magoa bem mais que o que convém
Se apertam as algemas que nos põe...
*
Amor é de si próprio a recompensa
Pois quanto há de sublime, Amor condensa,
E quanto se abomina, Amor renega...
*
Mas pobre de quem ama em demasia:
Não tem remédio, Amor, nem garantia
Há contra as vendas com que Amor nos cega.
*
Mª João Brito de Sousa
27.07.2022 - 15.30h
***
"Os Amantes" - René Magritte
FERA E DONO
*
Tu estavas de joelhos junto à fera
- um titã que rugia, que rosnava -
Na tua face impávida, severa,
Nem sombra de temor se adivinhava
*
A morte ali, espreitando, à tua espera,
E cada gesto teu a ignorava,
Como se protegido pela esfera
Do aço que a vontade em ti forjava
*
- A fera é o Soneto!, afiançaste.
Não soube se o domaste, ou não domaste,
Porque a noite caiu. Fiquei com sono
*
E fui dormir. Ainda vislumbrei
Em sonho os vossos vultos, mas não sei
Qual de vós era a fera e qual o dono...
*
Maria João Brito de Sousa
16.07.2018 -13.06h
***
(soneto ligeiramente reformulado)
Pesquise também aqui, por favor
UMA LUZ
*
Coroa de Sonetos hendecassilábicos
*
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
*
1.
*
Eu tenho uma luz que clareia o olhar
Que cego nasci e cego tenho andado
Mas vou-me encostando bocado a bocado
Assim prosseguindo livre e a cantar
*
Cá dentro nasceu-me este mundo sem par
Com aves voando mais o seu trinado
Um céu com estrelas muito iluminado
Os corgos correndo directos ao mar
*
A cegueira à volta não deixava ver
Cá dentro gerou-se toda a claridade
Que engrandece a vida e me faz viver
*
Com sonhos libertos que me traz a idade
Tantos afazeres dentro do meu ser
Que me enchem a vida de felicidade
*
Custódio Montes
***
2.
*
"Que me enchem a vida de felicidade",
Tanto quanto baste para qu`rer vivê-la
Sem baixar os braços, sem desistir dela
E sem erguer nela templos à saudade
*
Que o tempo não pára, pronto se me evade
Não me dando espaço para o que ergo nela...
Insisto, contudo! Não me prende a trela
Da cegueira imposta, nem da validade
*
Do meu corpo gasto, que eu não tenho idade
Se escrevo ao compasso desta liberdade:
Galopa, galopa, cavalo sem sela,
*
Vai galgando as ruas da minha cidade
Que quando te esgotes, corre uma amizade
A dar-te uma força, a abrir-te a cancela!
*
Mª João Brito de Sousa
23.07.2022 - 10.45h
***
3.
*
“A dar-te uma força, a abrir-te a cancela”
E a palavra avança segue o seu caminho
Há-de haver quem tenha por ela carinho
Já que na escrita fica sempre bela
*
E iluminada posta sobre a tela
Exposta em soneto dentro dum livrinho
Alegra em casa e também ao vizinho
Caminha no mundo já fora da cela
*
Em cada paragem vai ser admirada
Já que a palavra bem feita e tratada
Enriquece a história para sempre fica
*
E vai-se a cegueira que aparece luz
Traz o raciocínio, riqueza produz
E a vida prossegue cada vez mais rica
*
Custódio Montes
2.7.2022
***
4.
*
"E a vida prossegue cada vez mais bela"
Quando iluminada por essa luzinha
Que assim que se acende, connosco caminha
Ainda que sendo pequena e singela
*
Como esta que emana da chama da vela
Que derrama aromas nesta sala minha
E que sempre acendo quando estou sozinha
Ou acompanhada, escrevendo na tela...
*
Seja a luz tão sábia e tão protectora
Que, à sombra, conceda uma ou outra hora
De repouso e pausa para os nossos braços
*
Que já percorreram tantas longas milhas
Quantos, no planeta, há de atóis e de ilhas,
Dos profundos mares, milenares terraços.
*
Mª João Brito de Sousa
23.07.2022 - 15.15h
***
5.
*
“Dos profundos mares, milenares terraços”
Por onde se anda sempre a divagar
Ou em pensamentos ou a imaginar
Lançando poemas por esses espaços
*
Que somos poetas sem ter embaraços
Compomos palavras no vento e no mar
Com sonhos de amor porque é tão bom amar
E com amizade mandamos abraços
*
A luz que ilumina o nosso pensamento
De dentro promana e é complemento
De toda a magia que dentro irradia
*
E por cá andamos de dia e ao sol posto
Com contentamento a poetar com gosto
Canções que nos trazem enorme alegria
*
Custódio Montes
23.7.2022
***
6.
*
"Canções que nos trazem enorme alegria"
E mais um lampejo da luz que acendemos
Ao juntar os versos com que entretecemos
Uma nova c`roa, como por magia...
*
Metade amizade, metade poesia,
Já cresce a estrutura... Tanto já fizemos!
Nesta nossa barca, ninguém pousa os remos,
Nem nas horas mortas da maré vazia!
*
Mas "depressa e bem" traz sempre um senão:
Queimei o arroz que apurava ao fogão...
Paciência! Que importa s`inda lhe aproveito
*
Quanto baste para uma refeição?
Não me importo nada, garanto que não:
Sou eu quem o come, com ou sem defeito!
*
Mª João Brito de Sousa
23.07.2022 - 16.40h
***
7.
*
“Sou eu quem o come, com ou sem defeito”
Eu como de tudo pois tenho vontade
Não falta apetite na realidade
E com um bom copo mais eu me deleito
*
Ao vir para a mesa tudo aproveito
Sou de boa boca sem sobriedade
Como a minha parte sem dificuldade
E durmo a sesta logo que me deito
*
Se o arroz se queima acompanho com pão
Deito algum na sopa sem complicação
E com o presigo o como também
*
E para além disso, fosse eu cozinheiro
Cozia o arroz em novo braseiro
Lavando a panela de novo e bem
*
Custódio Montes
23.7.2022
***
8.
*
"Lavando a panela de novo e bem",
Braseiro não tendo, vou-me contentando
C`o fogo que tenho - eléctrico e brando -
Que, apesar de brando, esturrica também...
*
A culpa foi minha, que culpa não tem,
O pobre aparelho, de eu estar poetando
Em vez de, aprumada, o ficar vigiando,
Mexendo o "risotto" e virando o acém...
*
Da próxima vez, não vou ser descuidada,
Nem virei prá sala até estar terminada
Refeição que tenha já posto no fogo...
*
Isto afirmo agora que estou bem escaldada,
Mas dentro de dias, de novo olvidada,
Não juro cumprir esta regra do jogo...
*
Mª João Brito de Sousa
23.07.2022 - 17.55h
***
9.
*
“Não juro cumprir esta regra do jogo...”
Mas falhamos sempre que temos um gosto
Assim como digo, consigo aposto
Que diz isso agora mas não o faz logo
*
Faço-lhe uma aposta que aceite, lhe rogo,
Ao ter muita fome, visível no rosto,
Com o tacho ao lume com conduto posto
Vá para a cozinha e acenda o fogo
*
Com a sua pressa de me responder
Ao ver meu soneto o seu vai fazer
Indo para a sala. Quando acabar
*
Lembra-lhe a panela que deixou ao lume
Mau cheiro inala e, como de costume,
Deixou o conduto de novo queimar
*
Custódio Montes
23.7.2022
***
10.
*
"Deixou o conduto de novo queimar",
Diz-me com tal graça que a rir me deixou
Tanto e de tal forma que se me olvidou
Um verso oportuno que pensara usar...
*
Aceito essa aposta que, sei, vou ganhar
Já que prá cozinha, de novo, não vou:
Comerei aquilo que já se queimou,
Não corro mais riscos de o arroz "bispar"...
*
Mas onde a luzinha que connosco estava?
Dela me esqueci enquanto gargalhava,
Mas penso que ainda lhe sinto a presença...
*
Ei-la aqui tingida de cores informais,
Sorrindo às apostas concretas, banais,
Que agora fizemos... sem sombra de ofensa!
*
Mª João Brito de Sousa
23.07.2022 - 19.05h
***
11.
*
“Que agora fizemos …sem sombra de ofensa”
Mas nestas apostas falámos do assunto
Que as nossas ideias em todo o conjunto
A luz pressupõem na sua presença
*
A ideia que chega e que a gente pensa
Não é luz acesa? Isso eu lhe pergunto
E o que nós dissemos é tema adjunto
É isso que penso com sua licença
*
A gente interpreta o seu interior
Pensamos a ideia, damos-lhe valor
Falamos connosco sentimos a vida
*
Voltamos à ideia, torna-se evidente
E assim cá dentro sinto-me contente
A cegueira acaba que vai de vencida
*
Custódio Montes
23.7.2022
***
12.
*
"A cegueira acaba que vai de vencida"
E em boa verdade, tem toda a razão
Pois nascem ideias da tal reflexão
Que nos ilumina. É verdade sabida!
*
Mas a nossa cr` oa, de improviso urdida,
Requer outra garra a que chamo paixão
- talvez raciocínio que ande em foguetão... -,
Veloz como a luz a que demos guarida!
*
Assim a Paixão e a Razão, de mãos dadas,
Tornarão mais belas estas caminhadas
De versos amigos e conversadores
*
Que se entreajudam se a Musa vacila:
Bem certo é que caia uma c`roa que oscila,
Que anda aos solavancos, que nem tem valores...
*
Mª João Brito de Sousa
23.07.2022 - 21.00h
***
13.
*
“Que anda aos solavancos, que nem tem valores...”
E quer que concorde? Não sei se o faça
Que assim o fazendo ninguém leva a taça
Nem nesta coroa seremos doutores
*
E eu que pensava receber louvores
Se assim pensarmos não teremos graça
E a nossa coroa resvala em desgraça
E de ouvir teremos outros professores
*
Ao ter eu pensado ver a claridade
Na luz que me vinha dar felicidade
Afinal não soube erguer este meu canto
*
Mas revendo agora o que se escreveu
Se é mau o meu canto bonito é o seu
E ao lê-lo de novo nele encontro encanto!
*
Custódio Montes
23.7.2022
***
14.
*
"E ao lê-lo de novo nele encontro encanto",
Tal como eu encontro que aquilo que disse
Foi que, solitária, seria tolice
Criar esta c`roa, tecer-lhe este manto
*
E a dois, este pouco, transforma-se em tanto
Que os versos redobram de tagarelice
E escrevo as ideias antes que as previsse:
Isto quis dizer, isso eu lhe garanto!
*
Luminosa e estável se encontra a coroa
Que está quase pronta e que muito bem soa
Ao humano ouvido que a queira auscultar
*
E embora alguns versos se riam à toa
- tonteiras que sei que o leitor me perdoa -,
"Eu tenho uma luz que clareia o olhar" !
*
Mª João Brito de Sousa
23.07.2022 - 23.00h
***
Espreite aqui, por favor
Aqui, por favor.
Iluda-se aqui, por favor
"O SONO DA RAZÃO PRODUZ MONSTROS"
Francisco de Goya
***
RAZÃO - Coroa de Sonetos
*
Mª João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues
*
1.
*
Chegaste escondida nas asas do tempo:
És ré sem sentença nem culpa formada
E germe da força que (in)gere o talento
Duma humanidade confusa e cansada
*
Encontro-te sempre. Não te oiço um lamento
Que a raiva - até ela! - se quer registada
Num ficheiro próprio e num só documento
Conquanto te nasça por tudo e por nada...
*
Chegaste e provaste de todos os frutos:
Exultaste os partos, choraste os teus lutos,
Sonhaste os teus sonhos, lavraste o teu chão...
*
Hoje destronada, Razão que aqui canto,
Quem ousa remir-te envergando o teu manto
Que sempre foi pródigo e fértil, Razão?
*
Mª João Brito de Sousa
16.07.2022 - 12.40h
***
Gravura de Francisco de Goya
***
2.
*
"Que sempre foi pródigo e fértil, Razão?"
um manto de luz pejado de estrelas
ou apenas triste, magra escuridão
que nem tua Musa se oferece p'ra vê-las.
*
Porquê tanto encómio na mente/razão
se ela funciona, em nós, como trelas
prendendo o sentido da nossa emoção
que ela se nega demais por contê-las?
*
Razão, ó razão, que és "razão pura"
não estragues dos versos a linda figura:
deixa extravasar o medo de Ser!
*
Porque, sendo mente, és pura estrutura
pejada da história que vem da cultura
e vai perseguir-te, depois de nascer.
*
Laurinda Rodrigues
***
3.
*
"E vai perseguir-(me) depois de nascer",
Sem medos, que medo não sinto... que queres?
Seduzem-me os monstros que deito a perder
No poço sem fundo dos fracos prazeres...
*
À Razão não perco e pretendo-a manter
Dialéctica eterna dos meus afazeres...
Não a quero pura nem estática ver,
Porque ela só pára se a não entenderes
*
E viva se espelha nas mãos proletárias,
De maneiras tantas, de formas tão várias,
Que os seus belos frutos sempre irão brotar
*
Ao longo de ramas reais, necessárias
Às almas obreiras e extraordinárias
Que entendem ser justo a Razão resgatar.
*
Mª João Brito de Sousa
18.07.2022 - 13.08h
***
4.
*
"Que entendem ser justo a Razão resgatar"
e dar-lhe o estatuto de criatividade
mesmo que, depois, a mente larvar
só produza ideias da posteridade.
*
Ó ervas daninhas, crescidas no ar,
da vossa presença não tenho saudade.
Quero enlouquecer e me apaixonar
sem ter normativos de terceira idade.
*
E, como uma onda, cobrir os sentidos
de torpes palavras e agudos gemidos
deixando na terra o gosto das águas...
*
Talvez sejam gestos, há muito esquecidos
em sono acordado de sonhos dormidos,
de uma alma insana nascida de mágoas.
*
Laurinda Rodrigues
***
5.
*
"De uma alma insana nascida de mágoas"
Nasceram dif`rentes posturas de classe:
Conspira o burguês, cria montros e fráguas
Que amansem "proletas", vencendo esse impasse
*
Cruzam-se os seus barcos. Vão mansas as águas...
Tão só de aparência pois quem as olhasse
Sondando o que cresce para além das tábuas,
Veria o que eu vejo... e talvez não gostasse...
*
Mas para que o saibas, aqui te confesso
No Pós-Modernismo ter visto progresso...
Cresci seduzida por ele. E contudo,
*
Amadurecida, só vi retrocesso...
Ser escriba ou poeta é todo um processo
De talento - é certo! - mas também de estudo.
*
Mª João Brito de Sousa
18.07.2022 - 16.50h
***
6.
*
"De talento - é certo! - mas também de estudo"
criaste teu espírito de Razão letrada.
Eu só partilhei o cinema mudo
onde todo o gesto é gesto de fada.
*
Percebo, no entanto, um pouco de tudo,
um tudo de tudo, um tudo de nada...
e, sempre sonhando, eu nunca me iludo
nem às frustrações eu fico fixada.
*
Se o mundo se arroga o Ser da Razão
deixando que morra o amor e a paixão
que sempre fecunda a terra e o mar,
*
Sempre gritarei ao outros meu "não"
por quererem impor essa reclusão
que a Razão impõe, em vez de sonhar.
*
Laurinda Rodrigues
*
7.
*
"Que a Razão impõe, em vez de sonhar"?
És tu quem o diz, que eu nunca o diria,
Já que é pelo sonho que me hei-de guiar
De dia e de noite, de noite e de dia
*
E à Razão, coitada, querem-na enterrar
Com sonhos e tudo, junto à mais-valia
Da mão que trabalha pra pouco ganhar
Que o grosso do lucro alimenta a avaria...
*
Em boa verdade te digo e repito
Estar ela em extinção neste mundo em conflito
Por ser dela o sonho que se concretiza
*
E tudo isto é fruto de um esquema, de um mito,
Que a quer difamada para que o aflito
Não saiba nem sonhe quanto idealiza!
*
Mª João Brito de Sousa
18.07.2022 - 20.30h
***
8.
*
"Não saiba nem sonhe quanto idealiza"
é imperativo do Código que indica
as razões do jogo, que o jogo precisa
p'ra salvar o Ego, de que nunca abdica.
*
É tal sua força, que julgo exterioriza
que tem de enfrentar o medo, que fica
quando, à noite, só e triste, precisa
dessa mão e colo que o dulcifica.
*
Somos todos sábios e néscios na vida
a querer desvendar sentido à partida
p'ra morte que chega, nunca com razão...
*
E usamos a história, que foi muito lida,
contando o segredo e a mágoa da ferida
por termos matado nosso coração.
*
Laurinda Rodrigues
***
9.
*
"Por termos matado nosso coração",
Dirão alguns néscios e sábios em coro
Não compreendendo que foi a Razão
Que foi despojada da c`roa de louro
*
E logo enterrada em três palmos de chão
Pela burguesia sedenta do ouro,
Senhora da guerra que actua à traição
E nos manipula sem qualquer decoro
*
Não vês que anda o mundo cego e tresloucado,
Que tudo confunde, virtude e pecado,
E que andam os pobres cada vez mais pobres,
*
Que embora pulsando num peito estouvado,
Nem um coração foi detido e julgado
Em nome de causas que se afirmam nobres?!
*
Mª João Brito de Sousa
19.07.2022 - 09.10h
***
10.
*
"Em nome de causas que se afirmam nobres",
a Razão declara submissão e paz,
com promessas vãs que sempre descobres
estar pr'além daquilo de que se é capaz.
*
Assim divididos um e outro, encobres
que a sua verdade é mentira e jaz
entre a multidão de ricos e pobres
que acabam iguais, quando a morte apraz.
*
Em nome da honra e do compromisso
brincas à Razão e invocas feitiço,
destino cruél que vem do Além.
*
Mas - ai! - já não escapas e acreditas nisso
pois é com palavras que a maldade atiço
em forma de medo, de raiva ou desdém.
*
Laurinda Rodrigues
***
11.
*
"Em forma de medo, de raiva ou desdém"
Respondes àquilo que serena exponho...
Qual de nós conhece tudo o que convém
Ao homem que cresce dentro do seu sonho?
*
Desdenha, enraivece... nada nos detém,
Nem sequer o monstro mais cru, mais medonho
Que afronte e desminta um homem de bem,
Redimido agora, jamais enfadonho
*
Desconheces, creio, que o capitalista
Destrói a Razão pra que ela desista
De ser ferramenta dos trabalhadores
*
Eu, que em mim a trago, tenho-a por benquista
Irmã do explorado, Musa do artista
E um alvo a abater, para os seus censores.
*
Mª João Brito de Sousa
19.07.2022 - 11.26h
***
12.
*
"E um alvo a abater, para os seus censores"
descobres na pele, nos nervos, Razão?
É Razão porquê, se são delatores
e, sem caridade, não estendem a mão?
*
Estarás a ser alvo de estranhos temores
de um planeta exangue, com fome de pão,
sem qualquer resposta de dias melhores
mergulhado apenas na destruição?
*
Nas minhas entranhas, é certo que sei
que todo o presente é fruto da lei
que já vigorou em tempos passados...
*
Não falo, nem escrevo, sobre aquilo que dei,
o que recebi, aquilo que esperei...
Apenas desejo novos seres alados.
*
Laurinda Rodrigues
***
13.
*
"Apenas desejo novos seres alados",
Ícaros - quem sabe? - com asas de cera,
Mais tarde ou mais cedo sendo castigados
Plos deuses irados do topo da esfera
*
Tal qual a Razão foi, por seus jurados
Sem escudo lançada na jaula da fera
De compridas garras, dentes afiados
E a ferocidade sem fim da quimera
*
Tu e eu, burguesas privilegiadas,
Temos perspectivas bem distanciadas:
"Nem guerra entre os povos, nem paz entre as classes!"
*
Sim, são bem bonitas essas tuas fadas,
Mas que sabem elas de bocas esfaimadas,
Dos povos sem terra e dos grandes rapaces?
*
Mª João Brito de Sousa
19.07.2022 - 15.00h
***
14.
*
"Dos povos sem terra e dos grandes rapaces"
sei mais do que pensam ou julgam pensar...
Nasci de outra vida em tempos fugaces
onde não havia Razão para cantar.
*
No entanto cantei, sem temer as classes,
brincando ao poder que quer dominar...
E, sendo mulher de poucos enlaces,
troquei-lhes as voltas e soube singrar.
*
De burguesa tenho poesia editada
que posso exibir, quando estou tentada
a jogar, com os outros, esse passatempo...
*
E, um dia, a Razão há-de estar parada,
abrindo-te as portas quando, p'la calada,
"chegaste(,) escondida nas asas do tempo".
*
Laurinda Rodrigues
***
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