Maria João Brito de Sousa
NÃO ME SAI... * Coroa de Sonetos *
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
1. * Não me sai cantiga que possa agradar
A voz que eu tenho só quer brincadeira
Esconde-se às vezes e, namoradeira,
Fala só baixinho, não se quer notar *
O amor esconde-a, só pensa em amar
Não canta à segunda nem canta à primeira
Só fala baixinho sem ninguém à beira
Não se ouve por perto, não se ouve a cantar *
Há muito que cala, não quer escrever
Devia contar e contar a valer
Porque se não canta contava uma história *
Em parte inventada de que se gostasse
E assim fosse lida para que ficasse
Se não fosse em canto, seria em memória *
Custódio Montes
22.6.2022 ***
2. *
"Se não fosse em canto, seria em memória",
Ou juntos, em ambos... Seria perfeito
Cantar a memória trinada a seu jeito,
Compondo-se o canto ao compasso da história *
Eu, sempre que o faço, não procuro glória,
Só persigo a força que trago no peito
E tento alcançá-la escrevendo a preceito,
Sabendo, contudo, ser meta ilusória *
Pois não me sai nunca como eu quereria:
Desafino às vezes quando a melodia
Tropeça nas ondas da banda sonora... *
Só de quando em quando, pra meu desespero,
Sai exactamente o canto que quero
Da pauta invisível que a Musa elabora. *
Mª João Brito de Sousa
22.06.2022 - 12.53h *** 3. *
“Da pauta invisível que a musa elabora”
Mas não tenho musa sou de trás os montes
Para a alcançar passaria horizontes
E daqui me iria para aí agora *
Fazer bem queria e de hora a hora
Ia pela estrada passaria pontes
Oh musa ajuda queria que contes
Uma história linda, sê minha editora *
Um canto cantava se a voz me ajudasse
Se a força viesse, se não me faltasse
Mas estou doente da minha cabeça *
O canto não surge e o conto não vem
De ajuda preciso que me ajude alguém
Eu estou à espera que a musa apareça *
Custódio Montes
22.6.2022 ***
:)
4. *
"Eu estou à espera que a musa apareça",
Mas a sua Musa já pôs mãos à obra
E nela só vejo saúde de sobra:
Canta como poucas, corre bem depressa! *
Afinal de contas, que doença é essa,
Que lhe não faz mossa e à Musa não dobra?
É mais dura a minha porque em dor me cobra,
Quando estou doente, tudo o que eu lhe peça... *
Não me sai da mente que está enganado,
Que dessa maleita está mais que curado
Ou que a sua Musa bebeu café forte! *
A minha, coitada, bem mais vagarosa,
Está boquiaberta porque nem na prosa
Consegue ser ágil, já não tem tal sorte... *
Mª João Brito de Sousa
22.06.2022 - 14.07h ***
5. *
“Consegue ser ágil, já não tem tal sorte…”
Diz isso da musa? tem que me explicar
Porque é que diz coisas para enganar
Se ela é vigorosa com seu alto porte *
E a tudo responde, com belo recorte
E sempre a seu jeito sem nunca faltar
Porque é que a maltrata sem ela falhar
Como a sua dona, sua fiel consorte? *
Toda a gente sabe que se porta bem
Escolhe as palavras melhor que ninguém
Não insulte a musa que ela não merece *
Musa tão distinta quem a não queria
Só lhe traz vantagens e tanta alegria
E todos nós vemos como lhe obedece! *
Custódio Montes
22.6.2022 ***
6. *
"E todos nós vemos como lhe obedece"...
Não sei se ela a mim, se muito inversamente
Sou eu quem a segue obedientemente
Sempre que ela ordena, por mais que eu tropece... *
Se um verso me escapa, logo ela outro tece
E quando eu fraquejo, ela, eficiente,
Engendra um soneto e, assim, num repente,
Depõe-mo nos braços e desaparece... *
Sem ela não vivo e, sem mim, não existe
A estouvada Musa que não me resiste...
Nem eu lhe resisto, mesmo que zangada *
Me custe aturar-lhe caprichos, manias,
Ausências, amuos e outras avarias:
Sem Musa, confesso, não presto pra nada! *
Mª João Brito de Sousa
22.06.2022 - 19.50h ***
7. *
“Sem musa, confesso, não presto pra nada”
E a musa, esperta, se disso souber
Sobe-lhe a parada, ficará a ter
Pose diferente bem mais complicada *
Então sua dona, muito atarefada
Rodeia a menina para a entreter
Anda à volta dela para a convencer
Que se a ajudar ficará afamada *
Vai perder seu tempo, fico por aqui
Deixe lá a musa pense mais em si
Que a musa é feita com o que se escreve *
Deve-lhe mais ela pelo que a gaba
Porque o seu talento nunca mais lhe acaba
Nada deve à musa, ela é que lhe deve *
Custódio Montes
22.6.022 ***
8. *
"Nada deve à musa, ela é que lhe deve"
E ficamos pagas, que uma perfazemos
Nas duas metades que aqui vos trazemos
Unidas prá vida que é bela mas breve *
Criando e escrevendo até que nos leve
O dia ou a hora na qual prescrevemos
Com tudo o que somos e tudo o que temos
Desfeito num nada, que assim se prescreve... *
Amigo, esta Musa é pura abstracção,
Deleite, volúpia, profunda atracção
E muito do pouco de bom que há em mim: *
Quando digo Musa, digo alma, razão,
Amor, rebeldia, raiva, compulsão,
Êxtase diante de um espanto sem fim... *
Mª João Brito de Sousa
22.06.2022 - 23.00h
***
9. *
“Êxtase diante de um espanto sem fim…”
E é isso tudo, muito mais diria
E se ela é tristeza, mais é alegria
Para a minha amiga e também para mim *
Se a musa se inventa, pensa-se em jardim
Em campo de flores envolto em magia
Num canto à noite e ao nascer do dia
Salto em poema como em trampolim *
Alcança-se um gosto, pinta-se uma imagem
E no seu conjunto segue uma mensagem
Criando-se um mundo mais belo e melhor *
E neste volteio, nesta criação
Expande-se a alma e ama o coração
Num manto diáfano e de esplendor *
Custódio Montes
22.6.2022 ***
10. *
"Num manto diáfano e de esplendor"
Que ferve e transborda de imaginação,
Tão depressa brisa quanto furacão,
Moldamos palavras e damos-lhes cor *
Que c`roa que é c`roa exige labor
E pra nós, poetas, cumpre uma função
De espontaneísmo, quanto à confecção,
De perfeccionismo, quanto ao seu teor *
Não me sai da ideia, nem quero que saia,
O verso que nasce, desponta e se espraia
Numa imensa c`roa que, por fim, se fecha *
No exacto ponto em que foi começada:
Circular, perfeita, quando bem fechada
Mas, se entusiasmada, veloz como a flecha! *
Mª João Brito de Sousa
23.06.2022 - 10.20h ***
11. *
“Mas, se entusiasmada, veloz como a flecha”
Ela então canta, já corre, já voa
Já me sai da mão, um cântico entoa
E Já não se encolhe já não é lamecha *
Agora encanta e já não se fecha
E diz o que pensa doa a quem doa
E até já crítica e nunca perdoa
Uma má palavra, simples ou complexa *
Demos rédea solta à imaginação
Porque assim a musa já tem condição
Para dar o salto, podendo cantar *
Andar com o vento, caminhar no mundo
Envolta em percurso mais lindo e profundo
Para ter no canto uma forma de amar *
Custódio Montes
23.6.2022 ***
12. *
"Para ter no canto uma forma de amar"
Galopa no verso, febril, apressada,
Que assim é tecida quando apaixonada
Plos versos que engendra num simples tear *
Não pára, uma C´roa! Pode lá parar
Se os versos que entoa por tudo e por nada
Seguem o compasso da tal galopada
Que dedos e teclas nem tentam frear? *
Pra si, o jardim, pra mim a floresta...
Por distintos rumos seguimos em festa
E embora distantes sempre nos cruzamos *
Que o Espaço e o Tempo, nesta imensidão,
São sempre o oposto daquilo que são
Se mudos e quedos, por vezes, ficamos... *
Mª João Brito de Sousa
23.06.2022 - 12.35h *** 13. *
“Se mudos e quedos, por vezes, ficamos…”
Mesmo que apeteça cantar e contar
Mas esta preguiça, este mal-estar
Em paz não nos deixa e em guerra estamos *
Guerra da palavra pela qual lutamos
Que não vence às vezes mas sempre a lutar
Pela paz vencida mas sem se parar
Sem se ter descanso mas sempre voltamos *
Sem voz não cantamos, então escrevemos
Porque a musa ajuda, a musa que temos
Fica para a história e para recordar *
E imaginando não ficamos sós
O que nós contamos mesmo sem ter voz
Ficará escrito num estro sem par *
Custódio Montes
23.6.2022 ***
14. *
"Ficará escrito num estro sem par"
E talvez - quem sabe? - a alguém "contamine"
Qual vírus, dos úteis, que passe e sublime
A humana angústia do extremo pesar *
De alguém que sozinho não saiba encontrar
Palavras pr`aquilo que sente e não exprime,
Mas que um bom poema acalma ou redime
A troco de nada, por nada custar... *
Sai-me uma cantiga das mais pensativas,
Ou outra que alegra, de notas mais vivas...
Todas as cantigas são pr`aproveitar *
Mas se uma dor forte, mais forte que a Musa,
Me deixa prostrada, doente e confusa,
"Não me sai cantiga que possa agradar". *
Mª João Brito de Sousa
23.06. 2022 - 14.45h ***
Imagem Pinterest
publicado às 09:44