Maria João Brito de Sousa
SILÊNCIO II *
Silêncio! Nem protestos nem queixumes
Soltam os versos mortos insepultos;
Perdem-se nos desertos dos ocultos
As aves desgarradas, quando implumes. *
Não há escudos pra espadas de dois gumes
Nem há contra-veneno para insultos
E o meu silêncio nunca paga indultos
Nem serve a desistência em que o presumes *
Arranco um verso ao prazo ultrapassado
De um mísero estertor dos meus sentidos
Que a ferro e fogo foi reconquistado *
E já perdi a conta aos que, perdidos,
Deixei ficar pra trás... Ah, naufragado,
No teu silêncio afogo os meus gemidos! *
Maria João Brito de Sousa - 25.07.2021 - 13.22h
*
Fotografia de António de Sousa, meu avô poeta
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_de_Sousa_(poeta)
publicado às 13:28
Maria João Brito de Sousa
MAR REDENTOR *
Só o mar que do mar nunca volta
É do rio tanto cais quanto fonte
E na onda que em espanto se solta
Ergue um muro e também uma ponte *
De água azul e de espuma revolta
Entre mim e o longínquo horizonte,
Essa linha amovível que escolta
Cada além que ao meu sonho confronte *
Quando a onda nas rochas quebrando
Vem dizer-me que o mar ora é brando,
Ora em fúrias e raivas se exprime *
Digo a medo ou apenas segredo
Que deixei de ter medo do medo
E que o mar mesmo irado redime. *
Maria João Brito de Sousa - 04.06.2021 - 09.40h
*
Fotografia de Nuno Fontinha
publicado às 09:49
Maria João Brito de Sousa
OUSADIA *
Como é precária a nossa eternidade,
Ainda que a julguemos ser sem fim,
Nós, folhitas caducas do jardim
Da nossa muito humana veleidade... *
Nem Cronos, incorpóreo, cuja idade
Jamais foi calculada, entende assim
Eterna a duração do seu festim
E infindo o seu reinado de deidade... *
Será loucura ousar falar por ele
Ainda que o mal saiba definir
E nunca possa, eu, vestir-lhe a pele? *
Quão ousada serei por presumir
Saber das mil razões que são só dele
E que nem mesmo ele ousa assumir? *
Maria João Brito de Sousa - 03.07.2021 - 13.57h
publicado às 13:59
Maria João Brito de Sousa
SONETO DE AMOR *
Como julguei eterno o teu sorriso
E doce como mel senti teu beijo;
Se eterno e doce fora o teu desejo,
Ter-te-ia oferecido um paraíso... *
De ti, colhi bem menos que o preciso...
Ah, pudesse um de nós ter tido ensejo
De mudar, por inteiro, o curso ao Tejo
No tempo de uma vida e sem aviso... *
Soubesse eu transformar um sofrimento
Mais desconforme do que uma montanha
No passe da magia de um momento *
Em nuvem passageira e vaga e estranha...
Mas não o soube e, agora, não lamento
Ter deixado passar paixão tamanha. *
Maria João Brito de Sousa - 01.07.2021- 12.45h
publicado às 09:47
Maria João Brito de Sousa
PENEIRO DUZENTOS *
Não é, a perfeição, uma entidade,
Mas um conceito abstracto e relativo
Criado pela própria humanidade
Que nele encontra, ou não, um objectivo. *
Ao prosseguir na busca da verdade,
Tudo faço passar plo fino crivo
Da intuição e da objectividade
Que tão mais prezo quanto mais cultivo *
Nesta labuta, neste meu garimpo,
Cada razão tentei tirar a limpo
E a todas tentei ver com nitidez... *
Há porém tantas, tantas perspectivas,
Que, às tantas, tornei largas, permissivas,
As malhas do peneiro que em que me vês... *
Maria João Brito de Sousa - 30.06.2021 - 13.55h
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Ao engº Alberto Rodrigues
publicado às 09:17