Maria João Brito de Sousa
MEMÓRIAS DE FEITICEIRA
*
Não haverá deus ou homem
Seja poeta ou guerreiro,
Que me prenda a uma estrada
Ou me acenda uma fogueira,
Que eu fiz o voto-votado
De nunca ser cativada
Nem comprada por dinheiro.
*
Fiz o voto de ser eu;
Sem assumir cores alheias,
Prometi a Prometeu
Nunca adorar outro deus,
Nem meter-me em espopeias.
*
Fiz o voto-votadinho
De me viver por inteiro
Muito longe do meu ninho,
Muito longe do canteiro,
Nunca mais corpo-de-pão,
Nunca mais sangue-de-vinho...
*
Ficou-me um vago cheirinho
De mel e de rosmaninho;
Memórias de feiticeira
Com fama, sem ter proveito,
De chama em seara alheia.
*
Maria João Brito de Sousa
1994
publicado às 10:29
Maria João Brito de Sousa
Para sorrir um pouco, queira clicar aqui, por favor.
publicado às 11:43
Maria João Brito de Sousa
CAPTURAS E CATIVEIROS *
"Acostumei-me a vê-lo todo o dia"
Assim que ao debruçar-me da janela
Olhava a rua, quem passava nela
E quanta flor na rua florescia. *
Ele era um simples ponto que crescia
Num horizonte em que a manhã singela
Coloria de azuis a vasta tela
Que o pequenino ponto percorria *
Até delinear o vulto vivo
Do beija-flor que hoje ante ti deponho,
Porquanto aqui to trago já cativo, *
Enquanto a cativar-te me proponho;
É como se sem isco, nem motivo,
"Aquele beija-flor fosse o teu sonho!" *
Maria João Brito de Sousa - 03.04.2021 - 13.30h * Entre aspas, versos de Auta de Sousa. Soneto criado para uma rubrica do Horizontes da Poesia.
Imagem - Tela de Rick Beerhorst
publicado às 13:54
Maria João Brito de Sousa
CADA POEMA
*
Cada poema Tem asas de papel nascendo incertas Como velas rumando à descoberta Da Ilha de S. Nunca da partida
* Quando ressurge Muito embora vencido é temerário Como a luta tenaz de cada operário Que aspira à igualdade prometida
* Onde um termina Começa um outro verso inevitável Cada um deles gerando um infindável Rosário de memórias de uma vida
* Cada poema Tem alma de mulher, corpo de chama De onde irrompe uma voz que então proclama O culminar da luz na pele rendida
* Cada poema É raiva, urgência, amor, Silêncio, grito e voz da mesma dor Numa explosão domada ou incontida
* Cada poema É mais do que uma inércia ou um transporte, É eixo, é a matriz deste suporte Das minhas transgressões de fera ferida
* Cada poema Tem sempre a dimensão de um corpo estranho, Imensurável, pois não tem tamanho, Porta-voz de uma força indesmentida
* Quando ressurge Muito embora vencido é temerário Como a luta tenaz de cada operário Que aspira à igualdade prometida
* Onde um termina Começa um novo verso inevitável, Cada um deles gerando um infindável Rosário de memórias de uma vida.
*
Maria João Brito de Sousa – 16.09.2010 – 14.38h
Parto da Viola, Amadeo de Souza-Cardoso
publicado às 10:32
Maria João Brito de Sousa
É DAQUI QUE TE ESCREVO
*
É daqui que te escrevo,
desta vontade que me veste de Abril
de poemas e de trapos, também
*
Daqui,
de onde me reconheço em ti espelhada
embora o perfil simples do meu cravo
sem nome nem espinhos
e
tão menos glorioso
pareça vergar-se a cada verso que canta
*
Mas é daqui,
deste lado aguerrido de mim
onde vestida de um Abril em farrapos
não dispo Abril
apesar do despontar
duma resistência que te não sei explicar
mas presumo que
ninguém imaginaria florescendo ainda
*
Daqui,
de onde também eu
aprendi a amar a solidão
e
a recriar o mundo
na sombra da ausência
dos anos – tantos… - do verde caule
de um mesmo sonho de pétalas ao rubro
*
Daqui
e
porque o poema me apetece
insurrecto e vermelho
este escrever-te
sem rima nem medo
com as armas florindo num canto maior
*
Maria João Brito de Sousa – 19.06.2011 – 16.31h
*
A um camarada que ainda estava entre nós
no ano de 2011
publicado às 11:13