Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores.
...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
Não me apontem sentidos quando vejo Que sigo um rumo próprio e produtivo E que vou mais além, se tenho ensejo De enchê-lo das razões de que me privo *
Quando, num verso, encontro o tal solfejo E, num soneto o lanço, agreste e vivo! De assim tão vivo o ver, logo o protejo Quer passe, quer não passe, pelo crivo *
De quem possa julgar que o não cotejo - embora em gesto quase intuitivo... - Enquanto o vou escrevendo, se o desejo *
Como sempre o desejo; sensitivo, Ritmado - claramente! - e, como o Tejo, Ousado, impetuoso e compulsivo.
Teus versos, réus de altíssima traição No tribunal das causas mais sagradas, Condenaram-me o corpo a tal paixão Que as mãos se vão perdendo, atormentadas, *
E não encontram já satisfação, Nem rendidas me tombam de cansadas, Pois vão de sensação em sensação, Loucas por sensações não exp`rimentadas *
E conduzem-me, toda frustração, À tentação de as ver desnorteadas Até à mais completa rendição, *
Pois quanto mais perdidas, mais achadas Nessa mais que (im)perfeita condição De, por ti, terem sido atraiçoadas. *
São como sal na f rida em carne-viva, Estas estrofes que alheada escavo, Curvada sobre a rima, o verso à d`riva Sobre um destroço que antes fora um cravo *
Mas, à rotina que me tem cativa De criação de tão amargo travo, Veio juntar-se, abrupta e punitiva, A sanção relativa ao desagravo *
Da voz canónica e repetitiva Cujo "vibrato" foi ficando escravo Do dogma e sua ilustre comitiva *
Que lá do topo do seu desconchavo, Em plena (dis)função judicativa Decreta que o que leu "não vale um chavo". *
Ao povo português que, desobedecendo a uma ordem directa, invadiu as ruas em 25 de Abril de 1974 e transformou um golpe militar numa verdadeira revolução.
Vem desvendar-me a cor destes sentidos, Deslinda-me o compasso em descompasso, Pressente os dedos hábeis e compridos Das mais simples palavras que aqui traço... *
Em ti, mesmo que apenas pressentidos, Terão a dimensão do mesmo abraço Com que, letra por letra concebidos, Magicamente, ou não, se abrem num laço... *
Ah, soubesse eu que podes decifrar-me E que, por cada letra que te estendo, Te aponto mil razões pra adivinhar-me, *
Ou que pudesses ver, no que desvendo, A cor dos sons que entendem visitar-me Na paleta do verbo em que me acendo... *
Maria João Brito de Sousa - Março, 2016
In A Ceia do Poeta - (inédito) ***
2. *
“Na paleta do verbo em que me acendo...”
Escrevo a tinta azul como convém
Misturo o vermelho e também
As cores que me chegam e vou vendo *
Depois à claridade vou cedendo
Em tons que vejo e apanho nesse além
Provindo do horizonte e que me vem
Das imagens que chegam e vou lendo *
Palavras que componho em harmonia
Com tudo o que me vai no coração
À paleta dou luz, sinestesia *
Envolta numa troca de oração
Tentando que esta minha poesia
Não me fuja nem entre em contramão *
Custódio Montes
20.42021 ***
3. *
"Não me fuja nem entre em contramão"
Verso que das entranhas me nasceu,
Tal como das entranhas nasci eu,
De minha mãe, depois da gestação... *
Há sempre um tom escondido na canção
Que a paleta dos versos prometeu
E canta cada cor que se escondeu
Na palma agora aberta desta mão. *
As letras são pequenas criaturas
Que se juntam em grupos coloridos
Para formar orquestras e pinturas *
Que são captadas pelos meus sentidos
E que ao som de invisíveis partituras
Subvertem mil princípios estatuídos. *
Maria João Brito de Sousa - 20.04.2021 - 17.33h
***
4. *
“Subvertem mil princípios estatuídos.”
Mas sem essas palavras que seria
Nada mais que um montão, cacofonia
Sem grandes pensamentos construídos *
Agrupadas em tons bem coloridos
As palavras contêm a melodia
Que ouvimos e nos trazem alegria
Mantendo-nos no sonho embevecidos *
As letras são as cores das palavras
Que enfeitam a conversa e a nossa vida
São sementes que crescem entre as lavras *
Pintada a palavra é colorida
Nunca deteriora ou escalavra
O tema (em) que, com cor, fica inserida *
Custódio Montes
20.4.2021 ***
5. *
"O tema (em) que, com cor, fica inserida"
Transmuta-se em cenário ou em paisagem
E faz, cada palavra, uma viagem
Em direcção à terra prometida *
Que é um soneto quando ganha vida
E, embora formal, vibra selvagem,
Metade som e outra metade imagem
Numa duplicidade garantida... *
Minh` âncora é também isto que faço
E a minha barca, que nasceu comigo,
Faz-se num dia ao mar e noutro ao espaço *
Sem ter destino nem porto de abrigo;
Mil sensações nascendo em cada traço
E esta semi-cegueira - o meu castigo! *
Maria João Brito de Sousa - 20.04.2021 - 18.49h ***
6. *
“E esta semi-cegueira - o meu castigo”
Mas eu nessa cegueira vejo luz
E ao ver tudo tão claro isso seduz
E corro sem saber se o consigo *
Mas se falhar, amiga, é cá comigo
Porque esta desgarrada que propus
A novas árias lindas me conduz
E corro indiferente no perigo *
O jogo das palavras traz encanto
Alumia a candeia ao pensamento
E ao vir a ideia então eu me levanto *
Afasto as amarguras e o tormento
E fico tão contente no meu canto
Que sou muito feliz nesse momento *
Custódio Montes
*** 7. * "Que sou muito feliz nesse momento"
Em que o verso me nasce e, sem travões,
Bem mais depressa voa que os tufões
Não causando, contudo, sofrimento *
Que o verso é sábio, mago e tem talento;
Por tudo e nada se exalta em paixões
E arrebata os nossos corações
(embora o meu já esteja sonolento...) *
Como é dif`rente escrever devagar
De escrever a galope, à rédea solta...
Amanhã voltarei a galopar! *
Sumiu-se-me a visão. Hoje não volta,
Mas amanhã, assim que eu acordar,
Renascerá, embora em névoa envolta! *
Maria João Brito de Sousa - 20.04.2021 - 21.05h ***
8. *
“Renascerá, embora em névoa envolta!”
Às vezes com um olho é-se rei
E mesmo assim governa ele a grei
E anda toda a gente à sua volta *
A palavra é assim e anda à solta
Mas ordenada bem como é de lei
É monumento em si como logrei
Ver na forma tão bela como a escolta *
Queixume muitas vezes é a mais
A névoa não impede o seu valor
A palavra consigo tem ramais *
Que expressam pensamentos com fulgor
Em poemas que são monumentais
Em tudo que lhes dá com tanto amor *
Custódio Montes
20.4.2021 *** 9. *
"Em tudo que lhes dá com tanto amor",
E em dobro cada verso lhe devolve
Quando em doçura infinda se dissolve
No poema a que empresta o seu sabor. *
Queixume? Não, pois não cedi à dor,
Cedi a uma névoa que me envolve
Quando nem mesmo o esforço me resolve
Esta impotência que já sei de cor... *
Por tempo limitado sei vencê-la
Juntando as letras, em vez de soltá-las,
Mas quando a noite chega, ganha-me ela; *
Só vejo nebulosas, baças, ralas,
Manchas indecifráveis sobre a tela...
Não me deixa, essa névoa, decifrá-las. *
Maria João Brito de Sousa - 21.04.2021 - 11.15h ***
10. *
“Não me deixa, essa névoa, decifrá-las”
Mas sempre vê aquilo que pretende
Alcança e é sagaz como um duende
Que salta tudo em frente e até valas *
Princesa que passeia pelas salas
E olha em redor e tudo entende
Navega sobre as ondas, não ofende
E vence sem mostrar festas e galas *
Na cor é um matiz de muito enfeite
Adorna o seu palácio de beleza
Que olhado no seu todo é um deleite *
Eu gosto desse tom de realeza
Nessa cama deixe, amiga, que me deite
A sentir e a olhar essa grandeza *
Custódio Montes
21.4.2021 ***
11. *
"A sentir e a olhar essa grandeza"
Que, amigo, só no verso é bem real;
Eu sou tão pequenina e tão banal
Quão banal possa ser qualquer burguesa... *
Mas, sim, terá lugar na minha mesa
Desde que a refeição seja ideal;
Sirvo a palavra coberta do sal
Que colho nas salinas da pobreza. *
Se vir beleza nisto que lhe of`reço,
Ficarei tão feliz por convidá-lo,
Que da minha pobreza até me esqueço *
E este repasto irá ser um regalo;
Aguarde-me um minuto enquanto aqueço
O manjar com que irei presenteá-lo. *
Maria João Brito de Sousa - 21.04.2021 - 14.25h ***
12. *
“O manjar com que irei presenteá-lo”
Amiga, que prazer em aceitar
Sentados sobre a areia junto ao mar
À tarde, à noite até cantar o galo *
Delícias que já vejo e de que falo
E sem o condimento me escapar
Uma pinga de Dão a terminar
Só desta vez vai ver que é um regalo *
Nas doenças nem pense que a alegria
Compensa-nos queixumes e mazelas
Junto ao mar nós os dois com a magia *
Das ondas a vogar sob as estrelas
Do enlevo do sonho e poesia
Com odes e cantigas das mais belas *
Custódio Montes
21.4.2021 ***
13. *
"Com odes e cantigas das mais belas"
Iremos celebrar a poesia
E ainda a singular sinestesia,
À luz das ondas e ao som das velas... *
Saber-nos-á, esse manjar, a estrelas,
Crescerá a maré quando vazia
E arredondar-se-á a maresia
Num círculo perfeito, em nossas telas. *
O Dão também será imaginário
E embora imaginado, embriagante;
Não mais que um golo será necessário *
Pra trazer até nós o céu errante
Que este sistema em código binário
Engendrou para unir quem está distante. *
Maria João Brito de Sousa - 21.04.2021 - 19.23h ***
Vem desvendar-me a cor destes sentidos, Deslinda-me o compasso em descompasso, Pressente os dedos hábeis e compridos Das mais simples palavras que aqui traço... *
Em ti, mesmo que apenas pressentidos, Terão a dimensão do mesmo abraço Com que, letra por letra concebidos, Magicamente, ou não, se abrem num laço... *
Ah, soubesse eu que podes decifrar-me E que, por cada letra que te estendo, Te aponto mil razões pra adivinhar-me, *
Ou que pudesses ver, no que desvendo, A cor dos sons que entendem visitar-me Na paleta do verbo em que me acendo... *