Maria João Brito de Sousa
DESOLAÇÃO *
Coroa de Sonetos *
Maria João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues ***
1. *
Choro quem parte e temo por quem fica;
Se a vida tem remédio, a morte não
E o mundo vai caindo em depressão,
Sem que se saiba tudo o que isso implica *
Já que ao que tudo ou quase tudo indica,
Pouco nos deixa, esta devastação
Pr`além do rasto de desolação
Que diante de nós se multiplica *
Como vírus que, entrando em mutação,
Corrói um mundo do qual não abdica
Ao devorar-lhe a carne feita pão. *
Lá longe, ouve-se um sino que repica
E uma voz que suplica a salvação
Na ilusão do que isso significa... *
Maria João Brito de Sousa - 03.03.2021 - 11.07h ***
2. *
"Na ilusão do que isso significa"
percorro os calabouços da memória
tentando perceber de toda a história
o que substancialmente significa. *
Recordo aquela força compulsória
que a nossa vida, ao nascer, fabrica
em rejeições que em toda a alma fica
perpetuando a submissão de escória. *
Não! Não temos perdão em aceitar
que tais e tantos bichos tão fatais
tomem conta da perfeição da gente! *
Será que já esquecemos os arrais
que apontam aos humanos qual o cais
aonde aportará espécie diferente? *
Laurinda Rodrigues *
3. *
"Aonde aportará espécie diferente (?)",
Humana, sempre, e mais evoluída,
Mais justa para toda e qualquer vida
Que a não destrua quando lhe faz frente? *
No futuro, mas nunca de repente,
Que a pressa é inimiga da subida
E pode confundir-se se a saída
Estiver ainda longe do presente *
E meta por saída que o não era...
Por mim, confio na tenacidade
Com que renasce cada Primavera *
Tão segura na sua leviandade;
Quem ama a vida é da vida que espera
O doce fruto da maturidade. *
Maria João Brito de Sousa - 03.03.2021 - 17.03h *
4. *
"O doce fruto da maturidade"
tem o sabor da antiga profecia:
quanto mais velho mais sabedoria
se caminhaste na senda da verdade. *
Ela está dentro de ti e, com a idade,
podes rever, em consciência, a via
que te liberta da tensão vazia
para te preencher de felicidade. *
A felicidade é um sentir sereno
onde flui tua alma em tempo ameno
ou mesmo se a tormenta te atacou... *
Podes sentir-te docemente pleno
como sentiu Jesus, o Nazareno,
que, mesmo incompreendido, perdoou. *
Laurinda Rodrigues ***
5. *
"Que, mesmo incompreendido, perdoou",
(creio que excptuando os vendilhões)
Aos homens em geral, ódio, traições
E até a quem à morte o condenou. *
Tão perfeita não fui - inda o não sou... -,
Nem tão boa e tão pródiga em perdões,
Mas cá me vou guiando por padrões
Que essa maturidade me doou *
E embora ande no fio de uma navalha,
Conheço muito bem a f`licidade;
Come e bebe comigo e nunca falha *
Quando lhe peço força de vontade,
Um poema mais belo, quando calha,
E a lucidez dos velhos-sem-idade. *
Maria João Brito de Sousa - 03.03.2021- 19.23h ***
6.
"E a lucidez dos velhos-sem-idade"
não me venham dizer que é lucidez!
Talvez seja pedaços de saudade
daquele imenso génio português, *
Feito de sonho e força de vontade,
que fez frente ao vazio e à aridez,
buscando, em consciência, a placidez
de descobrir a luz, que o mar invade. *
Vamos perdendo aquilo, já conquistado,
que é sangue desse sangue, semeado
na genética de muitos invasores *
E, depois, numa síntese transformado
em ser diferente e sempre emancipado
de tantas turbulências e horrores. *
Laurinda Rodrigues *
***
7. *
"De tantas turbulências e horrores"
Se vai cobrindo esta desolação,
Que alguns perdem o norte ao coração
E a razão já viu dias melhores... *
A lucidez, porém, resiste às dores
E a todo o tipo de devastação;
Só mesmo a morte a verga se, à traição,
Lhe crava o letal ferro, entre estertores, *
E, às vezes, a demência também vence
A lucidez profunda conseguida
Por esse ou essa a quem ela pertence, *
Que a lucidez é graça garantida
A quem muito vivendo, muito pense
Sobre Si, sobre o Outro e sobre a Vida... *
Maria João Brito de Sousa - 04.03.2021 - 10.57h ***
8. *
"Sobre Si, sobre o Outro e sobre a Vida..."
é pensamento que devora os dias,
coberto de temores e de agonias,
para que a morte não seja consentida. *
O corpo é uma história muito lida
nos sinais onde as horas são os guias
mas, nessas caminhadas tão vazias,
esquecemos que é a alma que convida
*
a descobrir a Si, ao Outro, Todos
sem nunca desistir com os engodos
que aparecem na sombra do caminho... *
E, sempre navegando pelos lodos,
com paciência e com suaves modos,
não ficarás nem triste nem sozinho. *
Laurinda Rodrigues ***
9. *
"Não ficarás nem triste nem sozinho"
Quando souberes que tudo o que viveste
Faz parte do que, em ti, reconheceste
Como vestido teu tecido em linho *
Por vezes com ternura e com carinho
E, outras, um bocadinho mais agreste,
Pois nem sempre o tecido que teceste
Teve a textura suave do teu ninho, *
Não, não concebo um` alma independente
Deste corpo de carne e sangue e ossos
E só me sei tecer enquanto gente. *
Ainda que me cubram de destroços,
É desse todo que me emerge, urgente,
A rebeldia que há nos velhos-moços. *
Maria João Brito de Sousa - 04.03.2021 - 13.36h
***
10. *
"A rebeldia que há nos velhos-moços"
não se confunde com pura teimosia
que a falta de razão às vezes cria
para fugir à prisão dos calabouços. *
Mesmo com cordas presas aos pescoços
onde a voz, já cansada, desafia
quem inda possa ouvi-la muito fria
no momento final que a prende aos ossos, *
Façamos esse gesto de clemência
de dizer versos perante uma audiência
que, entretanto, fugiu de tão cansada *
E imploremos a Deus, numa deferência,
que nunca mais tenhamos consciência
de sermos, uns para os outros, quase nada. *
Laurinda Rodrigues
***
11. *
"De sermos, uns para os outros, quase nada"
E, simultaneamente, tanto mais
Quanto mais nos sintamos desiguais
Na sintonia mal sincronizada *
Desta desolação quase assombrada
Das casas já sem portas nem umbrais
Porquanto pela porta já não sais
Se não depois de morta ou condenada. *
Exagero, bem sei... e no entanto,
É mesmo assim que o sente a maioria
Que vive aprisionada no seu canto *
Sem ter a bênção que é a poesia,
Sem estas asas de paixão e espanto,
Murchando à míngua de uma companhia. *
Maria João Brito de Sousa - 04.03.2021- 17.30h ***
12. *
"Murchando à míngua de uma companhia"
estamos todos agora em reclusão
sem sentirmos do Outro mão-na-mão
que nos inspira os temas da poesia. *
Mas falar por falar, no dia a dia,
apenas por rotina ou compaixão
agrava esse sentir da solidão
que, já antes de agora, acontecia. *
Exorto cada um à dança e ao canto.
Exorto ao grito de prazer e espanto
porque a voz com expressão tem de se ouvir... *
E dentro de uma casa, num recanto,
deitem fora o papel que enxuga o pranto
e todos, todos juntos, vamos RIR. *
Laurinda Rodrigues ***
13. *
"E todos, todos juntos, vamos RIR"
Pra construir algo mais belo e são
Sobre os destroços da desolação
Que como tudo o mais irá ruir *
Então, a solidão irá sumir,
A flor escondida vai brotar do chão,
Nas ruas vai dançar a multidão
E nessa noite ninguém vai dormir... *
Mas muito tempo ainda vai passar
Antes desta batalha estar vencida
E muito, muito ainda há que lutar *
Para podermos ter de novo a vida
Com a qual estamos todos a sonhar
No fim de uma batalha tão sofrida. *
Maria João Brito de Sousa - 04.03.2021 - 18.48h ***
14. *
"No fim de uma batalha tão sofrida
nem vamos perceber o que acontece
aquilo que foi vivido não se esquece
mas pode ser um ponto de partida *
Para dar ao pesadelo a despedida
e paz ao coração, que bem merece,
no conforto do amor que o engrandece
sem ter de se afogar numa bebida. *
E, mesmo sem negar o que passou,
a tragédia que a tantos alcançou
numa dor que só a cruz explica, *
Aceito humildemente o que ficou
e, na prece que essa cruz honrou,
"choro quem parte e temo por quem fica" *
Laurinda Rodrigues ***
publicado às 10:07
Maria João Brito de Sousa
SONETO DO PRODUTOR EXPLORADO
* (Em decassílabo heróico)
*
Eu, que injectei nas veias das cidades Sentinelas de pedra e de aço puro, Que conquistei a pulso as liberdades, Que asfaltei com suor cada futuro,
*
Eu, que paguei com sangue as veleidades Registadas na pedra, em cada muro, E sigo em frente e moldo eternidades A partir do que engendro e não descuro,
*
Não mais hei-de evocar forças ausentes! Liberto o grito preso entre os meus dentes Que irrompe deste barro em que me sou
*
E arrancarei de mim quantas correntes Me prendam à mentira, ó prepotentes Donos do que julgais que vos não dou!
*
Maria João Brito de Sousa – 30.07.2013 – 18.58h
publicado às 07:58
Maria João Brito de Sousa
VEM por aqui, se fazes favor...
publicado às 08:51
Maria João Brito de Sousa
DESOLAÇÃO *
Choro quem parte e temo por quem fica;
Se a vida tem remédio, a morte não
E o mundo vai caindo em depressão,
Sem que se saiba tudo o que isso implica *
Já que ao que tudo ou quase tudo indica,
Pouco nos deixa, esta devastação
Pr`além do rasto de desolação
Que diante de nós se multiplica *
Como vírus que, entrando em mutação,
Corrói um mundo do qual não abdica
Ao devorar-lhe a carne feita pão. *
Lá longe, ouve-se um sino que repica
E uma voz que suplica a salvação
Na ilusão do que isso significa... *
Maria João Brito de Sousa - 03.03.2021 - 11.07h
publicado às 09:59
Maria João Brito de Sousa
MOIRA(S) *
(Mitologia Grega) *
Não são parcas, as Moiras, no seu zelo;
Fiam, tecem e cortam noite e dia
Sem se cansarem da monotonia,
Sem se esquecerem de nenhum novelo *
Desponta o fio e logo irão tecê-lo
Com mão que sabiamente doba e fia,
Senhoras da tristeza e da alegria
Dos dias mais magoados e mais belos. *
No fim, uma das Moiras corta o fio
Das luas e dos sóis de cada vida;
Só essa determina o fim de um rio, *
Só essa indica a hora da partida;
Ela é quem sela o poderoso trio
Ante o qual Zeus recolhe a espada erguida.
*
Maria João Brito de Sousa - 27.02.2021 - 12.00h
`***
2
Ante o qual Zeus recolhe a espada erguida.
E as mouras poderosas com seu tino
Dispunham do humano e seu destino
Cada uma com seu poder ungido
*
Três irmãs poderosas, sem ruído
Decidiam a vida e o sentido
Do futuro por elas escolhido
Ou mal ou bem conforme o preferido
*
Eram más, eram feias, rancorosas
Sem dizer investiam poderosas
Para o bem mas mais vezes para o mal
*
O homem e a mulher eram usados
Pelas Mouras. E todos dominados
Que nem Zeus intervinha em seu final
*
Custódio Montes ***
3.
*
"Que nem Zeus intervinha em seu final"
Pois sendo ao seu mau-génio invulneráveis,
Olhavam-no do alto, as respeitáveis
E altivas tecelãs de Bem e Mal *
Que um e outro teciam por igual,
Já que um do outro não são separáveis...
Não as concebo feias e execráveis,
Mas construtoras de algo que é fatal* *
Já que eram elas quem assegurava
Que a vida por aqui continuava
A nascer, a crescer e a morrer... *
E Zeus, que era tirano, bem sabia
Que sem Moiras nem ele existiria,
Pois mesmo um deus precisa de viver... *
Maria João Brito de Sousa - 27.02.2021- 18.22h *
*Fatal, do latim Fatum = fado/destino ***
4. *
“Pois mesmo um deus precisa de viver...”
E tinha que se pôr bem à tabela
Que podiam armar-lhe uma esparrela
Impotente, ele, Zeus, nada fazer. *
Que elas, combinadas, com poder,
Dominam a andar na passarela
E lançam para a frente a que é mais bela
E ele langoroso fica a ver *
As Moiras fazem truques fabulosos
Os fracos sem poder e os poderosos
São todos dominados de seguida *
São elas que comandam, congeminam
Só elas mais ninguém é que dominam
São elas que comandam toda a vida *
Custódio Montes
(27.2.2021) ***
5. *
"São elas que comandam toda a vida"
Sem terem a noção de mal ou bem;
A morte vem porque à vida convém
Que se renove a coisa envelhecida. *
É apenas humana, a dor sentida
Quando da vida se despede alguém,
Mas não sabem, as Moiras, quem lá vem,
Nem conhecem quem esteja de partida... *
São neutras e limitam-se a cumprir
O que a si próprias terão de exigir
Já que nem Zeus as pode controlar *
E são a pura essência do destino
Que, com a inocência de um menino,
Cria um brinquedo só para o quebrar. *
Maria João Brito de Sousa - 27.02.2021 - 23.00h
(a estas horas, não sei como consegui, mas consegui!!!)
***
6. *
“Cria um brinquedo só para o quebrar”
E dobra e redobra como quer
A vida e sorte de homem e mulher
Nas penumbras que passam pelo ar *
E de repente mudam seu olhar
Alternam como querem seu poder
E levam a fortuna ou o perder
A quem era feliz e vai penar *
As longas unhas duma vão ferir
O cerne dum humano que ao sentir
O tudo que antes tinha fica em nada *
Os grandes dentes doutra comem tudo
A terceira de gorda e bojuda
Completa a grande força irmanada *
Custódio Montes
(28.2.2921) *
7. *
"Completa a grande força irmanada"
Que inconsciente de fazer sofrer,
Nos confere a certeza de, ao nascer,
A espécie humana ser perpetuada. *
Assim os gregos davam por explicada
Esta estranha aventura de viver,
Que as Moiras, muito mais do que PODER,
Simbolizam a VIDA renovada. *
Uma pega num fio, vai-o fiando,
A outra mais não faz que i-lo dobando
E a outra vem cortá-lo, sem maldade, *
Porque esse corte à vida é necessário...
Quem poderá dizer que isto é contrário
Ao que se passa na realidade? *
Maria João Brito de Sousa - 28.02.2021 - 12.57h ***
8. *
“Ao que se passa na realidade?”
Sim, porque o povo grego bem sabia
Que a vida era terrena dia a dia
E as Moiras traduziam a verdade *
Que elas é que teciam em irmandade
Cortavam e mantinham com mestria
O fio condutor, paz e alegria
Que em si constituía a sociedade *
Se o fio condutor era cortado
O sopro duma vida era apagado
E nisso as Moiras tinham opção *
Noutras continuavam a tecer
E davam mais um tempo ao viver
Como é toda a nossa condição *
Custódio Montes
(28.2.2021) ***
9. *
"Como é toda a nossa condição"
De humanos imperfeitos e mortais
E, tal qual como os outros animais,
Produto de uma mesma evolução. *
Ascendendo à consciencialização,
Que a nós nos coube e a todos os demais
Humanos (mais ou menos...) racionais,
Cabe-nos entender que essa Razão *
Que rege os predicados naturais,
Se a solo, produz coisas maquinais;
Exequível não é, sem Emoção! *
Tecem as Moiras as vidas actuais,
E as de todos os nossos ancestrais,
Segundo o Mito Grego, sem paixão... *
Maria João Brito de Sousa - 28.02.2021 - 16.11h ***
10. *
“Segundo o Mito Grego, sem paixão...”
Mas isso era dantes porque agora
Sendo o mesmo processo que vigora
Já não subsiste o Mito como então *
O Mito deu lugar à precisão
E temos cientistas mundo fora
Que estudam estas coisas hora a hora
Firmando-se o saber da evolução *
Para nós esse Mito ainda serve
Para ver o poder que a Moira teve
E dar o fundamento à poesia *
Aos deuses nós dizemo-lhes adeus
Às Moiras e ao seu colega Zeus
Ao seu saber e à sua fantasia *
Custódio Montes
(28.2.2021) ***
11. *
"Ao seu saber e à sua fantasia"
Rendo-me toda inteira quando penso
Quanto este velho mito tem de imenso
Conquanto seja só simbologia... *
A própria Ciência reconheceria
Que o que o mito revela, por extenso,
É algo bem real, nada pretenso,
Que corresponde ao nosso dia a dia. *
Claro está que nos vem da antiguidade
E, se levado à letra, é inverdade,
Mas a mensagem nunca caducou; *
Somos fio que desponta e que é dobado
Pra ser, logo a seguir, recambiado
Lá para o "não-sei-quê" de onde brotou... *
Maria João Brito de Sousa - 28.02.2021 - 19.23h
***
12. *
“Lá para o "não-sei-quê" de onde brotou...”
Eu nunca neguei tal filosofia
Nem o que as Moiras tinham de mestria
Apenas que o Mito já passou *
E que a ciência foi ao que encontrou
Investigar a luz que esclarecia
O que o Mito então já conhecia
E que com tal saber se avançou *
O saberes que os gregos nos deixaram
Ainda se mantêm e lá ficaram
Para evoluir todo o saber *
E criaram ainda eles o Mito
As Moiras, também Zeus, ficando escrito
O que a ciência foi lá depois ler *
Custódio Montes
(28.2.2021) ***
13. *
"O que a ciência foi lá depois saber"
Indicia que o mito é o começo
Daquilo que na ciência reconheço
Como caminho certo a percorrer. *
Ressuscitei o mito, sem esconder
Que é sempre pela ciência que me meço
E as Moiras foram simples adereço
Com que esta Coroa se quis guarnecer... *
Contudo, há teses de doutoramento
Que exigem estudos e discernimento,
Sobre o Mito que eu trouxe à colação *
Por culpa de uma musa inexistente
Que me falou das Moiras num presente
Que fez dos mitos fósseis da razão... *
Maria João Brito de Sousa - 01.03.2021 - 09.28h ***
14. *
“Que fez dos mitos fósseis da razão”
E talvez eu pecasse ao vir trazer
À colação ciência e meter
Esta conversa a pôr tanto travão *
A esta oportuna discussão
Sobre o valor das Moiras e sem ver
A enorme importância e o saber
Que deram à ciência e ainda dão *
E para terminar faço justiça
Para dizer e assim trazer à liça
O trabalho das Moiras e dizê-lo *
Passo a passo, com força criativa,
Mostrando-nos a luz da morte e vida,
“Não são parcas, as Moiras, no seu zelo” *
Custodio Montes
(1.3.2021) ***
Imagem retirada daqui
publicado às 09:35
Maria João Brito de Sousa
O BANQUETE DOS ABUTRES *
Quando os lençóis freáticos não freiam
O rumor das profundas incertezas
E as benditas dúvidas, ilesas,
Saltitam pelas mentes que incendeiam *
Enquanto novas dúvidas semeiam
No betão das comportas das represas
E exigem mais respostas sobre a mesas
Dos pobres que trabalham mas não ceiam, *
Acumulam, alguns, tantas riquezas
Quanta a miséria que os demais hasteiam
Nas bandeiras das lutas e das rezas *
Que assim que o vento sopra, ainda ondeiam;
Conquanto amordaçadas, cegas, presas,
Não esquecem os abutres que as rodeiam. *
Maria João Brito de Sousa - 01.02.2021 - 13.41h *
publicado às 08:48
Maria João Brito de Sousa
QUEM NÃO TEM CÃO... *
COROA DE SONETOS *
Maria João Brito de Sousa e Custódio Montes * 1. *
Erato não serei, poeta amigo,
Que para tal não tenho engenho e graça,
Mas posso garantir-lhe garra e raça
Sempre que aceite que escreva consigo. *
Não ostento os cabelos de oiro ou trigo
Que enfeitam qualquer deusa quando caça,
Mas meu arco-de-versos tem a traça
Do que não tem idade, sendo antigo. *
Se errar "humanum est", eu errarei,
Mas pode crer que lhe não faltarei,
Se Erato me ceder a sua vez... *
Porque "quem não tem cão, caça com gato",
Sempre que o ignorar a bela Erato,
Conte c`oa minha humana pequenez! *
Maria João Brito de Sousa - 22.02.2021 - 18.37h ***
(Soneto escrito em resposta ao soneto ERATO do poeta Custódio Montes.) ***
2. *
“Conte c’oa minha humana pequenez”
Isso digo eu, digo, digo e digo
Tenho muito prazer de a ter comigo
Nas rimas que oferece cada vez *
Pequenino sou eu com escassez
De presente e passado em que me abrigo
E recorro à musa e prossigo
Humilde, a esconder a timidez *
A Erato imagino para mim
Mas quando a refiro tenho um fim
Provocar quem me inspire a poetar *
Andar sempre a aprender isso é-me imposto
E quase sempre encontro quem eu gosto
Como agora que acabo de encontrar *
Custódio Montes
(22.2.2021)
***
3. * "Como agora que acabo de encontrar"
Voz gémea que, em perfeita sintonia,
Vá compondo, na pauta, a sinfonia
Que ambos nos preparamos pra criar. *
Das notas que tangemos sem parar
Entre a realidade e a magia,
Nasce este não-sei-quê que desafia
A própria Erato a vir-nos escutar. *
Ah, se a cada improviso mais se aprende,
Erato sobre nós o manto estende
E os versos nunca param de nascer... *
Soberbos frutos desta humana sede,
São os versos que Erato nos concede
Quando desce até nós, para nos ver. *
Maria João Brito de Sousa - 25.02.2021 - 12.29h ***
4. *
“Quando desce até nós para nos ver”
A si sim, vê-a sempre e a mim não
Eu bem clamo por ela mas em vão
E nunca a vejo aqui aparecer *
Aquilo que eu escrevo pode ser
Um verso semelhante, um verso irmão
Que segue o irmão mais velho....imitação
No falar, no brincar e no dizer *
Mas a irmã mais velha é quem comanda
Eu sou irmão mais novo que atrás anda
Que a musa não me dá um grande trato *
Respondo como posso atrás de si
Compondo como vejo ao vir aqui
Porque quem não tem cão caça com gato *
Custódio Montes
(26.2.2021) ***
5. *
"Porque quem não tem cão caça com gato",
Se assim cria sonetos tão sem par,
Creio bem que se quer menorizar
Ao dizer que é a mim que fica grato...
*
Também sou aprendiza dessa Erato
Que aqui estamos os dois a partilhar;
Nenhum de nós lhe chega ao calcanhar,
Ninguém, como ela, sabe o ponto exacto *
Da perfeita harmonia a que aspiramos
Na profusão de versos que engendramos
Dando sempre o melhor que houver em nós. *
Humildes aprendizes vamos sendo,
E criativos sempre que escrevendo
Ao som da sua doce e clara voz. *
Maria João Brito de Sousa - 26.02.2021 - 12.24h ***
6. *
“Ao som da sua doce e clara voz.”
Também concordo, amiga, que aprendiz
É todo o ser que avança e é feliz
Que quem não aprender não chega à foz *
Mantém-se emaranhado e fica a sós
Não sabe progredir nem o que diz
A áurea sempre em baixo e a cerviz
E raro chega ao cais ou é veloz *
E se além da Erato e seu engenho
Tivermos uma amiga como eu tenho
Então voa-nos alto o pensamento *
Alcançam-se horizontes alargados
Poemas de excelência e afamados
Com engenho e arte em casamento *
Custódio Montes
(26.2.2021) ***
7. *
"Com engenho e arte em casamento"
De que Erato se digne ser madrinha,
Nasce esta força que nos encaminha
E nos concede a graça do talento. *
A si, que me alimenta, eu alimento,
Que a reciprocidade se adivinha
Em cada estrofe ou mesmo em cada linha
Do que aqui transformamos em sustento. *
Por vezes é lirismo, o que nos move,
Noutras é a revolta, quando chove
Sobre este humano mundo o preconceito... *
Erato, tolerante, não condena
A autonomia desta nossa pena,
Desde que o verso nos brote do peito. *
Maria João Brito de Sousa - 26.02.2021 - 15.40h
***
8. *
“Desde que o verso nos brote do peito.”
Do fundo, bem do fundo lá da alma
Depois ninguém nos vence e leva a palma
A forma de dizer, também o jeito *
A ideia às vezes vem quando me deito
E surge então a musa muito calma
Segreda-me ao ouvido e assim me espalma
Um tema e um caminho a preceito *
Não sei se é Erato, a musa bela,
Mas não identifico o nome dela
Por isso é que a chamo dia a dia *
Mas sei que é uma musa muito fina
Que manda e encarrega quem me ensina
O que me inspira e dá muita alegria *
Custódio Montes
(26.2.2021) ***
9. *
"O que me inspira e dá muita alegria"
É conversar consigo em verso e rima
Deixando que o soneto me redima
Desta insalubre e chã monotonia... *
"Caça" com gata, sim, mas não vadia,
E sim com a que acolhe quanto exprima
Como quem saboreia uma obra-prima
E que, a partir dessa obra, também cria. *
Destas nossas conversas musicais
Nascem-nos versos nem sempre banais
E outros que são banais, mas criativos. *
Podem-se dar abraços desta forma,
Sem que nos multem por fugir à norma
Imposta a todos nós, que estamos vivos. *
Maria João Brito de Sousa - 26.02.2021 - 21.23h
***
10. *
“Imposta a todos nós, que estamos vivos”
A norma vale pouco se é mal feita,
Ou rebuscada e prenhe de maleita
Importa é antes sermos criativos *
E também na palavra interventivos
Não basta ser a rima só perfeita
Mas ter um conteúdo que deleita
E sensações e gostos chamativos *
Por vezes uma norma não tem rosto
E, mesmo tendo, há coisas que não gosto
Mal feitas, perigosas muito mais *
Poema, para nós, é como um filho
Tem alma, dá prazer, ostenta brilho
E trocam-se “conversas musicais” *
Custódio Montes
(27.2.2021)
***
11. *
"E trocam-se "conversas musicais"";
Se as horas passam movidas a jacto
Sempre que nos visita a bela Erato
Esquecida de que somos só mortais... *
E lá vamos nas asas pontuais
Do versejar lançado ao desbarato
Numa coroa, sem espinhos, nem recato,
Que se vai alongando mais e mais... *
Musa, porém, não sou, nem nunca fui;
Sou obreira do verso que em mim flui
Como o sangue que as veias me percorre. *
Podemos ser mortais, poeta amigo,
Mas o poema é algo muito antigo
E a Poesia, essa, nunca morre! *
Maria João Brito de Sousa - 27.02.2021 - 12.39h
***
12. *
“E a Poesia, essa, nunca morre!”
Também penso assim, é evidente,
Poeta é só quem poesia sente
E anda em seu caminho e o percorre *
E poema a poema ergue uma torre
Que seja bem visível, saliente
Amada e sentida pela gente
Que a admira, a vê e a ela acorre *
A musa anda aqui e anda ali
Não se vê, foge, foge, eu nunca a vi
Mas sente-se com muita precisão *
Poema trás poema logo atrás
Então cada um vê que é capaz
E a musa é mesmo isso inspiração. *
Custódio Montes
(27.2.2021) ***
13. *
"E a musa é mesmo isso, inspiração",
Um quase intraduzível não-sei-quê,
Algo que nos habita e nem se vê
Mas que sempre deduzo ser paixão. *
Chamem-lhe Erato, chama ou vocação,
A força que nos move é o que é...
Que importa se é ateia ou se tem fé,
Se se reparte em pura comunhão? *
Quando nasci, trazia já comigo
A raiz desta graça... ou é castigo?,
Que nos impõe criar para viver... *
Se é certo que brinquei, estudei, cresci,
Mais certo é que, de quanto já vivi,
Se escolha houvesse, isto iria escolher. *
Maria João Brito de Sousa - 27.02.2021- 15.14h ***
14. *
“Se escolha houvesse, isto iria escolher.”
Escolha não precisa, é natural
Nasceu num ambiente cultural
Que a inundou e assim a fez crescer *
Eu andei pelo campo e a aprender
Olhei as andorinhas, bem e mal
O nascer e o crescer dum animal
E andei pelas encostas a correr *
Se for condicional o que me afirma
Eu acredito ainda, o que confirma
Que Erato se parece bem consigo *
Só assim compreendo toda a ênfase
Começando a coroa com a frase:
“Erato não serei, poeta amigo” *
Custódio Montes
(27.2.2021)
***
publicado às 09:01