Maria João Brito de Sousa
AURORA * (Soneto em verso alexandrino) *
Porque a vida não pára e o mar é tanto ainda,
Assim que noite finda, renasce a manhã clara
Sobrançando a antepara assim que a vela guinda;
Como será bem-vinda e como nos é cara! *
Como é preciosa e rara assim que se deslinda
E a sorrir nos brinda enquanto nos prepara
Pra quanto nos separa em estando desavinda;
A aurora na berlinda e nós correndo para *
A luz com que nos cinda assim que nos beijar...
Já esmaece o luar onde o sol vai espreitando
A barca sem comando ainda a flutuar *
À deriva num mar nem sempre azul e brando;
Que remador, remando, a pode impulsionar
Se a aurora demorar e a luz lhe for faltando? *
Maria João Brito de Sousa - 18.03.2021 - 10.08h
publicado às 09:43
Maria João Brito de Sousa
"JUST ANOTHER VIDEO GAME" *
Rejeito a espada e recuso a parede;
Se uma me fere, a outra me encurrala
Na minha velha, empoeirada sala
Que apenas tem saída para a "rede" *
E, cá por dentro, cresce-me uma sede
Que, lá por fora, a muita gente abala;
Quando essa sede cresce, nada a cala
E tanto cresce que ninguém a mede... *
Há porém que arriscar, eu bem o sei,
Pois entre um risco certo e um possível,
Será pelo segundo que optarei *
Mas, caso haja mudança irreversível
Deste equilíbrio instável que alcancei,
Ou ganho o jogo, ou desço mais um nível... *
Maria João Brito de Sousa - 18.03.2021 - 14.00h
publicado às 08:50
Maria João Brito de Sousa
SERVIDO AO POSTIGO
* Coroa de Sonetos *
Maria João Brito de Sousa (Oeiras, Portugal) e Jay Wallace Mota (Belém, Brasil) *** 1 *
Trago um soneto servido ao postigo;
Vá prá fila senhor concidadão
Tal qual como se fosse comprar pão
Ou tomar um café... sem um amigo. *
Adquira um verso ou qualquer outro artigo
Pois passa o meu postigo a ser balcão
De um boteco de esquina sem patrão,
Sem tecto, sem cadeiras, nem abrigo... *
Vou servir-lho no copo descartável
De um protesto que sei incoerente,
Mas que se vai tornando inevitável *
Pois já não sei se sei s`inda sou gente
Se apenas sou mais uma variável
De uma curva ascendente ou descendente... *
Maria João Brito de Sousa - 12.03.2021 - 11.21h *
(em co-autoria com a minha irreverentíssima Musa) ***
2. *
De uma curva ascendente ou descendente,
Depende o mundo todo, a cada dia,
Pra ver a evolução da pandemia
E decidir os passos para frente. *
Mostrados em escala contundente,
Os gráficos revelam uma fria
Maneira de medir essa agonia
Porque só mostram números, não gente! *
Mas o que posso ver pelo postigo
Pelo qual te proteges num abrigo,
Em um modo de agir tão consciente, *
Que mesmo eficaz, frente a bruma turva,
Pouco importa a tendência da tal curva,
Tu serás variável dependente! *
Belém, 14 de março de 2020.
Jay Wallace Mota ***
3. *
"Tu serás variável dependente"
De uma resiliência natural
Hoje bem burilada por um mal
Que caiu sobre ti e toda a gente *
E hás-de conseguir ser paciente
Pois verás que o convívio virtual
Embora bem mais pobre que o real,
É também fuga ao medo deprimente. *
Se ao postigo me serves os teus versos
Nestes tempos tão duros, tão adversos,
Espero que, um dia, mos sirvas em mão... *
Terá de haver um fim para a clausura
Ou morreremos todos desta cura
Porque também nos mata a solidão. *
Maria João Brito de Sousa - 15.03.2021 - 11.32h ***
4. *
Porque também nos mata a solidão,
Ao nos trancar qual fôssemos cativos
Que, a falta de melhor definição,
Nos torna verdadeiros mortos-vivos! *
Não que me contraponha à solução,
Que nos impõe limites restritivos,
Os quais aceito, até sem coerção,
Pois vejo os resultados positivos. *
Porém, o que de fato já me assusta
É perceber a forma, sempre injusta,
Que não distingue os fortes dos mais fracos; *
Quando se impõe iguais obrigações
Aos poucos que se isolam em mansões
E a tantos que se juntam em barracos! *
Belém, 15 de março de 2021.
Jay Wallace Mota. ***
5. *
"E a tantos que se juntam em barracos"
Insalubres, tão pobres que um só pão
Se divide por cinco, à refeição
Que foi servida em louça feita em cacos. *
Dormem no chão embrulhados em sacos,
Que muitos del`s não têm nem colchão
E, por mais que procurem solução,
Não conseguem tapar tantos buracos. *
Do outro lado, em casas luxuosas,
Parece essa clausura um mar de rosas
Entre edredões de penas e o regalo *
Das refeições servidas em bandejas;
Lagosta, caviar e, enfim, cerejas
Pr` acompanhar um Porto*, dos "de estalo"!** *
Maria João Brito de Sousa - 15.03.2021 - 17.31h *
* Vinho do Porto
** De estalo - expressão muito usada em Portugal para adjectivar os vinhos mais requintados. ***
6. *
“P’ra acompanhar um Porto, dos de estalo”,
Para valorizar a refeição,
Que come sem sequer dar atenção
Aos números que assiste sem abalo! *
Ignora que chegou-se ao gargalo
De um sistema em completa lotação,
Gerido por um louco fanfarrão,
Com quem ele costuma ir no embalo; *
Bradando sempre contra o isolamento,
Pois só pensa em seu próprio rendimento;
Crítica os exageros sem motivos! *
E enquanto toma um vinho envelhecido,
Vê seu trabalhador, todo espremido,
Exposto nos transportes coletivos! *
Belém, 15 de março de 2021.
Jay Wallace Mota. ***
7. *
"Exposto nos transportes colectivos"
Como se fosse carne pra canhão*,
Não gente com família e coração
E que é suporte dos que inda estão vivos. *
Esses que afinal são os mais activos
Dos alicerces vivos da nação,
Vão sendo destratados sem razão
E sem medicação nem lenitivos *
Vão tombando às dezenas, aos milhares,
Nas valas que os civis e militares
Vão abrindo e fechando sem parar. *
Será que são deveras descartáveis
As vidas desses pobres miseráveis
Que sufocam assim, sem pinga de ar? *
Maria João Brito de Sousa - 15.03.2021- 20.03h *
*Carne pra canhão - Expressão muito usada na tropa para designar os soldados rasos que eram enviados para as frentes de batalha para morrer e que abrange também os mais pobres, os considerados "dispensáveis à sociedade".
***
8. *
“Que sufocam assim, sem pinga de ar”
E passam a sentir dentro do peito
O tempo que se torna mais estreito
Que o tempo que dispõe pra procurar *
Sem nada e sem ninguém com quem contar
Procuram encontrar de qualquer jeito
Nos hospitais lotados algum leito
Até morrer nas filas sem achar! *
E justo quando já se tem vacina
O moribundo chora, se lastima
E luta pra ficar firme na raia... *
Mas sem quem possa ouvir seu choro rouco,
Ele vai se entregando pouco a pouco,
C’a sensação de quem morre na praia! *
Belém, 15 de março de 2021.(18:37h).
Jay Wallace Mota. ***
9. *
"C`a sensação de quem morre na praia"
Junto com a revolta que brotava
Do peito imóvel que antes ofegava
Como potro selvagem preso à baia. *
Na contra-mão da vida, a morte ensaia
Uma dança letal que ninguém trava;
Já não respira alguém que respirava
E a espécie humana torna-se a cobaia *
Da procura imp`riosa duma cura
Que ninguém sabe se será segura,
Ou se pode trazer um novo p`rigo *
E enquanto o "jogo" assim se desenrola,
Eu, que não passo de uma velha tola,
Componho uns versos pra venda ao postigo... *
Maria João Brito de Sousa - 15.03.2021 - 22.39h
*** 10. *
“Componho uns versos pra venda ao postigo...”
É sempre o que me dizes quando assunto,
Ou se indiscretamente te pergunto
Por que te isolas dentro deste abrigo! *
Parece até que vives de castigo!
Ou será que não queres ninguém junto?
Que possa intrometer-se no conjunto;
Aquele que a tal musa faz contigo! *
Não penso mexer nessa sintonia,
Mas quando terminar a pandemia,
E todos nos livrarmos desse medo, *
Prometo, e vou cumprir tudo que digo,
Depois de escancarar esse postigo,
Vou ver, além da porta, o teu segredo! *
Belém, 15 de março de 2021.
Jay Wallace Mota. ***
11. *
"Vou ver, além da porta, o teu segredo"
Que não é mais do que uma minudência
Pr`aliviar o Estado de Emergência
Que fechara o comércio. E, que degredo!, *
Só ao postigo é que, de manhã cedo,
Algumas lojas servem, com prudência,
Aquilo que esta nossa impaciência
Exigia normal, esquecendo o medo... *
Esta medida, muito discutida,
Foi depois pelos "media" difundida...
Julguei que se soubesse, por aí, *
Que os postigos, aqui em Portugal,
São os reis deste novo não-normal...
(sirvo, ao postigo, aquilo que escrevi) *
Maria João Brito de Sousa - 16.03.2021 - 10.59h
***
12. *
“(sirvo, ao postigo, aquilo que escrevi)”
O que parece ser o não normal
Neste momento triste em Portugal,
Eu te asseguro ser normal aqui! *
Não só pelas razões que tens aí,
Em decorrência desse tal lockdown!
Além deste, há por cá um outro mal
Que, de banal, eu quase me esqueci! *
Aqui, nossos receios, sobressaltos
Decorrem da frequência dos assaltos
Seja à porta de casa ou da oficina! *
O que vai nos minando a resistência
Porque quando a doença é violência,
Nem se tem a esperança da vacina! *
Mosqueiro, 16 de março de 2021, (14:38h).
Jay Wallace Mota ***
13. *
"Nem se tem a esperança da vacina"
Na qual não tenho assim tanta confiança;
Este vírus sofreu tanta mudança
Que ressurgiu mais forte em cada esquina *
Porém, antes ter esperança pequenina
Do que, de todo em todo, não ter esp`rança
Que eu bem me lembro da cruel matança
Da Pneumónica, a trágica assassina... *
No caso da violência, Portugal,
É bem mais moderado. Essoutro mal
Não nos aflige tanto quanto a vós. *
Neste "jardim à beira-mar plantado"
Toda a gente prefere ouvir um fado
A cometer um qualquer crime atroz.* *
Maria João Brito de Sousa - 16.03.2021 - 18.30h
***
14. *
“A cometer um qualquer crime atroz”
E assim levar alguém à fria cova,
Prefiro reviver a Bossa Nova,
Ouvindo João Gilberto a baixa voz! *
C’alguém com quem pudesse estar a sós!
E viver meu momento Casanova,
Cantando meu amor; loas em trova!
Sem me importar com contras e nem prós! *
Porém, devido à louca pandemia,
Não posso ter nenhuma companhia,
Quer seja como amante ou como amigo!
Porquanto, sem querer ser insensato,
Privado de estreitar qualquer contato,
“Trago um soneto servido ao postigo.” *
Belém, 16 de março de 2021.
Jay Wallace Mota. ***
publicado às 08:16
Maria João Brito de Sousa
PÁSSAROS DE PANO *
Trago no peito um pássaro de pano
Que anseia por voar mesmo sem asas
E vê gaiolas onde se erguem casas
A estiolar de pasmo e desengano. *
Nos olhos, outro pássaro que, insano,
Vai esvoaçando sobre acesas brasas
Que são as sobras destas marés vazas
Que entraram na vazante há mais de um ano. *
Dois pássaros são, pois, dos que não voam
Se não por dentro da sua loucura
E enquanto sonham, dos mais não destoam *
Já que o pano que envergam tem textura,
Bom corte e até botões dos que abotoam...
Se teimam em voar, quem mos segura? *
Maria João Brito de Sousa - 15.03.2021 - 15.00h
*
publicado às 09:11
Maria João Brito de Sousa
MUDAM-SE OS TEMPOS... *
"Sem aos outros mentir, vivi meus dias"
E assim julguei poder continuar
A vida inteira, sem sequer sonhar
Que alguém me cobraria, em arrelias, *
Verdades que desprezam cortesias
E que juraram jamais se vergar
Ao medo de poder não agradar,
Nem à vaidade ou às hipocrisias... *
O tempo foi passando de mansinho,
Aos poucos fui crescendo e aprendendo
E, às tantas, dei comigo tão sozinho *
Que dessa escolha agora me arrependo
E tanto minto enquanto aqui caminho,
"Que hoje nem creio no que estou dizendo" *
Maria João Brito de Sousa - 15.03.2021 -16.09h *
Entre aspas, versos de Guimarães Passos (Brasil) - Soneto criado para uma rubrica do Horizontes da Poesia
* Nota - A autora NÃO se revê no que acaba de escrever
publicado às 10:08
Maria João Brito de Sousa
PASSA A ÁGUA
* Coroa de Sonetos *
Custódio Montes e Maria João Brito de Sousa
1.
* Nas pedras passa a água a correr
Eu olho para ela devagar
Há gente junto ao rio a passear
Daqui sobre a ponte estou a ver *
Nas margens há um verde a aparecer
Junto a uma casa um pomar
Com flores bem bonitas a brotar
Um branco um cor de rosa ...que prazer *
Às vezes aparece um paraíso
Uma flor, uma imagem, um sorriso
Que dá tanto prazer e alegria. *
Que a gente esquece a dor que às vezes sente
Remoça por momentos de repente
E vê em cada coisa poesia *
Custódio Montes * 13.3.2021 *
2.
* "E vê em cada coisa poesia"
E sente em cada pedra em que se sente
Um coração pulsar pausadamente,
Tal qual vivesse a pedra, por magia... *
Passa a água entoando a melodia
De um tema já esquecido mas presente
E passa a melodia pela gente
Como uma suave mão que acaricia... *
Lá, nesse paraíso que descreve
Como se fosse mais que um sonho breve,
O dia pára tonto, embevecido, *
E de um segundo faz-se eternidade;
Onde se erga esse templo sem idade,
Ajoelha-se o Tempo, a nós rendido. *
Maria João Brito de Sousa - 14.03.2021 - 00.00h
*
3. *
“Ajoelha-se o Tempo, a nós rendido”
Com cores, movimentos, um bailar
Da natureza em festa e o nosso olhar
Alegre e a sentir-se envaidecido *
O rio transparente e agradecido
Entoa uma canção e esse cantar
Afaga as suas margens ao passar
Realça mais o verde colorido *
A alma engrandece de alegria
À volta tudo encanta e a poesia
Envolve o nosso olhar e o nosso ser *
Parece até mudarem-se os papéis
Em festa a natureza, nós os reis
Aos pés o nosso reino a agradecer *
Custódio Montes
(14.3.2021) *
4. *
"Aos pés o nosso reino a agradecer"
Enquanto nós, rendidos, nos prostramos
Sabendo bem que jamais fomos amos
Nem mesmo do poema que nascer *
Pois talvez o fiquemos a dever
À natureza que aqui contemplamos
Já que somos irmãos da flor, dos ramos
E amados filhos da raiz do Ser... *
Seremos tudo e nada, por momentos;
Símbolos pontuais dos elementos,
Feitos de carne e osso e sonho e espanto *
Qu` embalados pl`a musa dos sentidos,
Aos poucos vamos sendo convertidos
À adoração do seu perfeito manto. *
Maria João Brito de Sousa - 14.03.2021 - 09.43h
***
5. *
“À adoração do seu perfeito manto”
Que andamos neste tempo a contemplar
O sol a flor a água a marulhar
E tudo ao redor que é um encanto *
O monte a engalanar-se e em cada canto
Sentimos alegria a germinar
Connosco a natureza par a par
Irmã ao pé de mim que amo tanto *
Às vezes imagina que a beleza
Rodeia o nosso corpo e a natureza
É nossa mãe e em si nos faz nascer *
E penso que sou árvore a sair
Lá das suas entranhas e a sorrir
Com a eternidade a acontecer *
Custódio Montes
(14.3.2021) ***
6. *
"Com a eternidade a acontecer"
Ali ficamos nós, meros mortais,
Sincronizados átomos, banais
Formulações da vida quando quer *
Moldar-se em homem, esculpir-se em mulher
Pra com eles ascender aos ideias,
Pois tanto pode a Vida e muito mais
Que o pouco que julgamos, nós, saber... *
Passa a água nas pedras do ribeiro;
Foi ela o nosso berço, o som primeiro,
Que se foi replicando em força e vida. *
Tudo vem de uma eterna construção;
Mesmo a poesia é pura evolução
Multiplicada, enquanto dividida... *
Maria João Brito de Sousa - 14.03.2021 - 11.11h ***
7. *
“Multiplicada, enquanto dividida
Mas num élan maior se conjugada
A vida é bela então se irmanada
Que sem conjugação é mal vivida *
O amor bem como a luta sempre erguida
Em prol da natureza tão amada
Aumenta o amor da gente nesta estrada
Agreste mas também muito florida *
Irmã é sempre irmã para beijar
E para ter connosco e acompanhar
A cada tempo e hora com magia *
A irmandade chega à natureza
Afagamos-lhe a alma e a beleza
E juntos lhe cantamos poesia *
Custódio Montes
(14.3.2022) ***
8. *
"E juntos lhe cantamos poesia"
Já que por ela fomos concebidos
E dela somos frutos prometidos
Ao compromisso de quem gesta e cria. *
Passaremos, também, num qualquer dia,
Mas teremos, então, sido cumpridos
Não só no palco fértil dos sentidos,
Mas também nestes vôos da harmonia *
Quando, em poemas vindos das entranhas,
Subimos montes, escalamos montanhas,
Numa vertigem que nos liga ao todo *
E não paramos nem pra descansar;
Só na vertigem podemos criar
Pois não sabemos ser de um outro modo *
Maria João Brito de Sousa - 14.03.2021 - 12.30h ***
9. *
“Pois não sabemos ser de outro modo”
Que somos o que somos nada mais
Sem termos preconceitos doutorais
E sem pensar que o mundo é nosso todo *
E deste pensamento à volta rodo
E não avanço aqui nada demais
A gente nunca deve ser jamais
Aquilo que não é nem mesmo engodo *
Mas ter um sentimento uma paixão
É a forma de mostrarmos gratidão
Que nessa humildade há só grandeza *
E nada é demais ver e louvar
A alegria de estarmos a cantar
A vida que nos dá a natureza *
Custódio Montes *
(14.3.2021) ***
10. *
"A vida que nos dá a natureza"
Concede-nos paixão, mas não poder
Que esse não sabe nem pode entender
O quanto nos fascina essa beleza *
Da ribeira que ri e chora e reza
Mas que não pára nunca de correr
Até chegar à foz e se render
Ao grande mar que a espera sem surpresa. *
Dessa mesma humildade somos feitos
(embora alguns possam julgar-se eleitos)
Pois bem sabemos; tudo tem um fim *
Mas a paixão, se mal compreendida,
Pode passar por ser intrometida,
Vaidosa, egocentrada... ou coisa assim.... *
Maria João Brito de Sousa - 14.03.2021 - 14.08h ***
11
“Vaidosa, egocêntrica...ou coisa assim”
Mas esta natureza que se canta
Com a paixão que sempre nos encanta
Não pensa desse modo tão ruim *
Ao cantar-lhe a beleza até ao fim
Não nos pode acusar de forma tanta
Que nos deixe ficar pela garganta
O canto que há nas rosas dum jardim *
A paixão que mostramos desta forma
É o modo como a gente assim a informa
De como nós gostamos tanto dela *
Não é intromissão é modo de arte
Para cantá-la assim por toda a parte
Fazendo ressaltar como ela é bela *
Custódio Montes
(14.3.2021) *
12.
*
"Fazendo ressaltar como ela é bela"
E como dela nós fazemos parte,
Receio que me falte "engenho e arte"
Pra descrever os mil encantos dela *
E, ou exagero, ou calo-me, à cautela...
Soubesse eu, natureza, aqui explicar-te
Como é que me é possível tanto amar-te
Sem poder retratar-te sobre tela, *
Sem jamais ter tentado, no passado,
Reproduzir em tela um rio, um prado,
Ou as plantas que são minhas irmãs... *
Mas os teus filhos, homens e mulheres,
Pintei como quem pinta mal-me-queres
Sob um sol que se enchia de amanhãs... *
Maria João Brito de Sousa - 14.03.2021 - 15.40h
***
13 *
“Sob um sol que se enchia de amanhãs”
E ao cantar dessa forma, de certeza
Que o seu canto provém da natureza
E das flores que são nossas irmãs *
Atrai, a natureza, como imãs
Que atiram para longe esta pobreza
Que rodeia o humano; e a nobreza
Faz-nos fortes, assim como titãs *
Hoje cantou o rio e a sua água
E foi um dia inteiro sem ter mágoa
Contente e toda cheia de mestria *
Não seja, minha amiga, tão modesta
Que pôs a natureza toda em festa
E a nós todos bem cheios de alegria *
Custódio Montez
(14.3.2021) ***
14. *
"E a nós todos bem cheios de alegria"
Por tão extrema beleza termos visto,
Ou mesmo imaginado. Até do xisto
Brota uma áspera torga, em rebeldia... *
Rude mas bela, é pura sinfonia
Doce e selvagem em estranho registo;
Quando nela me (a)fundo, não existo,
Não sou nada onde tudo é sinergia! *
A montanha escarpada, o vale escondido,
A brisa que sussurra ao meu ouvido
Segredos que não mais irei esquecer *
E enquanto as aves sob o manto azul
Adiam a partida rumo ao Sul,
"Nas pedras passa a água a correr" *
Maria João Brito de Sousa - 14.03.2021 - 17.20h
***
publicado às 08:01
Maria João Brito de Sousa
AO SEXAGÉSIMO SÉTIMO ANIVERSÁRIO DE UMA POETA SEM IDADE *
À MEA *
Sessenta e sete, já? Ninguém diria!
Ao lê-la tenho sempre a sensação
De estar a ler alguém cuja paixão
Se eternizou em flores e poesia, *
De quem, não tendo idade, contraria
O facto de estar já no fim do V`rão
Da sua muito humana condição...
Mas que era intemporal, já eu sabia; *
Brinca c`os versos como uma menina
E é tão madura quanto um figo doce,
Por isso é sempre grande e pequenina... *
Poderia lá ser que assim não fosse
Se a concebo ora meiga, ora ladina,
Sobre os jardins floridos que nos trouxe? *
Maria João Brito de Sousa - 13.03.2021 - 17.07h
*
À MEA
publicado às 08:39
Maria João Brito de Sousa
SERVIDO AO POSTIGO *
Trago um soneto servido ao postigo;
Vá prá fila senhor concidadão
Tal qual como se fosse comprar pão
Ou tomar um café... sem um amigo. *
Adquira um verso ou qualquer outro artigo
Pois passa o meu postigo a ser balcão
De um boteco de esquina sem patrão,
Sem tecto, sem cadeiras, nem abrigo... *
Vou servir-lho no copo descartável
De um protesto que sei incoerente,
Mas que se vai tornando inevitável *
Pois já não sei se sei s`inda sou gente
Se apenas sou mais uma variável
De uma curva ascendente ou descendente... *
Maria João Brito de Sousa - 12.03.2021 - 11.21h *
(em co-autoria com a minha irreverentíssima Musa)
publicado às 08:44
Maria João Brito de Sousa
PRINCÍPIO E FIM *
"Um dia o Sol virá num carro de ouro",
Fará, do gelo, gelo derretido
E amainará o vento já rendido
À terra que enrubesce, qual tesouro *
Voarão borboletas e o besouro,
Que acordará depois de adormecido,
Rebolará o esterco intumescido
Das lavras que são lá do seu pelouro... *
Ó V`rão da minha infância preservada
Nas coisas fragmentadas e sem fim
Que, como as pedras nuas da calçada, *
Não sabem dizer "não" nem dizer "sim";
Irás comigo até ao fim da estrada
"E então vais renascer só para mim"! *
Maria João Brito de Sousa - 10.03.2021 - 18.15h *
Entre aspas, versos de Tito Olívio
*
Soneto em verso heróico criado a partir de dois versos do poeta Tito Olívio para uma rubrica do grupo de poetas do Horizontes da Poesia.
publicado às 09:14
Maria João Brito de Sousa
SONETO PARA UM PIC-NIC NO JARDIM *
Venho sentar-me num destes banquinhos;
Trago um poema no bojo da saia
E a curiosidade da catraia
Que explora bosques procurando ninhos. *
Não dou conselhos nem sigo os caminhos
Pelos quais meu olhar se alonga e espraia
E é melhor que me sente antes que caia
Do alto dos meus passos rasteirinhos... *
O meu soneto é para partilhar;
Foi cortado em fatias quase iguais
Pra que ambas o possamos degustar. *
Não é pequeno nem grande demais
E foi cozido no forno solar
Em que preparo as refeições normais... *
Maria João Brito de Sousa - 10.03.2021 - 21.49h
*
Para um convite da Blue Bird
Imagem - "Dejéuner Sur L`Herbe" - Pablo Picasso (d`aprés Manet)
publicado às 08:21
Maria João Brito de Sousa
CARTA DE UMA METADE DE MIM
PARA A OUTRA METADE DE MIM *
Foi-se-me a Musa! Tentarei dizer
Quanto não sei dizer se ela diria
Neste dia que nasce, ou noutro dia
Que pode ser um amanhã qualquer... *
Faço de Musa e, como quem não quer,
Vou escrevendo esta carta à revelia
Do que uma completude inspiraria
Pois, quando unidas, somos um só ser. *
No espaço que concedo à fantasia,
Esteja essoutra metade onde estiver,
Que lhe não falte nunca a ousadia *
De assumir-se metade da mulher
Que a sua ausência tanto contraria
Por tanto de si própria depender... *
Maria João Brito de Sousa - 10.03.2021 - 12.57h
publicado às 13:02
Maria João Brito de Sousa
Imagem amavelmente cedida pelo Senhor das Nuvens
Queira ter a gentileza de ler aqui
publicado às 08:52