Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores.
...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
Fechados sobre nós próprios, Todos nós somos saudade Do tempo em que a liberdade Dispensava microscópios. * Inventamos novos ópios Pra vencermos a ansiedade Destoutra realidade De incerteza e estetoscópios. * Criamos caleidoscópios Para enganar a vontade De usarmos osciloscópios * Pra sondar quem nos invade; Só dos grandes telescópios Se vislumbra um céu que agrade. *
Longos, longos dias de cinza vestidos São tão mais compridos quão mais são vazias As horas tardias dos tempos perdidos Sem versos corridos e sem melodias. *
Sem fugas, sem vias, nem novos sentidos, Alastram sofridos tédios, agonias, Neutras sinfonias de sons repetidos Tão só pressentidos, se acaso os ouvias. *
Eis as pandemias tiranas e cruas Que invadem as ruas, as casas, os quartos... Medrosos mas fartos, lançamos-lhes puas, *
Compramos gazuas, sonhamos com partos, Sofremos enfartos gemendo em cafuas; Ó almas já nuas, seremos lagartos? *
Maria João Brito de Sousa - 23.01.2021 - 11.50h
***
2.
"Ó almas já nuas, seremos lagartos?"
Porque subvertemos o quente no frio?
Porque, dos abraços, já ficamos fartos?
Porque esvaziamos as horas a fio? *
Temos inda alma, que gerou os partos
de belos poemas, que falam do rio
que corre para o mar, sem medo de enfartos,
porque enfrenta a vida como um desafio. *
E, todas as noites, que cruzam as ruas,
onde corpos sonham com as almas nuas
e contam relatos de um segredo eterno, *
são esboços de luz em pinturas cruas
de mãos que procuram encontrar as tuas
para apagar o mal que vem do inferno. *
Laurinda Rodrigues
***
3.
"Para apagar o mal que vem do inferno"
No castigo eterno, supremo e total,
Deduzo, afinal, que esse vírus hodierno
Seja o subalterno de algo mais letal. *
Procuro um sinal neste gélido inverno
Manchando o caderno de esboços sem sal...
Não mais que o normal de um sorriso fraterno
Que às vezes alterno com algo irreal *
E um astro ideal, um lampejo, um fulgor
Engendra o calor onde o frio era a lei!
As coisas que eu sei transformar em amor *
Retomam vigor como tanto esperei
Assim que as soltei sem ter medo ou pudor...
O inferno era a dor à qual não me verguei! *
Maria João Brito de Sousa - 23.01.2021 - 16.03h
***
4.
"O inferno era a dor à qual não me verguei"
com força subtil, que cresceu num espaço
no qual fui nascida e mais tarde testei
lutando com a mente para criar o laço *
com a humanidade, a quem sempre honrei,
mesmo quando, só, lhe pressinto o passo
à beira da casa, onde pernoitei,
quando, dentro dela, não havia espaço. *
E assim caminhando, sem saber porquê,
para onde me leva a minha amargura
de aqui estar parada e quase não vê... *
Sou ainda luz numa noite escura
que ouve o destino, porque não o lê,
bebendo-lhe o sangue, de tanta secura. *
Laurinda Rodrigues
***
5.
"Bebendo-lhe o sangue, de tanta secura"
Que cresce e matura deixando-a exangue;
Mesmo que se zangue com tanta tortura,
Nenhum mal tem cura se é qual bumerangue... *
Perdida no mangue apenas procura
Fugir à loucura, escapar-se do gangue;
Derrama o seu sangue por medo ou bravura?
Não sabe ser dura, por mais que se zangue *
E ainda que o mangue seja o seu abrigo,
Ao ver-se em tal perigo, procura a saída;
Fará pela vida, com ou sem castigo! *
Rejeita o jazigo, despreza a jazida
Que lhe era devida. Espreitou ao postigo
Quando o inimigo perdeu a corrida. *
Maria João Brito de Sousa - 23.01.2021 - 19.05h
***
6.
"Quando o inimigo perdeu a corrida"
tu estavas presente, com aclamações:
tinhas uma túnica de negro vestida
e, ao peito, flores, símbolo de brasões. *
Brilhavas ao sol, como divertida
embora sofrendo loucas emoções
e fazias versos de elegia à vida
onde, resguardadas, vibravam paixões. *
A tua alma dança num desejo ardente
de voltares a ser Aquela que eras
num corpo sadio e olhar diferente... *
Que não teme pragas que se tornam feras
e arroja para longe os dramas da gente
porque entoa a voz das grandes Esferas. *
Laurinda Rodrigues * 7
"Porque entoa a voz das grandes Esferas"
Fruindo as esperas, desfazendo os nós,
Descobrindo os prós nas contra-quimeras,
Sondando outras eras, voando em cipós, *
Guiando os trenós por atalhos de feras,
Fintando as panteras que em salto veloz
Serão teu algoz se as não vês, nem superas;
Tão só te esconderas e a sorte era atroz... *
Mas nós somos nós! Em catorze versos
Há mais universos dos que os já sonhados,
Que os sonhos são fados nos astros dispersos *
E às vezes imersos vulcões conturbados
Do chão levantados; gigantes perversos,
Ou crias em berços recém conquistados? *
Maria João Brito de Sousa - 24.01.2021 - 18.30h
***
8.
"Ou crias em berços recém conquistados"
onde vão dormir um sono tranquilo
no abraço doce desses seres alados
cantando baladas para ensaiar o trilo. *
Crias que nasceram como namorados
escondidos à noite dentro do seu silo
cheio dos perfumes por elas suados
quando de mãos dadas quiseram abri-lo. *
Quem nos dera ser como as crias puras
que, recém nascidas e de olhos abertos
não aceitam males, nem dores, nem torturas, *
e caminham fortes mesmo nos desertos
onde a vaguidão provoca tonturas
a todos os seres que dormem despertos. *
Laurinda Rodrigues *
9
"A todos os seres que dormem despertos"
Decerto encobertos, esquecidos por Ceres,
Sem quaisquer poderes, sem estarem libertos,
Deixo os desconcertos dos meus afazeres. *
Ele há tais prazeres a ser descobertos
Por olhos abertos que, por os não teres
Se assim o escolheres, nunca os tens por certos;
Outros, mais espertos, terão quanto queres. *
Por desconheceres, por tua vontade,
O que a liberdade te pode of`recer
Pouco irás saber sobre a humanidade *
E que qualidade pode vir a ter
Quem olha sem ver pois de ver se evade
E nem a verdade tenta conhecer? *
Maria João Brito de Sousa - 24.01.2021 - 20.30h
*** 10.
"E nem a verdade tenta conhecer"
pois, o que é verdade? Alguém o afirma?
De olhos abertos mas sem poder ver
sem ouvir os sons dos versos que rima? *
Ou será que a alma a conduz e mima
com dons invulgares que acabo de ler
quando, em conjunção, vêm ao de cima
as grandes virtudes de amar e sofrer. *
Trago ainda dúvida se devo ser Eu
com a multidão que recusa alguém
só por não rezar os sermões do céu... *
E, entre risadas, que o medo contém
numa confraria de rendas e véu,
agarro na cruz e levo-a pr' Além. *
Laurinda Rodrigues ***
11. *
"Agarro na cruz e levo-a pr` Além"
Daquilo que vem desses dias sem luz...
Não sei onde a pus! Será que outro alguém
Pensou que era um bem de valor, que seduz? *
Maria! Jesus! Quem perder, nada tem!
Ninguém viu? Ninguém? Como vou fazer jus
Ao que me propus se não tenho vintém
E se julgo, também, que ao vê-la me expus?
*
Se a tal se reduz a tonteira que fiz,
Serei infeliz ou serei distraída?
Às vezes a vida, esquecida a raiz, *
Faz tal qual eu fiz, deixa a gente perdida
No lar sem saída de um génio-aprendiz...
Ou fui eu que o quis e por mim fui traída? *
Maria João Brito de Sousa - 26.01.2021 - 15.33h ***
12. *
"Ou fui eu que o quis e por mim fui traída?"
Serei o carrasco e também a vítima?
Projeto no tempo a vida esquecida
para o meu presente ser apenas rima? *
Rima de destino com raiz roída?
com tronco curvado na parte de cima?
com folhas caídas, com copa despida?
numa tempestade que sempre me anima? *
Não sei as respostas. Não ouso sabê-las.
Que me importa o tempo! A glória, o poder!
Dormi ao relento coberta de estrelas... *
E, tendo entre os dedos teclas a escrever,
Navego em imagens, que servem de velas
para toda a viagem que a vida tecer. *
Laurinda Rodrigues *
13. * "Para toda a viagem que a vida tecer"
Eu hei-de colher a folha, a fruta, a vagem,
Cada qual imagem do projecto SER
A corresponder com a minha mensagem, *
Que isto de coragem tem de se viver
Pra se conhecer o que houver na bagagem;
Finte-se a sondagem venha o que vier
E a quem não quiser, faça-se a triagem! *
Depois da drenagem das águas libertas
Nas folhas abertas dos livros malquistos,
Cresce a olhos vistos a tensão. Alertas, *
Faces encobertas, mimetizam xistos
Os velhos Mephistos* de intenções incertas;
Ressonam despertas as mães dos ministros. *
Maria João Brito de Sousa - 28. 01.2021 - 19.00h
***
* Mephisto - ver aqui, sff- https://pt.wikipedia.org/wiki/Mephisto_(aut%C3%B4mato)
Não fora a barata rondar-me o celeiro, E o maldito cheiro que assim a delata... Ah, peste que mata! Ah, bicho rafeiro Que destróis inteiro meu trigo! Que lata! *
E a fava, a batata, o meu belo sobreiro? Roeste-os, matreiro? Tornaste sucata A nata da nata de um pão tão guerreiro? Se de ti me abeiro, não falha a chibata *
E se isto retrata aquilo que sinto, Vais corrido a cinto, bicho virulento, Vil verme sebento que quero ver extinto! *
Não senhor, não minto, nem disfarçar tento O que vai cá dentro, mostrengo faminto A quem não consinto um só contra-argumento! *
Longos, longos dias de cinza vestidos São tão mais compridos quão mais são vazias As horas tardias dos tempos perdidos Sem versos corridos e sem melodias. *
Sem fugas, sem vias, nem novos sentidos, Alastram sofridos tédios, agonias, Neutras sinfonias de sons repetidos Tão só pressentidos, se acaso os ouvias. *
Eis as pandemias tiranas e cruas Que invadem as ruas, as casas, os quartos... Medrosos mas fartos, lançamos-lhes puas, *
Compramos gazuas, sonhamos com partos, Sofremos enfartos gemendo em cafuas; Ó almas já nuas, seremos lagartos? *