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poetaporkedeusker

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UM BLOG SOBRE SONETO CLÁSSICO

Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores. ...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
23
Nov20

COISAS DE TRAVESSEIROS

Maria João Brito de Sousa

travesseiros-e1509105282975.jpg


COISAS DE TRAVESSEIROS
*


Meu travesseiro não tem sumaúma,

Por isso não me dá conselho algum

Que a sintética fibra feita em espuma

É menos tagarela que um atum...
*

Se bem que de auscultá-lo não presuma,

Tem o meu travesseiro algo em comum

Com esse seu que inspira, mas não fuma;

Ambos emitem um ténue zunzum.
*

O seu é sábio e dá-lhe mil conselhos,

O meu, co`a singeleza dos mais velhos,

Não fala nem por força da tortura!
*

Dos dois, não sei dizer qual o melhor,

Nem qual dos dois terá maior valor;

Vou rechear o meu de serradura!

*

Maria João Brito de Sousa - 14.10.2020 - 20.43h
*
 
Soneto inspirado no poema "Conselhos de Travesseiro" de Luís Santos.



 

22
Nov20

VIAGEM - COROA DE SONETOS

Maria João Brito de Sousa

viagem.jpg

VIAGEM
*

COROA DE SONETOS

*

 

Laurinda Rodrigues e Maria João Brito de Sousa

*
1
*

Desço ao fundo de mim, ao inconsciente
onde dormem vivências esquecidas.
Sei que naquilo que sou já fui diferente
e que hei-de ser diferente noutras vidas.
*

Sou toda um Uni-verso entrelaçado
de peças materiais que vão expandindo.
Fico parada a olhar o céu alado,
sentindo uma pulsão que está abrindo.
*

Meu outro Ser perdurará na luz
que me envolveu na terra feita em cruz
que não pode fugir ao seu destino...
*

Mas é aqui e agora que me afirmo:
mesmo que o corpo caia no abismo  
a alma cantará, convosco, um Hino.
*

Laurinda Rodrigues
*

2
*

"A alma cantará, convosco, um hino"

Até depois da vida anoitecer

Enquanto se souber que fui menino,

Enquanto alguém lembrar que fui mulher
*

Na memória persiste o tal destino

Que bem longo será se alguém me ler;

Assim o vejo há muito, assim defino

Viagem, vida e espanto de viver.
*

De mim, da minha própria identidade,

Terá sobrado o verso que se evade

À decomposição inexorável
*

Do que foi o meu corpo passageiro;

Cigarro aceso à beira de um cinzeiro

De porcelana breve e descartável.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 19.10.2020 - 13.43h

*

3
*

"De porcelana breve e descartável"

ouço cair estilhaços pelo chão

e um riso perverso insaciável

atravessou o espaço da Razão.
*

Talvez seja o diabo em sintonia

com a nossa condição de ser mortais

ele é sempre julgado à revelia

no tribunal dos loucos amorais.
*

Mas não se iludam! Esse demo existe

bem no fundo de nós, onde persiste

uma história de erros, frustrações...
*

Afinal, a loucura pouco importa

se é, com ela, que o poeta exorta

o mundo turbulento das paixões.
*

Laurinda Rodrigues
*

4
*

"O mundo turbulento das paixões"

Faz do Olimpo um nada, uma sequela;

No palco dos heróis e dos vilões

Desta realidade paralela
*

Há gigantes que fogem dos anões

E a Fera é perseguida pela Bela

Enquanto os anjos brincam com dragões

E a bruxa se transmuta em Cinderela.
*

No mais fundo de mim, se o demo existe,

Procuro descobrir-lhe o vulto triste

Mas não lhe encontro rasto e nem o faro
*

Me dá qualquer sinal de outra presença

Que de mim mesma não seja pertença;

Será a sua ausência um caso raro?
*


Maria João Brito de Sousa - 19.11.2020 - 16.22 h
*

5
*

"Será a sua ausência um caso raro?"

ou o transporte ao Olimpo é de avião

e não viu lá de cima o exemplo claro

da luta do gigante com o anão?
*

É preciso esperar pousar na pista

sem muita turbulência na aterragem

para que o piloto hábil lhe resista

sem medo de entrar em derrapagem.
*

Porque isto de emoções tão reprimidas

que fogem ao arbítrio do Rei Midas

na decisão de ser um demo ou anjo
*

é, mesmo, o velho tema do destino

(porque nasceu mulher e não menino)

porque toca piano em vez de banjo?
*

Laurinda Rodrigues
*

6
*

"Porque toca piano em vez de banjo"

Quem no trompete ou na guitarra é ás?

Quem lhe imporá tamanho desarranjo

Ao afastá-lo do que mais lhe apraz?
*

Nestas perguntas, mais tempo não esbanjo;

Não quero incomodar, sendo tenaz,

Quem disto saiba mais que quanto abranjo

E, em coisas destas, nunca fui sagaz...
*

Às emoções, porém, nunca reprimo

Que a toda a hora as rondo, sondo e esgrimo

Com grande habilidade e destemor
*

E aos temas nunca escolho. O meu escolhido

É sempre um som que aflora ao meu ouvido

E me enfeitiça e se me sabe impor.
*


Maria João Brito de Sousa - 20.11.2020 - 11.18h

*
7

"E me enfeitiça e se me sabe impor"

como uma vaga que cresce sem aviso

alerta o marinheiro para compor

o sentido que o leva ao paraíso...
*

Ele não está preparado mas aceita

deixar a onda desfazer na praia...

Não tem sabedoria nem receita:

o instrumento toca aquilo que ensaia.
*

Mas não esqueceu o tema desta vida:

"em frente camarada" destemida!

não há razão que te perturbe o Ser.
*

Músico ou poeta ou marinheiro

o canto das estrelas cabe inteiro

na mutação que vai acontecer.
*

 

Laurinda Rodrigues
*

8
*

"Na mutação que vai acontecer"

E vai acontecendo a cada instante

Do que a mãe-tecelã está a tecer

No seu velho tear desconcertante.
*

Decerto nos irá surpreender

A criatividade galopante

Que esse velho tear demonstra ter

Na sua actividade que é constante.
*

Viaja a tecelã no fio que fia

E viajamos nós em sintonia

Com trama fiada e por fiar,
*

Que é porfiando que tudo se cria

E a trama é tal qual uma melodia

Quer nasça de um piano ou de um tear.
*


Maria João Brito de Sousa - 20.11.2020 - 15.02h

*
9
*

"Quer nasça de um piano ou de um tear",

a mão, que tece, é sempre a mão que cria,

na inspiração do eterno respirar

de uma alma tremendo em fantasia.
*

Fantasia de fada ou de duende,

de uma ave canora ou imitação...

Aquele, que comunica, fogo acende

seja de amor sublime ou perversão.
*

Não é ardil nem sonho camuflado

de palavras subtis de um Ego inflado

pela competição de seus iguais...
*

O papagaio repete aquilo que ouviu

mas, se for transcendente, conseguiu

despertar o segredo dos mortais.
*

Laurinda Rodrigues
*

10
*

"Despertar o segredo dos mortais"

É dar-lhes um lugar nesta viagem

Na qual sempre há lugar pra muitos mais,

Ainda que alguns pensem ser miragem
*

Viajar-se nas lonjuras dos murais,

Nunca tentando agir como outros agem,

Perdendo o Norte aos pontos cardeais

E levando a Garcia outra mensagem.
*

O guia é sempre um ponto de partida

E nem sempre a viagem concebida

Naufraga em perfeição, tendo sucesso.
*

O que importa é cantar, que um hino à vida

Vem de uma voz que é tanto mais ouvida

Quão mais se perca durante o processo.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 21.11.2020 - 13.51h

*

11.
*

"Quão mais se perca durante o (seu) processo"

em conexão com outros peregrinos

que atravessam o mar do insucesso

por nunca recusarem seus destinos,
*

será uma montanha de ilusões

ascendendo no ar, quando nascer,

mas, quando o sol se esconde nos porões,

vai deitar-se na proa para morrer.
*

Reavalia, então, o ofuscamento

que fez da sua vida esse tormento

de tanto querer e ter como pessoa
*

E vê pontos de luz que vão chegando

à sua consciência, decifrando

o mal que tanto fez e não perdoa.
*

Laurinda Rodrigues
*

12
*

"O mal que tanto fez e não perdoa",

Porque não nasce, o mal, pra perdoar,

Mas pr`aumentar a dor do que já doa

Mesmo antes desse mal se anunciar.
*

Mal fica quem viaja e fica à toa,

Mas pior ficará quem nunca ousar

Seguir o tal tal apelo que destoa

Do que é tido por norma ou por vulgar.
*

Só não se atreve quem de si não gosta

Ou quem é surdo e cego e tudo aposta

Numa rota alheada e comedida;
*

Esse, que à tempestade sempre arrosta,

Pode - quem sabe? - nem chegar à costa,

Mas até no naufrágio encontra vida.
*


Maria João Brito de Sousa - 21.11.2020 - 15.53h
*

13
*

"Mas até no naufrágio encontra vida"

escolhendo livremente naufragar

sem nunca desejar contrapartida

por ter salvo outro ser de se afogar.
*

Com humildade, enfrenta a turbulência

desse vento feroz, que não esperava

destruísse o sentido da existência

a quem só na matéria acreditava.
*

E aporta o barco no porto criador

escondendo na rocha a sua dor

pela dor de outro Eu sobrevivente.
*

E, apelando à coragem e à união,

deixa no mar os restos da ilusão

que possa a humanidade ser diferente.
*

Laurinda Rodrigues
*

14
*

"Que possa a humanidade ser diferente",

Mais justa, igualitária, equilibrada

Do que a que hoje se curva ao prepotente

E que despreza quem já não tem nada.
*


Mas há que navegar, seguir em frente,

Fazer um esforço, dar outra braçada...

Enquanto um sopro houver, há vida, há gente,

Há a luta, há a esp`rança renovada.
*


Homem que navegando naufragaste

Mas que a qualquer destroço te agarraste

Tentando retardar o teu poente,
*


Não há eternidade que nos baste;

No breve instante que à morte roubaste

"Desço ao fundo de mim, ao inconsciente".
*

 

Maria João Brito de Sousa - 21.11.2020 - 21.37h

 

 

 

 

 

20
Nov20

AFÁVEL-MENTE

Maria João Brito de Sousa

Afável mente.jpg

AFÁVEL-MENTE
*


Ó minha amada mente, afavelmente

Empenhada em sondar e desvendar;

Sente e deduz, que existes pra criar

Toda a beleza que a voz te consente.
*

Se é certo que outra mente te desmente,

Menos certo não é não te importar

Que exista quem te queira desviar

Da musicalidade em ti presente.
*

Amavelmente, ó mente, irás cantar

Enquanto fores fiel e coerente

Com essa forma de ser e de estar;
*

 

Imprevisível és, provavelmente,

Mas tão certeira quanto o despontar

Do fruto que antes foi mera semente.
*

 


Maria João Brito de Sousa - 20.11.2020 - 13.41h

 

*

 

Imagem retirada daqui

19
Nov20

A MUSA E EU

Maria João Brito de Sousa

Clio-Mignard.jpg

A MUSA E EU
*

Brincando aos Desentendimentos
*

 

Da distraída musa em que me invento

Fiz alter-ego; a culpa é toda dela

Se o vento amaina e não me enfuna a vela,

Se o bote encalha e o verso nasce lento.
*

Dela é o ponto fraco. O que é talento

Também, a bem dizer, lhe cabe a ela...

Se assino no final, quase à cautela,

É sempre com algum constrangimento.
*

Tropeça um verso coxo e sonolento

Na esquina em que uma rima se afivela

Por falhar-lhe uma nota, um mero acento?
*

Está perdida a toada tagarela

De compasso cantante e turbulento...

E onde é que a culpa mora se não nela!?
*

 

Maria João Brito de Sousa - 19.11.2020 - 15.24h

 

 

18
Nov20

CONVERSAS À JANELA - (entre sonetistas)

Maria João Brito de Sousa

Paul Klee.jpg

CONVERSAS À JANELA
*

(entre sonetistas)
*


Grafando letra a letra e lentamente,
Compões o teu soneto extraordinário,
Ditado por tu'alma, o santuário
Onde germina a imortal semente.
*

E nesse curto espaço inconsistente,
Tu dás a dimensão de um grã-sacrário
Com a pedra angular num campanário
Tangente em vibrações que a alma sente
*

Com a grandiosidade do que dizes,
Tendo a semente com suas raizes
Na alma e os sobranceiros, grandes ramos
*

Nossas almas sombreiam, com matizes
Tão multi-coloridos quão felizes
Nós nos tornamos quando o escutamos!
*

Laerte Tavares

*********

Falham-me os olhos, vão falhando os braços
E até o coração me vai falhando
Inda que sobre as teclas vá teimando
Em ser mais forte do que os meus cansaços.
*
Se galopa o soneto em seus compassos,
Este, coitado, nem sequer trotando
Se soube construir. Foi-se apoucando
Na lentidão dos débeis ou madraços...
*
Mas lá se construiu, pese este peso
Que o prende a tudo aquilo que eu desprezo,
Rastejando, talvez, mas não vergado
*

Ao que assim o tornou fraco, indefeso;
Arriscou tudo e, enfim, chegou ileso
À praia em que julgou ter naufragado.
*

Maria João Brito de Sousa - 17.11.2020 - 13.10h
*

 

Imagem- Tela de Paul Klee

16
Nov20

SONETO CONTRA-NATURA

Maria João Brito de Sousa

CONTRA NATURA.jpg

SONETO CONTRA-NATURA
*


Burile-se o soneto qual escultura

Mas só depois de impresso. Quando brota

Deve ser jorro em natural ruptura

Com a extrema prudência que denota.
*

Curto tamanho, pequena estatura

Tem o soneto e escolhe a própria rota

Ainda que ela o leve à sepultura

Rindo de si pra não fazer batota.
*

Mas se em tão curto espaço cabe inteiro

Nem sempre o que contém é tão ligeiro

Quanto o do que hoje trago e que desmente
*

Quanto quero dizer e só desdigo

Na pequenez do pouco que consigo

Grafar letra por letra, lentamente.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 16.11.2020 - 13.59h

13
Nov20

ARTIMANHA - Coroa de Sonetos

Maria João Brito de Sousa

L`IMPORTANT C´EST LA ROSE.jpeg

ARTIMANHA
*

Coroa de Sonetos
*

Laurinda Rodrigues e Maria João Brito de Sousa
*


1
*

O mal faz-se sempre anunciar.

Às vezes, disfarçado, nem se nota.

Poeira venenosa envolve o ar

e um cheiro nauseabundo fica à solta.
*

Não há palavras, gestos ou imagens

que emudeçam, na alma, o medo insano

São sendas de pavor como paisagens

que atravessam a terra e o oceano.
*

Impõe-se a solidão. Ficarmos presos.

É essa a solução para estar ilesos

de um ataque fortuito que nos espreita...
*

Não vale a pena dizer "sim" ou "não":

tudo aquilo que se diz é sempre em vão,

se a confusão lançada é tão perfeita.
*

Laurinda Rodrigues
*

2
*

"Se a confusão lançada é tão perfeita"

Que aos mais sábios confunde e desatina,

Cremos, então, que o Mal está sempre à espreita

Atrás de cada porta, em cada esquina
*

São coisas de que a Manha se aproveita;

Bem sabemos que a Manha, essa ladina,

Se quer fazer passar por insuspeita

E aquilo que prescreve, nunca assina.
*

Mas passe a Arte a bem ou passe a mal,

Contorna os riscos e enfrenta o medo

Que a ameaça de forma desleal;
*

Abre as janelas de manhã bem cedo

Bebe do Sol a força universal,

Reduz o Mal a peças de brinquedo.

*

Maria João Brito de Sousa - 09.11.2020 - 12.29h

*

3
*

"Reduz o Mal a peças de brinquedo"

mas - cuidado! - que o sol é enganador:

faz de conta que é Pai e mete medo

quando os filhos lhe estragam o fulgor.
*

Mas, afinal, o sol é apenas estrela

entre tantas estrelas que há no céu

e, quando esta verdade se revela,

uma outra dimensão aconteceu.
*

Juntando as peças, que temos na memória,

vemos que "chefes-sóis" fizeram história

que lhes servem a eles, sem discussão...
*

E, usando o globalismo como lema,

garantem, no poder, o seu sistema,

impondo, sem destrinça, esse padrão.
*

Laurinda Rodrigues
*

4
*

"Impondo, sem destrinça, esse padrão"

Que a Maga-lua acorre a transformar;

Assim que o Sol se rende à escuridão

Impõe-lhe ela o seu manto de luar
*

E assim concede ao mundo a sedução

Que o Chefe-sol se nem lembrou de dar,

Quem sabe se por pura distracção,

Se por puro capricho de mandar...
*

Amo o Sol e concedo-lhe o perdão

(ou penso que o consigo perdoar...)

Porque me acende a imaginação,
*

Porque a todos se entrega sem cobrar,

Porque - confesso! - me enche de paixão

E porque, enfim, assumo; sou solar!
*

 

Maria João Brito de Sousa .
*

5.
*

"E porque, enfim, assumo; sou solar"

presa na rota do ciclo de estações,

mesmo, sem canto, encanto à luz lunar,

esquecendo que há, na lua, mutações.
*

Cresce a lua no céu, depois de prenhe

que o sol, na fase "nova", engravidou,

para correr o "quarto" e se despenhe

na "cheia" exibição que a culminou.
*

Podemos ser solares enquanto humanos

mas é como lunares que cultivamos

o caminho perfeito da união...
*

Nada no cosmo existe sem sentido

e é o olhar do poeta, destemido,

que faz, da lua e sol, inspiração.
*

Laurinda Rodrigues
*
6
*

"Que faz, da lua e sol, inspiração"

E que com Arte e Manha lhes dá voz

Porque Arte quer dizer rebelião

E Manha há sempre um pouco em todos nós.
*

Rebeldes, inventamos a paixão,

Manhosos, transformamos algo atroz

Num enredo ideal cuja ilusão

Nasce purpúrea da explosão de uns pós...

*

Triangulamos Terra, Sol e Lua,

Num passe de magia. A Arte, nua,

Por um momento veste os nossos mantos
*

Para, logo a seguir, mostrar-se crua;

Despindo os astros, muda-se em falua

E faz-se ao Mar, explorando outros encantos.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 10.11.2020 - 12.54h

*
7
*

"E faz-se ao Mar, explorando outros encantos"

porque, se a Arte é arte, é a expressão

seja em poesia, dança, sons ou cantos

do tempo, que traduz a mutação.
*

E a mutação prevê-se nas estrelas

no para além deste planeta terra,

mesmo que tentem colocar-nos trelas

na desculpa de que Isto é uma guerra.
*

Seremos sábios, mas sábios disfarçados

de humildes servidores desnaturados,

que aceitaram nascer para mendigar...
*

E, enquanto os Reis solares clamam razão,

os pobres servidores vão dando a mão

prosseguindo a arte e manha de os calar.
*

Laurinda Rodrigues
*

 

8
*

"Prosseguindo a arte e manha de os calar"

Sempre que as ordens se tornam brutais,

Semeamos a flor que há-de brotar

Nos prados, nos canteiros, nos quintais
*

 

Da Terra inteira, do céu ou do mar

No qual nadam os peixes e os corais

Proliferam, ainda, sem parar;

Nada, pra si, será longe demais
*

 

Porque a Arte não cuida de barreiras

E há-de passar por todas as fronteiras

Mais forte a cada palmo que conquista.
*

 

Escapar-se-á por fendas e soleiras

Mimetizando as coisas costumeiras;

Ninguém pode impedir que ela subsista!
*

 


Maria João Brito de Sousa - 11.11.2020 - 19.24h
*

9
*

"Ninguém pode impedir que ela subsista"

mesmo vendo que a arte é maltratada

e não é com protestos que resista

a tanta confusão já instalada.
*

Na solidão imposta, versejamos

criando a ilusão que vale a pena...

Mas se, por mero acaso, fraquejamos

as imagens cruéis voltam à cena.
*

Atados ao visor dos aparelhos

que são agora os nossos novos espelhos

retratando o olhar da rendição,
*

talvez ainda sobreviva o sonho

de que este pesadelo tão medonho

se transforme num sonho de paixão.
*

Laurinda Rodrigues
*

10
*

"Se transforme num sonho de paixão"

O que hoje nos parece uma utopia

E a mais que condenada aspiração

De algum idealista em distonia
*

 

E surdo, face a esta distorção,

Ou cego, face a esta pandemia...

É o sonho, contudo, evolução

E a essa nenhum vírus contraria.
*

 

Com Arte e Manha enfim se concretiza

O sonho que ninguém desenraíza

Do ser humano que em si próprio o traz
*

 

E que de quase nada se improvisa

Quando sobre si mesmo profetisa

E acerta, pois de tudo ele é capaz!
*

 


Maria João Brito de Sousa - 11.11.2020 - 22.53h

*

11
*

"E acerta, pois de tudo ele é capaz":

salta barreiras com a mente adormecida

porque, na noite, o sonho dorme em paz

diferente da vigília consentida.
*

Das trevas do profundo inconsciente

compõe lembranças do aqui e agora

e, às vezes, quando o corpo está doente

a alma criadora ri e chora.
*

A confusão, que alastra, não entrava

que faças com teu sonho a tua lavra

numa terra de fértil energia...
*

Não fiques agarrada à voz macabra!

talvez seja o silêncio que nos abra

os sonhos mais proféticos da poesia.
*

Laurinda Rodrigues
*

12
*

"Os sonhos mais proféticos da poesia"

Nascem-me assim que acordo e fico alerta;

A Manha é pouca, mas a Arte cria

A partir de uma mente bem desperta
*

Que a toda a voz macabra repudia,

Nem a ouvindo que outra é descoberta

Nos tons cantantes de uma melodia

Que sobre mundo e vida se concerta.
*

É dum sossego desassossegado,

Talvez silêncio de pronto quebrado,

Que o verso nasce e depois se compõe.
*

Mas só em força nasce se acordado;

Se dorme, nasce tão desafinado

Que nem percebe ao certo o que propõe.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 12.11.2020 - 11.35h

*

13.

"Que nem percebe ao certo o que propõe"

seguindo em linha a voz dos ditadores

que a todos nós a submissão impõe

para, depois, nos tratar como traidores.
*

Antigamente três "fs" suportavam

a perda, raiva, medo e frustração;

mas, agora, nem "fs" aguentavam

os espaços vazios da solidão.
*

Todos falam. Ninguém percebe nada.

Fazem-se regras apenas para fachada.

Mais tarde se verá quem vai mandar.
*

Pobre consolação em grande estilo!

Cantam melhor o galo, o melro, o grilo

que a gente entende, mesmo sem escutar.
*

Laurinda Rodrigues
*

14
*

"Que a gente entende, mesmo sem escutar"

Porque esses sabem sempre como e quando

E até entendem que comunicar

É bem mais que dar ordens de comando
*

Pois também será forma de exaltar

A própria vida que lhes vai pulsando

Nos pequeninos corpos, a vibrar,

Enquanto a Terra inteira vai girando
*

E eu, aqui sentada, vou glosando,

Apesar de uma mão me estar sangrando,

Os versos que me deste pra glosar.
*

Enquanto alguns de nós vão acordando,

Outros, sem Arte e Manha, vão tombando;

"O Mal faz-se sempre anunciar".
*

 

Maria João Brito de Sousa - 12.11.2020- 15.26h

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

11
Nov20

CAMINHO ACIDENTADO

Maria João Brito de Sousa

Na praia com a mãe Manela e o pai Pedrinho.jpg

CAMINHO ACIDENTADO
*


O sol bebi em tragos. E vivi!

Corri da Primavera ao V`rão da vida;

Explorando o dia, à noite me perdi,

E deste Outono não sei se há saída.

*

Aguardo o duro Inverno. Por aqui

Resistirei, sem data de partida;

Das primaveras nunca me esqueci

E aos invernos venci, mesmo transida.
*

Quatro vezes, me dizem, já morri,

Mas só duas recordo. Se inquirida,

Direi que não fui eu que assim escolhi,
*

Que aconteceu ser eu que fui escolhida;

Só sei o que é partir, porque parti,

Se bem que ingloriamente renascida.
*


Maria João Brito de Sousa - 11.11.2020 - 14.16h

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