"FOI EM PLENA LUZ DO DIA"
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VIAGEM
*
COROA DE SONETOS
*
Laurinda Rodrigues e Maria João Brito de Sousa
*
1
*
Desço ao fundo de mim, ao inconsciente
onde dormem vivências esquecidas.
Sei que naquilo que sou já fui diferente
e que hei-de ser diferente noutras vidas.
*
Sou toda um Uni-verso entrelaçado
de peças materiais que vão expandindo.
Fico parada a olhar o céu alado,
sentindo uma pulsão que está abrindo.
*
Meu outro Ser perdurará na luz
que me envolveu na terra feita em cruz
que não pode fugir ao seu destino...
*
Mas é aqui e agora que me afirmo:
mesmo que o corpo caia no abismo
a alma cantará, convosco, um Hino.
*
Laurinda Rodrigues
*
2
*
"A alma cantará, convosco, um hino"
Até depois da vida anoitecer
Enquanto se souber que fui menino,
Enquanto alguém lembrar que fui mulher
*
Na memória persiste o tal destino
Que bem longo será se alguém me ler;
Assim o vejo há muito, assim defino
Viagem, vida e espanto de viver.
*
De mim, da minha própria identidade,
Terá sobrado o verso que se evade
À decomposição inexorável
*
Do que foi o meu corpo passageiro;
Cigarro aceso à beira de um cinzeiro
De porcelana breve e descartável.
*
Maria João Brito de Sousa - 19.10.2020 - 13.43h
*
3
*
"De porcelana breve e descartável"
ouço cair estilhaços pelo chão
e um riso perverso insaciável
atravessou o espaço da Razão.
*
Talvez seja o diabo em sintonia
com a nossa condição de ser mortais
ele é sempre julgado à revelia
no tribunal dos loucos amorais.
*
Mas não se iludam! Esse demo existe
bem no fundo de nós, onde persiste
uma história de erros, frustrações...
*
Afinal, a loucura pouco importa
se é, com ela, que o poeta exorta
o mundo turbulento das paixões.
*
Laurinda Rodrigues
*
4
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"O mundo turbulento das paixões"
Faz do Olimpo um nada, uma sequela;
No palco dos heróis e dos vilões
Desta realidade paralela
*
Há gigantes que fogem dos anões
E a Fera é perseguida pela Bela
Enquanto os anjos brincam com dragões
E a bruxa se transmuta em Cinderela.
*
No mais fundo de mim, se o demo existe,
Procuro descobrir-lhe o vulto triste
Mas não lhe encontro rasto e nem o faro
*
Me dá qualquer sinal de outra presença
Que de mim mesma não seja pertença;
Será a sua ausência um caso raro?
*
Maria João Brito de Sousa - 19.11.2020 - 16.22 h
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5
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"Será a sua ausência um caso raro?"
ou o transporte ao Olimpo é de avião
e não viu lá de cima o exemplo claro
da luta do gigante com o anão?
*
É preciso esperar pousar na pista
sem muita turbulência na aterragem
para que o piloto hábil lhe resista
sem medo de entrar em derrapagem.
*
Porque isto de emoções tão reprimidas
que fogem ao arbítrio do Rei Midas
na decisão de ser um demo ou anjo
*
é, mesmo, o velho tema do destino
(porque nasceu mulher e não menino)
porque toca piano em vez de banjo?
*
Laurinda Rodrigues
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6
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"Porque toca piano em vez de banjo"
Quem no trompete ou na guitarra é ás?
Quem lhe imporá tamanho desarranjo
Ao afastá-lo do que mais lhe apraz?
*
Nestas perguntas, mais tempo não esbanjo;
Não quero incomodar, sendo tenaz,
Quem disto saiba mais que quanto abranjo
E, em coisas destas, nunca fui sagaz...
*
Às emoções, porém, nunca reprimo
Que a toda a hora as rondo, sondo e esgrimo
Com grande habilidade e destemor
*
E aos temas nunca escolho. O meu escolhido
É sempre um som que aflora ao meu ouvido
E me enfeitiça e se me sabe impor.
*
Maria João Brito de Sousa - 20.11.2020 - 11.18h
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7
"E me enfeitiça e se me sabe impor"
como uma vaga que cresce sem aviso
alerta o marinheiro para compor
o sentido que o leva ao paraíso...
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Ele não está preparado mas aceita
deixar a onda desfazer na praia...
Não tem sabedoria nem receita:
o instrumento toca aquilo que ensaia.
*
Mas não esqueceu o tema desta vida:
"em frente camarada" destemida!
não há razão que te perturbe o Ser.
*
Músico ou poeta ou marinheiro
o canto das estrelas cabe inteiro
na mutação que vai acontecer.
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Laurinda Rodrigues
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8
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"Na mutação que vai acontecer"
E vai acontecendo a cada instante
Do que a mãe-tecelã está a tecer
No seu velho tear desconcertante.
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Decerto nos irá surpreender
A criatividade galopante
Que esse velho tear demonstra ter
Na sua actividade que é constante.
*
Viaja a tecelã no fio que fia
E viajamos nós em sintonia
Com trama fiada e por fiar,
*
Que é porfiando que tudo se cria
E a trama é tal qual uma melodia
Quer nasça de um piano ou de um tear.
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Maria João Brito de Sousa - 20.11.2020 - 15.02h
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9
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"Quer nasça de um piano ou de um tear",
a mão, que tece, é sempre a mão que cria,
na inspiração do eterno respirar
de uma alma tremendo em fantasia.
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Fantasia de fada ou de duende,
de uma ave canora ou imitação...
Aquele, que comunica, fogo acende
seja de amor sublime ou perversão.
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Não é ardil nem sonho camuflado
de palavras subtis de um Ego inflado
pela competição de seus iguais...
*
O papagaio repete aquilo que ouviu
mas, se for transcendente, conseguiu
despertar o segredo dos mortais.
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Laurinda Rodrigues
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10
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"Despertar o segredo dos mortais"
É dar-lhes um lugar nesta viagem
Na qual sempre há lugar pra muitos mais,
Ainda que alguns pensem ser miragem
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Viajar-se nas lonjuras dos murais,
Nunca tentando agir como outros agem,
Perdendo o Norte aos pontos cardeais
E levando a Garcia outra mensagem.
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O guia é sempre um ponto de partida
E nem sempre a viagem concebida
Naufraga em perfeição, tendo sucesso.
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O que importa é cantar, que um hino à vida
Vem de uma voz que é tanto mais ouvida
Quão mais se perca durante o processo.
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Maria João Brito de Sousa - 21.11.2020 - 13.51h
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11.
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"Quão mais se perca durante o (seu) processo"
em conexão com outros peregrinos
que atravessam o mar do insucesso
por nunca recusarem seus destinos,
*
será uma montanha de ilusões
ascendendo no ar, quando nascer,
mas, quando o sol se esconde nos porões,
vai deitar-se na proa para morrer.
*
Reavalia, então, o ofuscamento
que fez da sua vida esse tormento
de tanto querer e ter como pessoa
*
E vê pontos de luz que vão chegando
à sua consciência, decifrando
o mal que tanto fez e não perdoa.
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Laurinda Rodrigues
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"O mal que tanto fez e não perdoa",
Porque não nasce, o mal, pra perdoar,
Mas pr`aumentar a dor do que já doa
Mesmo antes desse mal se anunciar.
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Mal fica quem viaja e fica à toa,
Mas pior ficará quem nunca ousar
Seguir o tal tal apelo que destoa
Do que é tido por norma ou por vulgar.
*
Só não se atreve quem de si não gosta
Ou quem é surdo e cego e tudo aposta
Numa rota alheada e comedida;
*
Esse, que à tempestade sempre arrosta,
Pode - quem sabe? - nem chegar à costa,
Mas até no naufrágio encontra vida.
*
Maria João Brito de Sousa - 21.11.2020 - 15.53h
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"Mas até no naufrágio encontra vida"
escolhendo livremente naufragar
sem nunca desejar contrapartida
por ter salvo outro ser de se afogar.
*
Com humildade, enfrenta a turbulência
desse vento feroz, que não esperava
destruísse o sentido da existência
a quem só na matéria acreditava.
*
E aporta o barco no porto criador
escondendo na rocha a sua dor
pela dor de outro Eu sobrevivente.
*
E, apelando à coragem e à união,
deixa no mar os restos da ilusão
que possa a humanidade ser diferente.
*
Laurinda Rodrigues
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14
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"Que possa a humanidade ser diferente",
Mais justa, igualitária, equilibrada
Do que a que hoje se curva ao prepotente
E que despreza quem já não tem nada.
*
Mas há que navegar, seguir em frente,
Fazer um esforço, dar outra braçada...
Enquanto um sopro houver, há vida, há gente,
Há a luta, há a esp`rança renovada.
*
Homem que navegando naufragaste
Mas que a qualquer destroço te agarraste
Tentando retardar o teu poente,
*
Não há eternidade que nos baste;
No breve instante que à morte roubaste
"Desço ao fundo de mim, ao inconsciente".
*
Maria João Brito de Sousa - 21.11.2020 - 21.37h
Queira ter a gentileza de ler aqui, se faz favor.
AFÁVEL-MENTE
*
Ó minha amada mente, afavelmente
Empenhada em sondar e desvendar;
Sente e deduz, que existes pra criar
Toda a beleza que a voz te consente.
*
Se é certo que outra mente te desmente,
Menos certo não é não te importar
Que exista quem te queira desviar
Da musicalidade em ti presente.
*
Amavelmente, ó mente, irás cantar
Enquanto fores fiel e coerente
Com essa forma de ser e de estar;
*
Imprevisível és, provavelmente,
Mas tão certeira quanto o despontar
Do fruto que antes foi mera semente.
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Maria João Brito de Sousa - 20.11.2020 - 13.41h
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Imagem retirada daqui
A MUSA E EU
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Brincando aos Desentendimentos
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Da distraída musa em que me invento
Fiz alter-ego; a culpa é toda dela
Se o vento amaina e não me enfuna a vela,
Se o bote encalha e o verso nasce lento.
*
Dela é o ponto fraco. O que é talento
Também, a bem dizer, lhe cabe a ela...
Se assino no final, quase à cautela,
É sempre com algum constrangimento.
*
Tropeça um verso coxo e sonolento
Na esquina em que uma rima se afivela
Por falhar-lhe uma nota, um mero acento?
*
Está perdida a toada tagarela
De compasso cantante e turbulento...
E onde é que a culpa mora se não nela!?
*
Maria João Brito de Sousa - 19.11.2020 - 15.24h
CONVERSAS À JANELA
*
(entre sonetistas)
*
Grafando letra a letra e lentamente,
Compões o teu soneto extraordinário,
Ditado por tu'alma, o santuário
Onde germina a imortal semente.
*
E nesse curto espaço inconsistente,
Tu dás a dimensão de um grã-sacrário
Com a pedra angular num campanário
Tangente em vibrações que a alma sente
*
Com a grandiosidade do que dizes,
Tendo a semente com suas raizes
Na alma e os sobranceiros, grandes ramos
*
Nossas almas sombreiam, com matizes
Tão multi-coloridos quão felizes
Nós nos tornamos quando o escutamos!
*
Laerte Tavares
*********
Falham-me os olhos, vão falhando os braços
E até o coração me vai falhando
Inda que sobre as teclas vá teimando
Em ser mais forte do que os meus cansaços.
*
Se galopa o soneto em seus compassos,
Este, coitado, nem sequer trotando
Se soube construir. Foi-se apoucando
Na lentidão dos débeis ou madraços...
*
Mas lá se construiu, pese este peso
Que o prende a tudo aquilo que eu desprezo,
Rastejando, talvez, mas não vergado
*
Ao que assim o tornou fraco, indefeso;
Arriscou tudo e, enfim, chegou ileso
À praia em que julgou ter naufragado.
*
Maria João Brito de Sousa - 17.11.2020 - 13.10h
*
Imagem- Tela de Paul Klee
SONETO CONTRA-NATURA
*
Burile-se o soneto qual escultura
Mas só depois de impresso. Quando brota
Deve ser jorro em natural ruptura
Com a extrema prudência que denota.
*
Curto tamanho, pequena estatura
Tem o soneto e escolhe a própria rota
Ainda que ela o leve à sepultura
Rindo de si pra não fazer batota.
*
Mas se em tão curto espaço cabe inteiro
Nem sempre o que contém é tão ligeiro
Quanto o do que hoje trago e que desmente
*
Quanto quero dizer e só desdigo
Na pequenez do pouco que consigo
Grafar letra por letra, lentamente.
*
Maria João Brito de Sousa - 16.11.2020 - 13.59h
Queira ter a bondade de ler aqui
ARTIMANHA
*
Coroa de Sonetos
*
Laurinda Rodrigues e Maria João Brito de Sousa
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1
*
O mal faz-se sempre anunciar.
Às vezes, disfarçado, nem se nota.
Poeira venenosa envolve o ar
e um cheiro nauseabundo fica à solta.
*
Não há palavras, gestos ou imagens
que emudeçam, na alma, o medo insano
São sendas de pavor como paisagens
que atravessam a terra e o oceano.
*
Impõe-se a solidão. Ficarmos presos.
É essa a solução para estar ilesos
de um ataque fortuito que nos espreita...
*
Não vale a pena dizer "sim" ou "não":
tudo aquilo que se diz é sempre em vão,
se a confusão lançada é tão perfeita.
*
Laurinda Rodrigues
*
2
*
"Se a confusão lançada é tão perfeita"
Que aos mais sábios confunde e desatina,
Cremos, então, que o Mal está sempre à espreita
Atrás de cada porta, em cada esquina
*
São coisas de que a Manha se aproveita;
Bem sabemos que a Manha, essa ladina,
Se quer fazer passar por insuspeita
E aquilo que prescreve, nunca assina.
*
Mas passe a Arte a bem ou passe a mal,
Contorna os riscos e enfrenta o medo
Que a ameaça de forma desleal;
*
Abre as janelas de manhã bem cedo
Bebe do Sol a força universal,
Reduz o Mal a peças de brinquedo.
*
Maria João Brito de Sousa - 09.11.2020 - 12.29h
*
3
*
"Reduz o Mal a peças de brinquedo"
mas - cuidado! - que o sol é enganador:
faz de conta que é Pai e mete medo
quando os filhos lhe estragam o fulgor.
*
Mas, afinal, o sol é apenas estrela
entre tantas estrelas que há no céu
e, quando esta verdade se revela,
uma outra dimensão aconteceu.
*
Juntando as peças, que temos na memória,
vemos que "chefes-sóis" fizeram história
que lhes servem a eles, sem discussão...
*
E, usando o globalismo como lema,
garantem, no poder, o seu sistema,
impondo, sem destrinça, esse padrão.
*
Laurinda Rodrigues
*
4
*
"Impondo, sem destrinça, esse padrão"
Que a Maga-lua acorre a transformar;
Assim que o Sol se rende à escuridão
Impõe-lhe ela o seu manto de luar
*
E assim concede ao mundo a sedução
Que o Chefe-sol se nem lembrou de dar,
Quem sabe se por pura distracção,
Se por puro capricho de mandar...
*
Amo o Sol e concedo-lhe o perdão
(ou penso que o consigo perdoar...)
Porque me acende a imaginação,
*
Porque a todos se entrega sem cobrar,
Porque - confesso! - me enche de paixão
E porque, enfim, assumo; sou solar!
*
Maria João Brito de Sousa .
*
5.
*
"E porque, enfim, assumo; sou solar"
presa na rota do ciclo de estações,
mesmo, sem canto, encanto à luz lunar,
esquecendo que há, na lua, mutações.
*
Cresce a lua no céu, depois de prenhe
que o sol, na fase "nova", engravidou,
para correr o "quarto" e se despenhe
na "cheia" exibição que a culminou.
*
Podemos ser solares enquanto humanos
mas é como lunares que cultivamos
o caminho perfeito da união...
*
Nada no cosmo existe sem sentido
e é o olhar do poeta, destemido,
que faz, da lua e sol, inspiração.
*
Laurinda Rodrigues
*
6
*
"Que faz, da lua e sol, inspiração"
E que com Arte e Manha lhes dá voz
Porque Arte quer dizer rebelião
E Manha há sempre um pouco em todos nós.
*
Rebeldes, inventamos a paixão,
Manhosos, transformamos algo atroz
Num enredo ideal cuja ilusão
Nasce purpúrea da explosão de uns pós...
*
Triangulamos Terra, Sol e Lua,
Num passe de magia. A Arte, nua,
Por um momento veste os nossos mantos
*
Para, logo a seguir, mostrar-se crua;
Despindo os astros, muda-se em falua
E faz-se ao Mar, explorando outros encantos.
*
Maria João Brito de Sousa - 10.11.2020 - 12.54h
*
7
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"E faz-se ao Mar, explorando outros encantos"
porque, se a Arte é arte, é a expressão
seja em poesia, dança, sons ou cantos
do tempo, que traduz a mutação.
*
E a mutação prevê-se nas estrelas
no para além deste planeta terra,
mesmo que tentem colocar-nos trelas
na desculpa de que Isto é uma guerra.
*
Seremos sábios, mas sábios disfarçados
de humildes servidores desnaturados,
que aceitaram nascer para mendigar...
*
E, enquanto os Reis solares clamam razão,
os pobres servidores vão dando a mão
prosseguindo a arte e manha de os calar.
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Laurinda Rodrigues
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8
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"Prosseguindo a arte e manha de os calar"
Sempre que as ordens se tornam brutais,
Semeamos a flor que há-de brotar
Nos prados, nos canteiros, nos quintais
*
Da Terra inteira, do céu ou do mar
No qual nadam os peixes e os corais
Proliferam, ainda, sem parar;
Nada, pra si, será longe demais
*
Porque a Arte não cuida de barreiras
E há-de passar por todas as fronteiras
Mais forte a cada palmo que conquista.
*
Escapar-se-á por fendas e soleiras
Mimetizando as coisas costumeiras;
Ninguém pode impedir que ela subsista!
*
Maria João Brito de Sousa - 11.11.2020 - 19.24h
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"Ninguém pode impedir que ela subsista"
mesmo vendo que a arte é maltratada
e não é com protestos que resista
a tanta confusão já instalada.
*
Na solidão imposta, versejamos
criando a ilusão que vale a pena...
Mas se, por mero acaso, fraquejamos
as imagens cruéis voltam à cena.
*
Atados ao visor dos aparelhos
que são agora os nossos novos espelhos
retratando o olhar da rendição,
*
talvez ainda sobreviva o sonho
de que este pesadelo tão medonho
se transforme num sonho de paixão.
*
Laurinda Rodrigues
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"Se transforme num sonho de paixão"
O que hoje nos parece uma utopia
E a mais que condenada aspiração
De algum idealista em distonia
*
E surdo, face a esta distorção,
Ou cego, face a esta pandemia...
É o sonho, contudo, evolução
E a essa nenhum vírus contraria.
*
Com Arte e Manha enfim se concretiza
O sonho que ninguém desenraíza
Do ser humano que em si próprio o traz
*
E que de quase nada se improvisa
Quando sobre si mesmo profetisa
E acerta, pois de tudo ele é capaz!
*
Maria João Brito de Sousa - 11.11.2020 - 22.53h
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"E acerta, pois de tudo ele é capaz":
salta barreiras com a mente adormecida
porque, na noite, o sonho dorme em paz
diferente da vigília consentida.
*
Das trevas do profundo inconsciente
compõe lembranças do aqui e agora
e, às vezes, quando o corpo está doente
a alma criadora ri e chora.
*
A confusão, que alastra, não entrava
que faças com teu sonho a tua lavra
numa terra de fértil energia...
*
Não fiques agarrada à voz macabra!
talvez seja o silêncio que nos abra
os sonhos mais proféticos da poesia.
*
Laurinda Rodrigues
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*
"Os sonhos mais proféticos da poesia"
Nascem-me assim que acordo e fico alerta;
A Manha é pouca, mas a Arte cria
A partir de uma mente bem desperta
*
Que a toda a voz macabra repudia,
Nem a ouvindo que outra é descoberta
Nos tons cantantes de uma melodia
Que sobre mundo e vida se concerta.
*
É dum sossego desassossegado,
Talvez silêncio de pronto quebrado,
Que o verso nasce e depois se compõe.
*
Mas só em força nasce se acordado;
Se dorme, nasce tão desafinado
Que nem percebe ao certo o que propõe.
*
Maria João Brito de Sousa - 12.11.2020 - 11.35h
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13.
"Que nem percebe ao certo o que propõe"
seguindo em linha a voz dos ditadores
que a todos nós a submissão impõe
para, depois, nos tratar como traidores.
*
Antigamente três "fs" suportavam
a perda, raiva, medo e frustração;
mas, agora, nem "fs" aguentavam
os espaços vazios da solidão.
*
Todos falam. Ninguém percebe nada.
Fazem-se regras apenas para fachada.
Mais tarde se verá quem vai mandar.
*
Pobre consolação em grande estilo!
Cantam melhor o galo, o melro, o grilo
que a gente entende, mesmo sem escutar.
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Laurinda Rodrigues
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14
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"Que a gente entende, mesmo sem escutar"
Porque esses sabem sempre como e quando
E até entendem que comunicar
É bem mais que dar ordens de comando
*
Pois também será forma de exaltar
A própria vida que lhes vai pulsando
Nos pequeninos corpos, a vibrar,
Enquanto a Terra inteira vai girando
*
E eu, aqui sentada, vou glosando,
Apesar de uma mão me estar sangrando,
Os versos que me deste pra glosar.
*
Enquanto alguns de nós vão acordando,
Outros, sem Arte e Manha, vão tombando;
"O Mal faz-se sempre anunciar".
*
Maria João Brito de Sousa - 12.11.2020- 15.26h
CAMINHO ACIDENTADO
*
O sol bebi em tragos. E vivi!
Corri da Primavera ao V`rão da vida;
Explorando o dia, à noite me perdi,
E deste Outono não sei se há saída.
*
Aguardo o duro Inverno. Por aqui
Resistirei, sem data de partida;
Das primaveras nunca me esqueci
E aos invernos venci, mesmo transida.
*
Quatro vezes, me dizem, já morri,
Mas só duas recordo. Se inquirida,
Direi que não fui eu que assim escolhi,
*
Que aconteceu ser eu que fui escolhida;
Só sei o que é partir, porque parti,
Se bem que ingloriamente renascida.
*
Maria João Brito de Sousa - 11.11.2020 - 14.16h
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