Maria João Brito de Sousa
O NOSSO CANTINHO
Coroa de Sonetos
Helena Fragoso e Maria João Brito de Sousa **
1 *
Guardei em minhas mãos o teu carinho
E nas tuas palavras meu amor
E assim vou prosseguindo este caminho
Entre a paz que me dás e alguma dor… *
Guardei em mim o teu sabor a vinho
O teu toque suave, o teu calor….
Guardei o corpo teu que de mansinho
Ao meu se foi juntando com fervor…. *
Guardei, tudo guardei neste cantinho
Construído por nós devagarinho
Com todo este alicerce de valor… *
Respeito, liberdade, um bocadinho...
Ternura, amizade e o carinho
E todo, todo o nosso imenso amor… *
Helena Fragoso
**
2 *
"E todo, todo o nosso imenso amor"
Floresce na casinha que habitamos;
Dela somos escravos, sendo os amos,
Por ela abrimos asas de condor *
E, sentindo prazer em vez de dor,
Alongamos as asas e voamos
Até ao infinito. Porque amamos
Até ao mais profundo despudor *
A casa que, habitada, nos habita
Na qual até as tábuas pulsarão
E as portas são um órgão que palpita *
Ao comando do nosso coração;
Pode essa casa ser, ou não, bonita,
Que é cega, louca e cega, esta paixão. *
Maria João Brito de Sousa - 12.07.2020 - 12.35h **
3
*
“Que é cega, louca e cega esta paixão”
Tão avassaladora de ternura
O que importa é que é boa enquanto dura
Tendo a dor e tristeza em contramão… *
Tem a sonoridade da canção
O som de uma guitarra que em ternura
Ao dedilhar a melodia pura
Nos transmite uma paz de adoração… *
Esse trinado suave de candura
Envolve este cantinho com doçura
E faz pulsar latente o coração… *
Nos faz seguir a estrada com a ventura
Nos banha com carinhos e ternura
Seguimos lado a lado, mão na mão. *
Helena Fragoso *
4
*
"Seguimos lado a lado, mão na mão"
Abrindo portas a novos caminhos,
Tão convictas da nossa convicção
Quanto da confluência dos cantinhos
*
Onde guardámos, de alma e coração,
A pureza dos nossos brancos linhos;
A cabeça no céu e os pés no chão,
Lúcidas recusamos outros ninhos *
Que mais forte é o ninho construído
Do que outro que nos seja prometido
Por quem não saiba amá-lo como nós;
*
O nosso, em liberdade concebido,
Não pode ser trocado nem vendido,
Pois nele habita a nossa própria voz. *
Maria João Brito de Sousa - 17.07.2020 - 15.30h
* 5 *
"Pois nele habita a nossa própria voz"
E a tela que pintamos tu e eu
Em cores matizadas e onde nós
Desenhamos o que a vida nos deu… *
Aqui estaremos juntos, nunca sós,
Teremos nossos astros, nosso céu.
Um cântico de paz que entre nós
Soará como o cântico de Orpheu… *
Unidos pela própria nossa voz
Sempre seremos um, seremos nós,
Tudo neste cantinho que é tão meu… *
Cantinho que será a nossa foz,
Nada o destruirá, pois é feroz,
Esta força que somos, tu e eu. * Helena Fragoso. *
6 *
"Esta força que somos, tu e eu"
Neste nosso cantinho de poemas,
Leva-nos a voar da Terra ao céu
Nalguns instantes... segundos, apenas... *
Outras vezes, porém, finge-se incréu
Rejeita um novo vôo e todo empenas
Cobre-nos com o pesado e denso véu
Das coisas mais pesadas, mais terrenas. *
Este cantinho é tal e qual a vida
Que volta e meia prega uma partida,
Sem dar conta do susto que pregou *
Nem eu estou, nem tu estás desprevenida
E em qualquer canto achamos a saída;
Abra-se a porta que o Tempo fechou! *
Maria João Brito de Sousa - 19.07.2020 - 16.48h *
7 *
Abra-se a porta que o Tempo fechou
Soltem-se sons da paz e da harmonia
E nos momentos aos quais eu me dou
Sempre renovo esta minha energia… *
Aqui concentro aquilo que sou
Tudo o que sei e o que nem sabia…
Todos os sonhos que alguém já sonhou ..
E tantas coisas que eu nem sequer via… *
Neste cantinho meu ser acordou
Viu o caminho e aqui se entregou
A suavidade que aqui existia…. *
Abra-se a porta que o Tempo fechou
Soam palavras que o vento cantou…
Nossos poemas feitos dia a dia…. *
Helena Fragoso **
8 *
"Nossos poemas feitos dia a dia"
De incertezas, de risco e de ternura,
Vão conf`rindo suavíssima harmonia
Ao local deste encontro, na procura, *
E o espaço da perfeita sintonia,
O centro da harmonia e da loucura
É esta pequenina sinfonia,
Ou esta melodia incauta e pura *
Que sobre o meu joelho vou esboçando
Enquanto a pauta foge, esvoaçando,
E me deixa ao sabor de um improviso *
Que me lança um sorriso honesto e brando;
Não sei se isto é real, se estou sonhando,
Mas correspondo, aberta num sorriso. *
Maria João Brito de Sousa - 22.07.2020 - 15.00h
9 *
"Mas correspondo aberta num sorriso"
E te abençoo sempre com o olhar…
És o luar que amo e que preciso
Sempre presente na noite a brilhar… *
E um poema sai-me de improviso…
Pinto uma tela neste nosso lar
Num tom perfeito, suave, conciso,
Como a ternura sabe desenhar… *
E se estou triste ou se perco o juizo,
Logo me banhas com o teu sorriso,
E num abraço me vens acalmar… *
Neste recanto tudo o que preciso
É a doce paz, um beijo, um sorriso,
Assim vivemos neste nosso lar. *
Helena Fragoso **
10
*
"E assim vivemos neste nosso lar"
Deveras pobre e, contudo, tão rico
Quanto o manto de prata do luar
E o brilho solar que nunca explico *
Porquanto me fascina e faz calar
Bem mais que as coisas que nem qualifico
Por tão pouco as saber sequer explicar
Ao transcenderem quanto quantifico...
*
Neste cantinho nosso, muito nosso,
Há abraços à ceia e ao almoço,
Nada nos falta enquanto amor houver... *
Bem sei que todo o fruto tem caroço
Mas, por enquanto, faço quanto posso
Pra que este (en)canto volte a renascer!
*
Maria João Brito de Sousa - 26.07.2020 - 15.46h
** 11 *
"Pra que este encanto volte a renascer"
Que tudo siga na forma mais certa
Que este ambiente de luz e prazer
Se não transforme em casa deserta. *
Sempre sorrindo espelho no teu ser
Os meus desejos quando algo desperta..
E nos teus braços logo sinto ter
A calma , a paz e tudo se acerta. *
E na essencia que te sinto ter
Posso encontrar a paz e o prazer
Vou caminhando segura, tão certa… *
E este encanto volta a renascer
Pois é assim nosso jeito de ser,
E este amor será sempre uma oferta. *
Helena Fragoso. **
12 *
"E este amor será sempre uma oferta"
Que a este (en)canto trará mais beleza
E a luz que entrar pela janela aberta,
Também há-de sentar-se à nossa mesa *
Inda que pobremente recoberta
E à meia-luz de uma só vela acesa...
perfaremos, contudo, a conta certa
E disso ambos teremos a certeza. *
Espelham-se os versos meus nos versos teus,
Mais poemas nos nascem, feitos véus,
Dosséis que o nosso leito enfeitarão... *
Depois serão os teus chamando o meus
E juntos voarão pr`além dos céus,
E, unidos, simplesmente... voarão! *
Maria João Brito de Sousa - 28.07.2020 - 11.52h
**
13 *
"E unidos simplesmente voarão (!)"
Abrindo suas asas de condor
Em vôos de uma enorme dimensão
De ternura, de paz, riso e amor…. *
E nesses altos vôos mostrarão
Toda a verdade, todo esse valor…
Deste recanto e sua construção
Que nos abriga em seu doce calor *
E juntos continuamos então
Neste caminho pleno de emoção
Unidos na poesia,no amor… *
Fortalecendo assim nossa união
Unidos simplesmente voarão
Serão nossos poemas um louvor... *
Helena Fragoso. **
14 *
"Serão nossos poemas um louvor(...)"
Ao que em conjunto fomos construindo
E nada, para nós, será maior
Do que o que deste amor nos foi saindo... *
Se alguém testemunhar, tanto melhor!
Se outro nos visitar, será bem-vindo,
Pois se ganhámos asas de condor
Foi pra, nelas voando, irmos subindo. *
Haverá quem duvide, porventura,
Quem descreia de nós, desta candura,
Da existência, até, do nosso ninho, *
Mas quem pode calar tanta ternura
Se para dela ficar bem segura
"Guardei em minhas mãos o teu carinho"? *
Maria João Brito de Sousa - 30.07.2020 - 12.17h
publicado às 15:50
Maria João Brito de Sousa
VISÃO *
Resvala-me uma mão, fruto impotente
De um segundo de amarga lucidez
Que me corta a palavra omnipresente
Sem dar-me o benefício de um talvez
*
Resvala-me outra mão, mesmo à tangente
Do verso que empunhara dessa vez,
E não há olhos que lhe façam frente
Nem há tamanho para o que desfez... *
Noutro segundo, o gesto recomeça
Tomando rumo inverso. Ergue-se a mão.
Pode ser que o poema prevaleça *
Apesar de inseguro... ou talvez não
Seja a visão a chave desta peça
Que exige muito mais do que visão. *
Maria João Brito de Sousa - 29.07.2020- 12.05h
publicado às 12:13
Maria João Brito de Sousa
NEM UM VERSO OUVI... - COROA DE SONETOS
Maria João Brito de Sousa e Custódio Montes
*
1 *
Houvesse, hoje, um versito distraído
Que por aqui passasse por acaso
E que algo murmurasse ao meu ouvido,
Pra poder-vos dar conta deste atraso...
*
Fosse de pé quebrado ou mal medido,
Quase a desvanecer-se num ocaso,
Gago que fosse ou tão mal construído
Que em tudo semelhasse ângulo raso, *
Que quisesse ser recto e não se erguesse
Um grauzito sequer que graça desse
A quem o visse ou lesse por aí... *
Mas este que encontrei sem voz, nem dono,
Tudo quanto fará é dar-vos sono;
Peço desculpa. Nem um verso ouvi. *
Maria João Brito de Sousa - 24.07.2020 - 14.30h **
2 *
Também eu não ouvi sequer um verso
Pois fui passar uns dias à aldeia
Sem versos, claro, venho de alma cheia
E este estado assim é bem perverso *
Trazer a alma toda em anverso:
A alma com poesia sem que leia
O ritmo que entre ela se encandeia
E firmem no conjunto um universo *
É termos o poema cá bem dentro
E a forma arredada do seu centro
E não o publicar nem o fazer *
Às vezes fica o mundo frio, escuro
Sem vermos o presente e o futuro
E um verso só bastava para o ver. *
Custódio Montes
**
3 *
"E um verso só bastava para o ver"
Pois bastaria apenas tê-lo ouvido,
Mas... desta vez escondeu-se, emudecido,
Talvez sentindo medo de morrer,
*
Talvez pensando poder-se perder
Quiçá de si, do seu próprio sentido,
Que entre hospitais se sente já perdido
E nunca tem vergonha de o dizer... *
A Musa foi de súbito tomada
Por um medinho atávico, ancestral,
E escondeu-se debaixo de uma escada *
Assim que viu, ao longe, o hospital.
Bem a chamei. Não me serviu de nada...
Estou "desmusada" e a sentir-me mal! *
Maria João Brito de Sousa - 25.07.2020 - 11.25h
**
4 *
"Estou "desmusada" e a sentir-me mal"
Melhoras lhe desejo a si e à musa
Mas mais a si que esta isso escusa
Doente embora é fenomenal *
Os versos que ela engendra são sinal
De veia que se mostra bem difusa
Reergue-se depressa e não recusa
Andar correr e ser original *
Por isso não se queixe, minha amiga
Senão olhe que Deus inda a castiga
Nós não o desejamos nem queremos *
Doenças têm cura e melhora
E mesmo apenas sã uma só hora
São belos os poemas que lhe lemos. *
Custódio Montes **
5 *
"São belos os poemas que lhe lemos",
Poeta que ontem foi à sua aldeia
E dela veio com a bela veia
Que hoje frutificou, como aqui vemos! *
Entrou na Barca Bela e fez-se aos remos
Sem medo do "mar grande" e da sereia,
Nem do rochedo e dos bancos de areia
Nos quais já tantas vezes perecemos... *
Chegou e dou-lhe agora as boas vindas
Porque assim se recebem bons amigos
Que foram visitar as praias lindas *
Que já foram seus berços, seus abrigos;
Desejo felicidades sempre infindas
E poucos ou nenhuns dos meus castigos. *
Maria João Brito de Sousa - 26.07.2020 - 08.40h
**
6 *
"E poucos ou nenhuns dos meus castigos"
Os seus castigos são materiais
E não como se vê de outros mais
Pois olha e vê bem longe por postigos *
Que outros pelo ar e com perigos
Tão só divisam coisas bem normais
Sem luas sois ou tardes outonais
Com sonhos ou quimeras como abrigos *
Ainda para mais desculpas pede
De não ouvir um verso ou melodia
Quando nada se vê de que se arrede *
E produz seus poemas dia a dia
De toda a realidade a que acede
E isso porque é toda poesia .... *
Custódio Montes
(26.7.2020) **
7 *
"E isso porque é tod(a)o poesia"
E merece o respeito e a amizade
De quem a responder-lhe não se evade
E o faz com muitíssima alegria
*
Haja quem nos secunde com mestria,
Que eu, dos meus olhos, sinto já saudade
E ao lume deixo a açorda que, em verdade,
Por um pouquinho mais se queimaria... *
Alguma coisa ainda vejo, sim,
Mas a cabeça dói-me, os olhos ardem,
E já nem sei o que será de mim *
Se for em vão que meus olhos aguardem
As cirurgias... mas, até ao fim,
Vou crer que sim, por muito que elas tardem! *
Maria João Brito de Sousa - 26.07.2020 - 11.29h **
8 *
"Vou crer que sim, por muito que elas tardem!"
Mas vão chegar depressa isso vão
Aos olhos também fiz operação
E agora vejo bem e já não ardem *
Que os deuses a protejam e a guardem
E que lhe restituam a visão
Para podermos ter sua lição
Que os médicos se apressem, não aguardem *
Eu penso que vai tudo correr bem -
Comigo assim foi e eis a prova
Puseram lentes novas e também *
Se foi a miopia, o que renova
A vista que alcança mais além -
E vai ficar, amiga, como nova. *
Custódio Montes
(26.7.2020) **
9 **
"E vai ficar, amiga, como nova",
Diz-me o amigo, muito gentilmente...
Mas eu pergunto quando. É mesmo urgente
E esta quase-cegueira bem o prova. *
Esforçadamente leio ou escrevo a trova
E tudo faço assim; esforçadamente,
Além do que se exije a toda a gente
E, pior, estando já c`os pés prá cova *
Já que esperança de vida, pouca tenho
E, se bem que isso encare com bravura,
Melhor fora podarem-me este lenho *
Que à vida me traz dor e desventura
E darem-me a visão que tive antanho
Pra não andar, das teclas, à procura...
*
Maria João Brito de Sousa - 26.07.2020 - 13.21h **
10
* "Pra não andar, das teclas, à procura"
Mas vê bem as palavras, isso vê
Pois nota isso a gente que a lê
Que encontra nelas força e candura *
Arrojo, sentimento com doçura
E criatividade e os porquês
De tão bem escrever em português
De ser muito vernácula e pura *
Mas não vou parecer adulador
Que o que se diz às vezes tem um custo
Mas ser omisso outras é pior *
E eu não tenho peias não me assusto
Afirmo sempre aquilo que é melhor
E aqui o que eu afirmo é tudo justo. *
Custódio Montes
(26.7.2020) **
11 *
"E aqui o que eu afirmo é tudo justo"
Mas o que não é justo, com certeza,
Foi deixarem-me, há anos, assim presa
A escrever tudo com tão grande custo! *
Não será facilmente que me assusto,
Conseguirei manter certa frieza
E por vezes até sair ilesa
Do confronto com quem é mais robusto, *
Se confronto existir, que o não procuro!
Mas conseguindo ser muito objectiva,
Não tenho medo nem sequer do escuro! *
Ainda que "pitosga", estou bem viva
Mas devo confessar que é muito duro
De tanta "pitosguice" estar cativa! *
Maria João Brito de Sousa - 26.07.2020 - 14.25h **
12 *
"De tanta "pitosguice" estar cativa",
Atrasos sem desculpa e sem valor
Seria menos mau e até melhor
Ir ter ao hospital e aflitiva *
Dizer a alma aí caritativa
Que tem sua visão má e pior
Que há só escuridão e sente dor
E ser frontal e bem explicativa *
Eu sei que a poetisa não faz isso
Mas muitos há decerto que lá vão
Conseguem de certeza compromisso *
De formas pouco lícitas que são
Escuros, tristes modos e por isso
Pratica só quem age em corrupção. *
Custódio Montes
(26.7.2020) **
13 *
"Pratica só quem age em corrupção"
Esses truques e manhas, bem o sei...
Para a minha pensão - pensão de rei! -
Duzentos e setenta; mais não são! *
Para quem sobrevive a tal pensão,
Sem recorrer ao que antes mencionei,
Não está fácil a vida... lei é lei!
Pra corrupta não trago vocação! *
E agora que escrevi a bom escrever,
Que lhe falei de (algumas) desventuras
E que aqui me fui dando a conhecer, *
Vou tomar um café; estou com tonturas
E a tensão está de novo a prometer
Descer de lá do topo das alturas *
Maria João Brito de Sousa - 26.07.2020 - 16.38h **
14 *
"Descer de lá do topo das alturas"
Mas tem que o fazer bem devagar
Senão pode cair e se aleijar
Perdendo os sentidos com tonturas *
Beber café é sim uma das curas
Para a tensão poder remediar
Melhor seria não subir/baixar
E não ter de curar essas rupturas *
Desejo-lhe as melhoras, fique bem
Merece ser feliz e ver vencido
O mal que a rodeia e que contem *
Estando bem, aposto, convencido
Brincava certamente aqui também,
"Houvesse, hoje, um versito distraído"... *
Custódio Montes
(26.7.2020)
publicado às 12:00
Maria João Brito de Sousa
DE ARMAS E BAGAGENS *
Pr`aqui me mudo de armas e bagagens;
Quinhentos anos de caminho errado
Perfazem-me o tristíssimo legado
Do quase nada achado entre miragens. *
Aqui, solto o meu verso, esculpo imagens,
Dignifico o soneto harmonizado
E, em mim, descubro o barco naufragado
Que, do naufrágio, tirou mil vantagens;
*
Grávidos, os porões, de mil mensagens,
Descubro-lhes, por fim, o cadeado
E a Chave bem complexa nas clivagens *
Dos dentes. Tudo fora conservado
Pelo sal, apesar das duras viagens
Que esta tola enfrentou no seu passado. *
Maria João Brito de Sousa - 27.07.2020 - 14.23h
publicado às 14:34
Maria João Brito de Sousa
URGÊNCIAS DO DIA A DIA *
No varandim de uns olhos imprestáveis
Debruça-se a razão que, em desespero,
Tenta dar conta de tudo o que eu quero
E só vislumbra vultos sempre instáveis, *
Sombras indefinidas, improváveis,
Rastos já desgastados pelo esmero
Com que os gastei. Até ao fim, severo,
O anseio de torná-los decifráveis *
E, nublando a alegria natural,
Emerge a nitidez de uma impotência
Que faz doer bem mais que o próprio mal. *
Depois... depois dilui-se essa emergência
Na criatividade pontual
E prontamente acudo à nova urgência. *
Maria João Brito de Sousa - 26.07.2020 -10.37h
Imagem retirada daqui
publicado às 12:22
Maria João Brito de Sousa
SE O CHICOTE DO RAIO ME ILUMINA *
Se hoje escrevo com força de trovão
E o chicote do raio me ilumina,
São as minhas memórias de menina
Que, debruçadas no meu coração, *
Me acendem, das razões que há na razão,
A improvável vela que, à bolina,
Singra agora, indomável peregrina
Dos ventos fortes, rumo ao furacão. *
Lembras-te, avô poeta, desses dias
De fortes chuvas e de ventanias
Que saudávamos sempre fascinados? *
Das vergastas de luz que ribombavam,
Colorindo as rajadas que sopravam
E os nossos rostos, mudos, assombrados? *
© Maria João Brito de Sousa - Julho, 2020
(no dia a seguir à grande trovoada de Verão)
Imagem, avó Alice, avô poeta e eu, na casa da Rua Luís de Camões, Algés
publicado às 13:28
Maria João Brito de Sousa
PEÇO DESCULPA, NEM UM VERSO OUVI... *
Houvesse, hoje, um versito distraído
Que por aqui passasse por acaso
E que algo murmurasse ao meu ouvido,
Pra poder-vos dar conta deste atraso...
*
Fosse de pé quebrado ou mal medido,
Quase a desvanecer-se num ocaso,
Gago que fosse ou tão mal construído
Que em tudo semelhasse ângulo raso, *
Que quisesse ser recto e não se erguesse
Um grauzito sequer que graça desse
A quem o visse ou lesse, por aí... *
Mas este que encontrei sem voz, nem dono,
Tudo quanto fará é dar-vos sono;
Peço desculpa. Nem um verso ouvi. *
Maria João Brito de Sousa - 24.07.2020 - 14.30h
publicado às 14:33
Maria João Brito de Sousa
AOS FUTUROS ENCANTADOS *
Aos encantados que um dia me cantem;
Mais tarde, assim que o tempo acenda a hora
De cantar quem partiu, quem foi embora,
Que sejais vós os que em versos me espantem. *
Agora, aguardo apenas que levantem
A cortina de ferro da demora
Para encantar-me toda, como outrora,
Nas sementes dos versos que outros plantem. *
No espaço deste tempo em que me sei,
Vou conservando em molho de luar
As sementes dos versos que plantei, *
Rebentos qu`inda estão por rebentar
Na memória do verbo em que me dei
A vós, os encantados por chegar. *
Maria João Brito de Sousa - 21.07.2020 - 12.34h
publicado às 12:58
Maria João Brito de Sousa
CONFINAMENTOS
*
Não fosse eu ter a prática que tenho
Em cativeiros e confinamentos
E ficaria seca como um lenho,
Em vez de abrir-me em versos suculentos... *
Enfrentemos, amigo, o tempo estranho
Ainda que espantados, sonolentos,
Recordemos em vão tempos de antanho
Enquanto os dias, cada vez mais lentos, *
Parecem ser, de Tântalo, a tortura
E se guarda o abraço e a ternura
No baú velho das coisas vividas; *
Não roda a chave nesta fechadura,
Mas há-de haver alguém qu`inda a procura;
Que se ache antes do fim das nossas vidas! *
Maria João Brito de Sousa - 22.07.2020 - 14.18h
Ao poeta amigo José Primaz
publicado às 20:00
Maria João Brito de Sousa
A VELA AROMÁTICA
*
Da Madona Sistina à minha sala,
De Rafael até à poesia
Vêm os anjos de que faço gala
Mostrar-lhe nesta vela que alumia *
E que um perfume delicado exala
Deixando a sala inteira em harmonia
Com a alegria desta que a não cala
Quando em soneto expressa essa alegria. *
Ei-la aqui, luminosa e rescendente
Enquanto cada anjinho, paciente,
Nos olhos guarda décadas sem fim. *
Por esse olhar os séculos passaram
E nem por um segundo dormitaram
Os anjos das asinhas de cetim. *
Maria João Brito de Sousa - 21.07.2020 - 23.48
À Janita
publicado às 23:52
Maria João Brito de Sousa
Leia aqui, se faz favor
publicado às 13:43
Maria João Brito de Sousa
FRACA JUSTIÇA INDUZ IRA TEMÍVEL
ou
VÊS MOINHOS?, SÃO DRAGÕES!
*
São moinhos de vento, estes meus dedos,
E meus olhos lanternas apagadas
A semi-vislumbrar cifras toldadas,
A adivinhá-las, como se a segredos,
*
Austeras fragas, disformes rochedos,
Sombras informes, loucas revoadas
De ilusões imprecisas, desmembradas
Ou enredadas em estranhos folguedos. *
Não fora a desmedida teimosia
Que a decifrar tais vultos desafia
Esta semi-cegueira (ir)reversível(?) *
E eternizada pela pandemia...
Ah, não vos sei dizer o que faria,
Mas se em brado o soltasse... era temível! *
Maria João Brito de Sousa - 20.07.2020 - 11.30h
publicado às 12:02