Maria João Brito de Sousa
GALOPE *
(Soneto em verso alexandrino) *
Nem sempre é transparente o verso em que me embalo
E nem sempre vos falo assim tão claramente,
Que a força da corrente é tanta que me calo
E só no intervalo oiço o que tinha em mente. *
O poema é prepotente, exalta-se e, num estalo,
Açula-me o cavalo em que cavalgo sempre
Que o verso emerge urgente, abrindo-se num halo
De assombro, ainda ralo, ainda incoerente, *
Ainda tão somente em vias de pensar
E até de se explicar, arfante e tão espantado
Que nem concebe errado expor-se a galopar *
Sem antes descansar, sem mesmo ter parado,
Sem sequer ter-se olhado: as ventas a soprar
E esse sopro a deixar o poema embaciado. *
Maria João Brito de Sousa - 30.06.2020 - 14.28h
*
Imagem retirada daqui
publicado às 14:59
Maria João Brito de Sousa
O ESTRANHO CASO DO DESCONHECIDO QUE VEIO MORRER NO MEU SONHO * * Deitou-se nos meus braços naufragados,
Esboçou um gesto e sem mais reacção
Morreu-me neles, de dentes cerrados
Feito um fardo de carne, um peso vão, *
Os olhos inda abertos, encovados
Nas órbitas de um rosto em convulsão
E os cabelos àsperos, suados,
Roçando a minha naufragada mão. *
Quem era? Quem não era? Não sabia
E o cadáver não mais responderia
Por muito que eu ainda perguntasse *
Porque é que no meu sonho falecia
Sem se dignar explicar por que o fazia
E sem sequer esperar que eu acordasse. *
Maria João Brito de Sousa - 27.06.2020 - 19.09h
publicado às 09:52
Maria João Brito de Sousa
EM ESTADO BRUTO *
Do sumo doce do mais doce fruto
Sacio a minha (in)saciável sede
No som que, silabado, se sucede
Ao sussurrado som que agora escuto. *
Mas se um verso me surge irado, hirsuto,
Soprando fúrias que mais ninguém mede,
Deixá-lo-ei rugir como me pede,
Que às vezes solto o verso em estado bruto. *
Nem sempre a razão tem supremacia
Sobre esta compulsão que o verso cria
Quando me guia nessa direcção *
E verga-se a razão dando passagem
Ao verso que transborda e galga a margem
De todas as razões que há na razão. *
Maria João Brito de Sousa - 27.06.2020 - 15.04h
publicado às 08:51
Maria João Brito de Sousa
Por favor, leia aqui
publicado às 20:27
Maria João Brito de Sousa
CREIO III *
Creio na paz, duríssima conquista
Do oprimido sobre o opressor,
Creio na utopia que se avista
Nos horizontes seja de quem for, *
Creio no sonho de cada alquimista
Desde que tenha mãos de produtor
E creio em cada humano que resista
A ser comprado por qualquer valor. *
Creio nos ventos que espalham sementes,
Creio nos crentes, creio nos não crentes
E creio, sobretudo, nos que entendem *
Que pode haver justiça para as gentes
Que erguem os punhos, que cerram os dentes,
Mas não desistem e nunca se rendem. *
Maria João Brito de Sousa - 27.06.2020 - 10.50h
publicado às 11:00
Maria João Brito de Sousa
CREIO II *
Creio nas ervas bravas, quando amargas,
Creio nas águas doces e salgadas,
Creio nas belas aves de asas largas,
Creio em florestas verdes de mãos dadas,
*
Creio nas grandes e pequenas cargas
Das nossas vidas sendo levantadas
Por nossas próprias mãos quando às ilhargas
Transportamos as crias ensonadas.
*
Creio nos gestos de boa vontade,
Na transitoriedade da verdade,
Nas lágrimas de dor ou de alegria, *
E nas ondas que o mar desfaz em espuma
Pra tecer brancas rendas que, uma a uma,
Se tornam espelho e voz da poesia. *
Maria João Brito de Sousa - 25.06.2020 - 13.20h
publicado às 13:33
Maria João Brito de Sousa
CREIO NO PÃO *
Pode o diabo ter-me até estendido
O pão amanhecido que mordeu
Mas, quanto ao resto, ter-vos-á mentido
Pois quem o amassou fui eu, só eu!
*
Se o diabo ficar aborrecido
Por ver-se despojado de um troféu,
Viro-lhe as costas, vou noutro sentido
E amasso um pão que seja mesmo meu.
*
A massa deste pão, quão mais cozia
Mais dourava, crescia e rescendia
Às ervas bravas da planura mansa. *
Nenhum demo este pão cobiçaria
Porque leveda nele a poesia
De alguém que em tempos idos foi criança. *
Maria João Brito de Sousa - 25.06.2020 - 21.00h
publicado às 00:15
Maria João Brito de Sousa
Leia aqui se faz favor
publicado às 11:38
Maria João Brito de Sousa
***
SINAS DE SIBILANTE *
(a António Giacomo Stradivari) *
A sílaba sustém-se (as)silabada,
Silente ou simplesmente sussurrante,
Ciente da ciência soluçante,
Suavíssima, secreta, (en)simesmada.
*
Submete-se à sessão silenciada;
Subtil solfejo de aço, sibilante,
Subverte a situação, insinuante,
Supinamente só, sobressaltada; *
Solta silvos, (a)ssusta, serpenteia,
(A)ssume a suave essência da sereia,
Semeia, sábia, a sã sabedoria, *
Suprime ou sobrestima a suspensão,
Sofre os silêncios, sofre a submissão...
Subitamente explode em sinfonia!
*
Maria João Brito de Sousa - 24.06.2020 - 10.30h
publicado às 14:08
Maria João Brito de Sousa
Leia aqui se faz favor
publicado às 20:02
Maria João Brito de Sousa
Leia aqui, se faz favor
publicado às 11:12
Maria João Brito de Sousa
ACORDEI *
"Tive pena, muita pena por ser dia"
E saber irreal quanto sonhara
Naquele instante-quase-alegoria
Dum ideal que sempre me guiara. *
Acordei tarde e cedo entenderia
As razões da tristeza em que acordara
Num mundo que eu pintara de alegria
E que em tragédias mil se me depara. *
Em sonhos o criara e já perdia
Esse ideal de mundo, essência rara
Que em sonho e só em sonho existiria
Já que a realidade é sempre avara *
E não nos dá sequer a garantia
De a madrugada vir a nascer clara
Depois da tempestade e da avaria
Ou dos ventos que varrem a antepara *
Da barca deste mundo. Que ousadia
Sonhar o que sonhei! Isto não pára,
Que os loucos de um poder que eu mal sabia
Vão reabrindo a f`rida que não sara!
*
Maria João Brito de Sousa - 21.06.2020 - 14.20h
*
Poema inspirado no último verso do poema "SONHEI..." de Joaquim Sustelo
publicado às 15:38