Maria João Brito de Sousa
VERDADE(S)III
EM (genuíno) SONETO ALEXANDRINO
(a da genuinidade) *
Tudo pondo em questão, duvido sem parar Da placidez lunar até à suspeição Com que encaro a fissão de teor nuclear, Não vá ela levar o mundo à perdição... *
Sou fiel como um cão, mas sou gato a sondar Tudo quanto encontrar espalhado pelo chão; Ignoro a frustração e afasto-a se chegar A mim sem me enlevar, nem me pedir perdão. *
Duvido por sistema e não deixo de crer Num versito qualquer que aspire a ser poema Seja qual for o tema a que se propuser, *
Portanto, mal puder, desfaço o tal dilema E não há voz suprema ou espada de aluguer Que me force a ceder se o verso em mim já rema. *
Maria João Brito de Sousa - 29.04.2020 - 13.00h
publicado às 09:41
Maria João Brito de Sousa
VERDADE(S) II
(a da singularidade) *
Creio na insustentável lucidez Do verso acabadinho de eclodir Que noutros se replica, achando vez Pr`acrescentar-se até se despedir. *
Creio no homem que consegue rir E no que chora ao fim de cada mês A fome que está farto de sentir E a raiva que lhe impõe novos porquês. *
Creio na irreverência dos felinos, Na clara transcendência de alguns hinos, Nos amanhãs que um dia cantarão, *
Nas doutas obras e nas comezinhas Coisas do dia-a-dia. Até nas minhas Óbvias fraquezas, que tão fortes são...
*
Maria João Brito de Sousa - 28.04.2020 - 16.30h
Imagem retirada daqui
publicado às 09:46
Maria João Brito de Sousa
VERDADE(S)
(a da evolução) *
Na verdade guardada a sete-chaves No cofre de uns arcanos poderosos, Não creio, não, que anseio como as aves Por simples vôos livres, silenciosos.
*
Na verdade que embarca em grandes naves Movida por segredos tenebrosos, Também não creio, não, que ponho entraves A testemunhos pouco rigorosos.
*
Não creio, não, numa única verdade Mas creio em cada espanto que a vontade Desperta em cada homem quando, atento,
*
Se permite aceitá-la inda inconclusa, E, assim, creio na fome que, profusa, Do próprio fruto retira alimento. *
Maria João Brito de Sousa - 27.04.2020 - 15.58h
publicado às 10:15
Maria João Brito de Sousa
A DATA-TERMO DAS NOSSAS FACTURAS *
Não sei se pelos meses vou passando, Se pelo fim do prazo das facturas Que, mês a mês, me impõem ir pagando, Tal qual fazem as outras criaturas *
Humanas como eu, que vão gastando Água, energia e gás. E que aventuras, Que ginásticas vamos engendrando, Que milagres pedimos, que figuras
*
Fazemos quando o prazo está findando E os euros já se foram nas verduras, No arroz e no pão, nada sobrando... *
Segunda conta-aviso... e mais tremuras! É iminente o corte, aniquilando De vez, sonhos e nervos. Vidas duras... *
Maria João Brito de Sousa - 27.04.2020 - 10.39h
publicado às 10:53
Maria João Brito de Sousa
SONETO SEM TÍTULO
ou
NAUFRAGANDO, SEM MAREAR
*
Por que fomes passaste, companheiro Feito de pó de estrelas como eu? Que sede insaciável te bebeu Sonho, sangue e suor do corpo inteiro?
*
Por que alto mastro ou por que chão rasteiro Passaste a vida que te anoiteceu Enquanto um velho sonho te prendeu À pulsão de ir ao mar sem ter veleiro?
*
Assim te vejo. Assim me aconteceu, Velho ou menino, casado ou solteiro, Lembrar-te ou inventar-te enquanto réu
*
De imaginário tribunal costeiro, Entre barcas com velas azul-céu E ondas moldadas em rodas de oleiro.
*
Maria João Brito de Sousa - 26.04.2020 - 14.25h
Imagem retirada daqui
publicado às 14:47
Maria João Brito de Sousa
25 DE ABRIL, SEMPRE! *
Chegou enchendo as ruas da cidade, Pintando cada casa de vermelho, Deixando que um do outro fosse o espelho Que em cada um espelhava a liberdade.
*
Semeou as sementes de igualdade Nas já cansadas mãos de cada velho E do jovem também, sem um conselho, Que tempo nunca teve, ou mesmo idade.
*
A todos pertencia e, por igual, De todos foi repasto e comensal Na grande mesa da libertação.
*
Fomos nós, povo, quem o conquistou E a nós cabe lembrar que, se murchou, Reavivá-lo está na nossa mão! *
Maria João Brito de Sousa -24.04.2020 - 10.30h
Imagem carinhosamente roubada do blog Relógio de Pêndulo
publicado às 12:59
Maria João Brito de Sousa
TERRA
*
Era uma rocha bruta, hostil à vida,
Soturna de aparência e fervilhante
De explosões e da lava borbulhante
Que toda a recobria, como ferida.
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Milhões de anos passaram de corrida
Pela árida rocha inda expectante,
Ainda de estar viva tão distante
Quanto de pela vida ser traída.
*
Depois, foi tanto o tempo que passou
Bebendo a luz do sol, que germinou
Em moléculas simples, toda inteira.
*
A evolução foi sábia no que fez
Quando aos poucos cobriu, de lés a lés,
De vida o que antes foi fogo e poeira.
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Maria João Brito de Sousa – 22.04.2020 – 17.49h
*
Imagem retirada daqui
publicado às 17:53
Maria João Brito de Sousa
ESTATUETA ANTIGA DE PEQUENO PORTE
*
Já fui menina. Tonta de impossíveis,
Bebi marés de sal, movi montanhas,
Moldei filhos e versos nas entranhas,
Fui-me ajustando ao nível dos desníveis.
*
Se contada, contei-me entre os passíveis
De estranhos serem entre almas estranhas,
Se não contada, ousei, como as aranhas,
Ir fabricando teias invisíveis.
*
Já fui a voz de todas as crianças.
Inspirei belas telas e faianças.
Fui de aguarela e de tinta-da-China.
*
Cresci, envelheci, fiz frente à morte;
Estatueta antiga de pequeno porte,
Eis o retrato desta velha ruína.
*
Maria João Brito de Sousa – 21.04.2020 – 11.30h
publicado às 11:50
Maria João Brito de Sousa
Leia aqui se faz favor
publicado às 14:45
Maria João Brito de Sousa
SEDE(S)
*
Bem mais depressa morro se desisto
De analisar o mundo, o sonho, a vida...
E analiso aquilo e, depois, isto
Perspectivando a coisa então escolhida.
*
É imenso, esse nada que conquisto
Através desta sede desmedida
Que posso descrever-vos como um misto
De espanto e de humildade. Se traída,
*
Não sabe como nem por que viver,
Murcha, entristece e deixa-se colher
Pela grande gadanha, sem protestos.
*
Enquanto viva e sempre que puder
Tudo analisa, quer é aprender,
Mesmo que lhe não sobrem senão restos.
*
Maria João Brito de Sousa – 17.04.2020 – 12.50h
Imagem - "Duas Mulheres Correndo na Praia" - Pablo Picasso
publicado às 11:54
Maria João Brito de Sousa
METROS QUADRADOS
*
Metros quadrados, poucos, que palmilho
No limiar da minha (im)paciência,
Formam o palco da minha existência
E o berço destes versos que partilho.
*
Metros, uns tantos, que amo e que perfilho
Como se impostos pela consciência
Dessoutra voz sem cor nem consistência
Que sussurra e ressoa qual estribilho.
*
Nestes metros quadrados me enraízo,
Observo o mundo e teço o meu juízo
Que sempre deixo aberto a novos dados.
*
De pouco, muito pouco mais preciso,
Pra vos não dar excessivo prejuízo,
Pr`além de uns tantos metros (en)quadrados.
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Maria João Brito de Sousa – 18.04.2020 – 09.50h
publicado às 13:59
Maria João Brito de Sousa
LINDA!
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Linda! Que bem vestida e bem calçada
Passava uma menina ali defronte...
Um pouco além, na linha de horizonte,
Outra passava suja e desgrenhada.
*
Coubera-lhe outra sorte e não ter nada,
Andar descalça, beber duma fonte
E morar na cabana lá do monte
Era-lhe igual a ter capa dourada...
*
Se era criança, ainda! Era-lhe igual
Trincar côdea ou bolacha de água-e-sal
E até a dura enxerga era bem vinda
*
Quando o sono chegava de mansinho
Depois do pão molhado em leite ou vinho
Que tivera por ceia. E como é linda!
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Maria João Brito de Sousa – 17.04.2020 -14.22h
publicado às 14:46