Maria João Brito de Sousa
OS MEUS OLHOS
*
Já viram, estes olhos, tanta dor,
Tanto espanto, tristeza e alegria,
Que, agora, me condenam ao torpor
De ver dez vezes menos do que via.
*
Minh`alma ousa sair da letargia,
Eriça cada espinho, abre-se em flor.
Debalde o faz. Demora, a cirurgia,
Muito mais do que alguém possa supor.
*
Vou despir-me da flor, tornar à pedra,
Essa, na qual a flor só nasce e medra
Quando tiver razões pra florescer.
*
As pedras nada vêem, nunca mentem,
São tão impenetráveis que não sentem,
Tão cruas que não querem nem saber.
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Maria João Brito de Sousa – 23.01.2020 – 13.12h
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Lembrando o poema METAMORFOSE, por mim escrito em 1990/91 *
Tenho alma de papoila;
Mal se toca, mal se agita,
Caem-lhe as pétalas todas
E fica morta, despida.
*
Outras vezes, a papoila,
Só por força do dever,
Transforma-se em rocha dura,
Resiste à dor, à tortura,
Nada a pode demover.
*
Mas rocha bruta ou papoila,
No palco fica a mulher;
Eu, metamorfoseada
Em anjo ou alma penada,
Ora papoila, ora fraga,
Conforme vos convier.
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Maria João Brito de Sousa – 1990/91 (?)
Imagem - Eu, fotografada por Carlos Ricardo
publicado às 13:09
Maria João Brito de Sousa
AINDA A VIDA
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Fosse este ainda o tempo em que eu sentia
Que, tal como essa flor, desabrochava
Da aridez de uma pedra nua e fria
Que, em troca, não me dava quase nada...
*
Mas não. É outro o tempo e a cada dia
Me descubro mais murcha e mais frustrada;
Não sei sonhar se vivo em agonia,
Nem florescer assim, estando vendada.
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Nada invejo, porém. Estou velha e gasta,
Mas ver-te, flor rebelde, é quanto basta
Para saber que a vida vale a pena.
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Da nudez do granito, pura e casta,
És grito a despontar na escarpa vasta,
Na rua ou na viela mais pequena.
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Maria João Brito de Sousa – 20.01.20- 12.00h
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NOTA - Soneto escrito para um desafio poético lançado pelo "site" Horizontes da Poesia. Também a imagem foi retirada do desafio desta semana.
publicado às 12:31
Maria João Brito de Sousa
BRINCANDO
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Pusilânime, o velcro do sapato
Abre-se e mostra a meia e expõe o pé
Que disso não dá conta, que não vê,
Nem sente quanto agora vos relato.
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Quem nisso reparou, foi o meu gato
Que mal assim o viu, que mal deu fé
Do velcro a ir e vir como maré,
Julgou ter visto a cauda de algum rato.
*
Fundem-se, gato e pé, numa só massa
Que gato que se preze, um rato caça,
Ainda que de velcro e cabedal
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Ninguém tirou proveito da caçada;
Escapei, mas fiquei toda esgatanhada
E dei um raspanete ao animal.
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Maria João Brito de Sousa – 13.01.2020 – 11.48h
publicado às 12:38