Maria João Brito de Sousa
EM CONTRA-MÃO
Também amei demais, se é que isso existe...
Mas, se isso existe, então amei demais;
Amei como quem prova e não resiste,
Amei como um mortal ama imortais.
Amei-te na alegria. Amei-te triste.
Amei-te sempre em doses desiguais
Que fui servindo enquanto as não puniste
Com desculpas, nem com condicionais.
Amei-te sempre até que desististe
De reparar nuns tantos ideais
Que pra ti preparei, mas que nem viste.
Amei-te em silenciosos rituais
Duma eloquência que me não pediste,
Flagrante, em contra-mão, cega aos sinais.
Maria João Brito de Sousa – 04.07.2018-14.33h
Na sequência da leitura do soneto “Amei Demais”, de Joaquim Pessoa.
publicado às 11:18
Maria João Brito de Sousa
EU, GATO COM GUISO
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Corro, corro, corro... mesmo não correndo.
Varro, limpo e estendo sem pedir socorro
E disto me morro, já que vou morrendo
De pouco ir fazendo no tanto que corro...
*
Dez metros percorro e já estão doendo
Do esforço tremendo, artérias que aforro
Para que num jorro me não vão perdendo,
Como depreendo enquanto discorro.
*
Do que era preciso, pouco ou nada fiz;
É certo que o quis, mas... mal me organizo
Com rigor, com siso, logo me desdiz
*
Um feito infeliz!, e eu, gato com guizo,
Confuso, indeciso, vivo por um triz,
Baixando o nariz, aceito o prejuízo.
*
Maria João Brito de Sousa – 25.07.2019 – 13.36h
Rabisco de minha autoria
publicado às 13:43
Maria João Brito de Sousa
SOMBRAS E CAMUFLAGENS
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Do que deixar por erros poluído,
Farei sempre triagem rigorosa,
Revendo o conteúdo e o sentido
De cada verso ou cada frase em prosa,
*
Não vá passar-me, assim, despercebido,
O espinho traiçoeiro, em vez da rosa...
Mas sempre escapa algum, meio escondido
Em frase de aparência mais viçosa.
*
Disso não tendo culpa, culpa tenho
De me não desculpar se vos arranho
Com espinhos que escaparam sem que os visse,
*
Mas são meu olhos sombras dos de antanho
Que viam erros do menor tamanho
Que alguém, sem dar por isso, produzisse.
*
Maria João Brito de Sousa – 16.07.2019 – 11.15h
Imagem retirada daqui
publicado às 11:25
Maria João Brito de Sousa
BOLAS DE SABÃO
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São tão lábeis, as bolas de sabão
Quanto os meninos são, sem o saber;
Elas, rebentam por qualquer razão,
Eles, não param de as fazer nascer
*
E embora as coisas sejam como são
- nem sempre fáceis de compreender -,
Para os meninos só a diversão
Os impele a correr, correr, correr,
*
Atrás de bolas que rebentarão
Ao simples toque dessa mesma mão
Que se esmerara para as conceber
*
E, desta feita, a gratificação
Reduz o feito à estranha dimensão
Da qual mais colhe quem menos colher.
*
Maria João Brito de Sousa – 10.07.2019 -22.09h
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NOTA - Soneto criado para um Desafio Poético no site HORIZONTES DA POESIA
publicado às 11:19
Maria João Brito de Sousa
ASSIM QUE ROMPA A AURORA
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Cansada de adular moda e pessoas,
Despojas-te de véus, quedas-te nua;
Tão pronto te rebelas quanto voas
Além da Terra e muito além da Lua.
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Bendito seja o som no qual ecoas,
Abençoada a voz que, sendo tua,
For abalando as mil de que destoas
Enquanto sobrevoas cada rua,
*
Porquanto nesse vôo te revelas
Capaz de confrontar-te com janelas
Com mais vista pra dentro que pra fora
*
E de onde a prepotente tirania
Te algeme à sua eterna miopia,
Escapar-te-ás assim que rompa a aurora!
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Maria João Brito de Sousa – 12.07.2019 – 09.19h
Gravura de Manuel Ribeiro de Pavia
publicado às 09:25
Maria João Brito de Sousa
ESTA QUE SOU
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Esta que sou, não é ninguém,
Do que sobrou, já nada tem
Pois cada bem se lhe esfumou...
Aonde eu vou, irá, porém,
*
Como convém a quem passou
E mal poisou, voou além.
Gerou desdém? Não soçobrou
E acabou por ser alguém.
*
Não há vintém? Nem se importou,
De quem a amou, fez-se refém...
Quem a detém se se encontrou?
*
Tanto teimou, que hoje mantém
Quanto a sustém. Nunca abdicou
E, se abrandou, foi pra ser mãe.
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Maria João Brito de Sousa – 06.07.2019 – 13.41h
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NOTA – Soneto em verso de oito sílabas métricas e rima encadeada na quarta e na oitava sílaba poética.
publicado às 13:47
Maria João Brito de Sousa
A ÁRVORE DA GRATIDÃO
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Estou-lhe grata por tanta gratidão,
Muito embora não julgue que mereça
Afeição tão sentida quanto essa,
Nem tão vasta e profunda, em dimensão.
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O talento que traz vem-lhe do chão;
Não há nada que o trave ou que o impeça
De dar-se quando a vida recomeça
E gera um fruto novo e doce e são.
*
Enquanto o novo fruto amadurece,
A chuva o dessedenta e o Sol o beija,
Só à árvore-mãe se reconhece
*
O mérito de dar, não tendo inveja
Das outras, pois que nelas se enternece
Até que toda ela frutos seja.
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Maria João Brito de Sousa – 04.07.2019 – 23.43h
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À minha amiga Idalina Pata pelo soneto intitulado "Para ti, Poeta", que teve a gentileza de me dedicar na décima primeira Antologia Horizontes da Poesia.
Imagem - "FLORA", estátua de Teixeira Lopes, Jardim da Cordoaria, Porto.
publicado às 23:51