Maria João Brito de Sousa
AO BEIJO DA “SENHORA DA GADANHA”
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Não, me distraio, não, só recupero
Do beijo da “senhora da gadanha”,
Mas não cedo um instante ao desespero
Nem a ela me entrego, se me apanha.
*
Quisera fazer mais, porém sincero
Será quanto produza, embora estranha
E lenta na palavra em que me esmero,
Pareça enquanto a morte me acompanha.
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Faltam-me os olhos, falham-me os sentidos,
Esfumam-se-me entre atalhos já esquecidos
Palavras que julguei serem legíveis
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Mas outros há que estando já perdidos
Ainda assim resistem, quando unidos,
A provações mais duras, mais temíveis.
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Maria João Brito de Sousa – 30.05.2019 – 16.34h
publicado às 08:31
Maria João Brito de Sousa
SILÊNCIO BRANCO
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Quando um branco silêncio estende as asas
Sobre esta nossa imensa pequenez
Ou entra subreptício em nossas casas
Sem dar a conhecer os seus porquês
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E tendo a dimensão das ondas rasas
Inteiro te fascina mal o vês,
Pois deixas que a mudez inunde as vazas
Desse pouco em que crês que não descrês,
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Do branco espanto nasce a melodia
E, em torno dela, o mais se silencia...
Proteste quem julgar que aqui divago
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Ou que afirmo o que nunca afirmaria
A quem possa entender que nada cria
A partir da mudez de um branco lago.
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Maria João Brito de Sousa – 30.05.2019 – 08.30h
A Jack London
Imagem retirada daqui
publicado às 11:33
Maria João Brito de Sousa
SONETO TARDIO II
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Tivesse eu garra(s) como tinha dantes,
Criasse eu asas com que me elevasse
E, ganhasse a miséria que ganhasse,
Voltaria a ser rica por instantes
*
Pois, inda que chovessem diamantes,
Disso desdenharia. Se eu voasse
Com asas que de novo conquistasse
A sonhos cada dia mais distantes,
*
Não mais este penar me esmagaria
E a suspeição de em tudo vos pesar
Com certeza de mim se afastaria
*
Para, num golpe de asa, dar lugar
À alegria de ser como seria,
Tão só me soubesse eu redesenhar.
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Maria João Brito de Sousa – 29.05.2019 – 20.17h
publicado às 20:27
Maria João Brito de Sousa
SONETO TARDIO
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Mergulhei no sonho das alegorias
Já que de energias e sons me componho,
E o tempo é risonho se der garantias
De enfrentar fobias sem medo ao medonho.
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Hoje pressuponho que, ao longo dos dias,
Só de horas vazias agora disponho...
Que mais me proponho quando, horas tardias,
Em vez de harmonias, encontro bisonho
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Um tempo a que oponho sons e melodias?
Sim, houve avarias, mas não me envergonho
Das coisas que sonho. Se roubas fatias
*
Dessas fantasias de sol e medronho,
Depressa reponho quantas me desvias
Pois nas sombras frias me adentro e me exponho.
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Maria João Brito de Sousa – 21.05.2019 – 21.16h
Imagem retirada daqui
publicado às 21:30
Maria João Brito de Sousa
O COMBÓIO DAS MINHAS MEMÓRIAS
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Que importa onde o combóio se passeie,
Se é tão belo o local, tão vasto o rio,
Tão alta a ponte que faz do vazio
Caminho certo ao qual ninguém receie?
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Não havendo desastre que o refreie,
Prossegue, este combóio, o desafio
De enfrentar, no Inverno, neve e frio,
No Verão, todo o calor que o incendeie.
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No ventre, leva gente alvoroçada,
Gente que fala e gente tão calada
Que mais parece feita de madeira.
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Adeus combóio das pequenas glórias,
Adeus viagens que hoje são memórias
De quem se queda imóvel na cadeira.
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Maria João Brito de Sousa – 06.05.2019 – 10.15 h
Nota - Soneto criado para um desafio de textos poéticos proposto pela administração do site Horizontes da Poesia.
publicado às 16:47
Maria João Brito de Sousa
VIVER CALANDO A VIDA
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Nasceu quente, este Maio, mas eu gelo
Privada de sentir garra e paixão...
As coisas que me nega um coração
Não maior do que um punho ou que um novelo!
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A mim, que o (des)cuidei com tal desvelo
Que, às vezes, mais lhe quis do que à razão
E que, a ela, a deixei sem protecção
Para ceder ao seu mais louco apelo,
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Nega-me agora a voz franca e sem medo,
Cala a palavra livre e destemida...
E eu mais uma vez me calo e cedo
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À sua prepotência desmedida;
Para que pulse, fico no degredo
De nem sequer poder cantar a vida.
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Maria João Brito de Sousa – 04.05.2019 – 15.33h
publicado às 15:45
Maria João Brito de Sousa
VIDEO
publicado às 12:02