Maria João Brito de Sousa
ATÉ SEMPRE!
*
Mortinhos andamos por saber das vidas
E lutas renhidas de servos e de amos,
Mas pouco ganhamos quando desmentidas
Ou mal repartidas nos diversos ramos,
*
Se as consideramos noções adquiridas;
Das coisas ouvidas, tudo partilhamos
E nem duvidamos. Se estão garantidas,
Quão mais repartidas, mais nos fascinamos.
*
Mas, hoje sem musa, que a musa fugiu,
Lembro Bento, o tio, e fico confusa...
A musa em recusa, pois Bento partiu
*
Concede-me um fio da malha inconclusa
Que em nada se acusa, mas faz um desvio;
Faz frio, tanto frio, que este “adeus” se me escusa.
*
Maria João Brito de Sousa – 30.11.2018 – 11.26h
*
Em singela homenagem ao poeta Bento Tiago Laneiro, mais conhecido por “tio Bento”, ontem falecido.
Até sempre, tio Bento!
Imagem retirada daqui
Aqui , em Oeiras, na pastelaria Paris, há cerca de nove anos.
Da esquerda para a direita, Landa Machado, eu, Vitor Castanheira, Dulce Saldanha e Bento Tiago Laneiro (tio Bento)
Fotografia gentilmente cedida por Landa Machado.
publicado às 11:49
Maria João Brito de Sousa
GRATIDÃO
*
Estou grata à vida e grata aos homens justos
Que lutam pra que a vida justa seja,
Mas sei que um ideal tem grandes custos
Para quem lute e para quem proteja,
*
À custa de cansaços e de sustos,
Os ideais que em consciência eleja
Inda que surjam espinhos muito adustos
Na vida de quem luta e não corteja
*
A corja que envilece o nosso mundo,
A vã glória dos sacos sem ter fundo
E a perfídia dos grandes lambe-botas.
*
Estou grata, sim, aos homens e mulheres
Que enfrentam as mentiras dos poderes
E sempre vencem, mesmo nas derrotas.
*
Maria João Brito de Sousa – 29.11.2019
Portugal
Nota – Em resposta ao belíssimo soneto homónimo de Raymundo Salles, Brasil.
imagem retirada daqui
publicado às 12:25
Maria João Brito de Sousa
A VERDADEIRA TIRANIA DO “GOSTO”
*
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”,*
Muda-se a velha coisa em coisa nova
E, reparando bem, tudo comprova
Que há vidas que se trocam por saudades.
*
Transmutam-se as mentiras em verdades
Que muito poucos podem pôr à prova
E alugam-se os bilhetes para a cova
Segundo as modas e publicidades.
*
Mas caso assento houvesse ao qual subir
E abismo ao qual descer, do lado oposto,
Jamais o novo se faria ouvir,
*
Nunca a uva daria senão mosto
E ninguém poderia evoluir
Senão na mira de ter mais um gosto.
*
Maria João Brito de Sousa – 28.11.2018 – 13.55h
*
*Verso inicial de Luís Vaz de Camões
Imagem retirada daqui
publicado às 14:07
Maria João Brito de Sousa
SEM LÁGRIMAS
*
Sem lágrimas te deixo, que eu não choro!
Há quanto, quanto tempo se esgotaram
as abundantes gotas que deploro
nos inocentes olhos que as choraram?
*
Mas se te olho melhor, se me demoro
no lago em que os teus olhos se espelharam,
não juro que com eles não faça coro
lançando-me nas águas que o formaram.
*
Não, não te sei dizer qual a razão
desta minha assumida obstinação
em não chorar por mim. Por dor alheia,
*
Por essa, choro sempre! Para dentro...
Sem lágrimas, acendo o fogo lento
de um mar que esteja sempre em maré-cheia.
*
Maria João Brito de Sousa – 26.11.2018 – 14.30h
publicado às 07:00
Maria João Brito de Sousa
SERVIDO EM PEQUENAS DOSES
*
Por cada verso, um beijo, um boca-a-boca,
que sinto se esse verso me cativa
e de senti-lo assim ninguém me priva,
porque o beijo me of`rece um beijo em troca.
*
Se pouco harmonioso, mal me toca;
naufraga à beira-ouvido ou segue à deriva...
Ninguém espere que pare ou que conviva
com verso errante que em nada se foca.
*
Vasos comunicantes, simbioses,
raízes, ramos, frutos requintados...
Em tudo se transmutam nossas vozes
*
Assim que geram versos musicados
que só servidos em pequenas doses
por todos devem ser saboreados.
*
Maria João Brito de Sousa - 26.11.2018 – 13.08h
Imagem - "O Beijo" - Gustav Klimt
publicado às 13:14
Maria João Brito de Sousa
DA EVOLUÇÃO DA LINGUAGEM E DA ESCRITA
*
Mais, muito mais que pr`alindar poemas,
Serve ao humano a interpretação
Da escrita em sua eterna evolução
Nos diversos gradientes dos seus temas.
*
É certo que nos traz alguns problemas
A não literalidade, a sugestão
Dos humanos anseios, da paixão
E até de outras questões menos extremas.
*
Ah, não tivesse a escrita evoluído
Passando a mais complexa e bem mais rica,
Que sonhos haveríamos perdido?
*
Quão mais complexa, quão melhor se explica
A escrita que por vezes eu pratico
E que a cada todos nos serve e gratifica.
*
Maria João Brito de Sousa – 25.11.2018 – 14.16h
publicado às 14:18
Maria João Brito de Sousa
TANTO MAR...
*
(Em verso dodecassilábico alexandrino)
*
Amei, quando era tempo, o ramo em fruto e flor.
Agora é bem menor, mais fraco o meu talento,
Bem menos turbulento e atenuado em cor,
Mas é ainda amor quanto hoje represento.
*
De quando tudo enfrento ao rir-me face à dor,
Renego-lhe o pior. Com muito ou pouco alento,
Tiro do mau momento o que haja de melhor;
Irónico, o esplendor, e estranho, o seu sustento...
*
Assim será por fim quando a luz se apagar
E nem mesmo o luar eu veja sobre mim,
Que é mesmo só assim que agora devo amar
*
Sabendo cultivar, não rosas de jardim,
Mas ramos de alecrim, do tal que cruza o mar
Pra poder inspirar mundos que o são sem fim.
*
Maria João Brito de Sousa – 24.11.2018 – 14.47h
publicado às 15:50
Maria João Brito de Sousa
VÔOS CRUZADOS EM VERSO ALEXANDRINO
*
Voar, voar, voar, ainda que por dentro,
ainda que sem tento, ainda que a lembrar
as ondas do meu mar nos braços do meu vento
e os rasgos de talento a que eu puder chegar
*
E decompõe-se o ar do qual eu me sustento
em espasmos de ouro lento e raios de luar
que ficam a pairar num pasmo sonolento,
sonhador, mas atento a tudo o que encontrar
*
Bastava-lhe sorrir. Nada porém bastou
quando o olhar focou no que estava por vir,
mas sem o omitir, nunca o justificou.
*
Nesse dia acordou para não mais dormir
apesar de sentir o quanto lhe pesou
tudo o que ultrapassou pra não escolher fugir.
*
Maria João Brito de Sousa – 23.11.2018 – 05.35h
publicado às 05:49
Maria João Brito de Sousa
VÔOS DE TODOS OS TEMPOS
*
Analiso tudo. Se o não compreendo,
aos poucos aprendo, porque nada é mudo...
Sei que não me iludo quando assim vou sendo
pois não mais pretendo, daquilo a que aludo,
*
Do que este veludo que me vai enchendo
Assim que me prendo nas malhas de tudo...
Dispo-me, contudo, do que antes fui vendo
e bem mais me estendo se de mim sacudo
*
O tecido gasto das ideias feitas...
Coisas imperfeitas com que a mim me basto
põem-me no rasto, mesmo rarefeitas,
*
De estradas bem estreitas, céu nada nefasto
onde tudo é casto e as pedras eleitas
Estando insatisfeitas, já nem dão pró gasto.
*
Maria João Brito de Sousa – 22.11.2018 – 11.21h
Imagem retirada daqui
publicado às 11:54
Maria João Brito de Sousa
SONETO ESCRITO NA CORDA BAMBA
*
“Há uma corda bamba nos meus passos d`hoje”
que quase me foge, que oscila e descamba...
Grito-lhe: Caramba, não és chão que aloje,
chão a que se arroje senão cobra mamba!
*
Hoje, danço um samba que me não despoje
desse toca e foge que um tal chão mal lamba,
que o sapato camba quando a tal se arroje
em chão que se espoje mais do que muamba
*
E já que o não faço na realidade,
não só pela idade, mas por não ser de aço,
aguento o madraço com serenidade,
*
Testo a qualidade deste ambíguo espaço,
galgo passo a passo cada ambiguidade
e, em boa verdade, pouco mais eu faço...
*
Maria João Brito de Sousa – 21.11.2018 – 12.47h
*
Soneto escrito a partir do primeiro verso do poema PASSOS DE OUTONO, da autoria de Joaquim Sustelo.
Imagem retirada daqui
publicado às 13:06
Maria João Brito de Sousa
Ler aqui, se faz favor
publicado às 11:26
Maria João Brito de Sousa
NOITE DE BRUXAS
*
“No escuro calado de noites sem fim”,
Despertando em mim presunções de mau fado,
Voeja assombrado um vulto que assim
Transforma o jardim num antro embruxado.
*
Se o ponho de lado, mais corre pra mim...
Begónia ou jasmim? Inquiri com cuidado,
Não fosse, zangado, crescer, crescer sim,
Bem mais que o jardim no qual estava plantado...
*
Não tive resposta, por mais que a esperasse.
Qual ave rapace, bruxinha não gosta
De à prova ser posta... mas, que não gostasse
*
E se agigantasse! Arrisco a proposta!
Fiz a minha aposta, embora aguardasse
Reacção oposta à que mais me agradasse...
*
Maria João Brito de Sousa – 19.11.2018 – 13.06h
*
Soneto escrito a partir do primeiro verso do soneto “Sem Rosto Nem Olhos, Sem Mãos Nem Dedos”, da autoria de MEA. (Maria da Encarnação Alexandre)
publicado às 13:19