Maria João Brito de Sousa
DE NAVEGANTE PARA NAVEGANTE
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Solidária me encolho se te acolho
não tendo senão chão sob os meus pés
e presa à inclemência das marés
só sei que enfrento a morte a cada escolho,
*
Mas posso dar-te o pouco que recolho
nesta barca sem templos, nem convés,
onde sempre escrevi quanto em mim lês,
o sal que me preserva e nunca molho.
*
Não sei que mais te ofereça, de momento;
Pousei os remos. Rói-me, a cada traço,
Éolo, adormecido a sotavento
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Dest` ilha que navego em pleno espaço
e abordar-te não sei. Só sei que tento
dizer-te que lamento. E que te abraço.
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Maria João Brito de Sousa – 31.10.2018 – 14.17h
Imagem retirada daqui
publicado às 14:25
Maria João Brito de Sousa
VIDEO
FRATERNA IGUALDADE
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A hora de Inverno chegou fria e escura
pintando a candura com laivos de inferno,
mas nada é eterno, nada tanto dura,
nem cabe a tortura no tempo moderno
*
E, no meu caderno, na minha moldura,
não há ditadura vestida de terno,
que eu cá me governo! Poeta e madura,
decreto a ternura de um mundo fraterno!
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Viva a liberdade... mas a verdadeira,
que não tem fronteira, que nunca se evade
pois traz a vontade como companheira
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Sempre à dianteira, beijando a verdade!
Que beije à vontade e que seja a primeira
a ser, toda inteira, fraterna igualdade!
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Maria João Brito de Sousa - 29.10.2018 – 11.30h
publicado às 09:06
Maria João Brito de Sousa
SONETO CONTRA-RELÓGIO
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Contra o relógio escrevo e, respirando,
aspiro à tal certeza que só tenho
porque nenhuma esperança tem tamanho,
nem morre enquanto a vida for pulsando
*
E faço frente ao medo, acreditando
no espanto em que me meço e redesenho
ódios sofridos nos tempos de antanho,
que os justos sempre foram derrotando.
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Que vista, a esperança, almas de toda a cor,
que a lucidez desperte finalmente
e acenda em vós quanto haja de melhor
*
Porque, mais do que nunca é , hoje, urgente
saber que o mundo aspira a mais amor
e cresce em esperança para toda a gente.
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Maria João Brito de Sousa – 28.10.2018 – 11.52h
A todos os irmãos brasileiros
Imagem retirada daqui
publicado às 12:10
Maria João Brito de Sousa
DA REALIDADE DE UM PESADELO
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Brandam-se espadas, (des)dobrando a esquina
do tempo dos relógios sem minutos
e morra o papagaio que se empina
e partam-se os pincéis, já devolutos!
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Queimem-se os óleos com terebentina,
troque-se a ordem dos demais produtos
pois, no final, há sempre alguém que ensina
que a morte e que a tortura colhem frutos.
*
Não sei que história narro. Se a repito
como um disco riscado, ou como um grito,
é porque a vejo vir, mesmo não crendo
*
Que possa repetir-se o pesadelo
desse Brasil, tão verde e amarelo,
esquecido do que em tempos foi sofrendo.
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Maria João Brito de Sousa – 27.08.2018 – 14.10h
Imagem retirada daqui
publicado às 14:18
Maria João Brito de Sousa
VIDEO
COM TODOS OS CRAVOS DO MEU JARDIM
À BEIRA MAR PLANTADO
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Não será populismo mas, provado,
tem do fascismo o pútrido sabor
e a mesma virulência de um passado
coberto de torturas e de horror.
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É fascismo!Fascismo descarado
alardeado em gritos de furor,
tomando as ruas como um tresloucado,
calando o samba pra se ouvir melhor.
*
Ah, quando um cego toma a dianteira
para impor por decreto essa cegueira,
faz cegar pela força e destrói tudo,
*
E não há factos, nem há argumentos
que possam sobrepor-se-lhe se, atentos,
fizerem frente à besta a que hoje aludo.
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Maria João Brito de Sousa – 26.10.2018 – 08.10h
*
Vídeo retirado daqui
publicado às 08:10
Maria João Brito de Sousa
PREENCHENDO TEMPO(S) DE ESPERA II
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Podia ter vestido a seda antiga
que guardo no baú da minha infância,
mas vesti-me de chita que, à arrogância,
nunca a tive por musa, ou por amiga.
*
Podia estar cantando outra cantiga,
mas não dou à aparência essa importância
e escrevo enquanto aguardo uma ambulância,
sentada num degrau, qual rapariga,
*
E não qual velha dama atormentada
por vértebra dorida ou herniada,
pois mais pode um poema do que a dor.
*
Assim, sobre mim mesma enrodilhada,
componho versos ao som da toada
da minha melodia interior.
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Maria João Brito de Sousa – 23.10.2018 – 18.15h
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No HSFX, aguardando a chegada do veículo de transporte de doentes não urgentes.
publicado às 15:57
Maria João Brito de Sousa
PREENCHENDO TEMPO(S) DE ESPERA
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Eu gosto das cidades que adormecem
e se espreguiçam quando, ao sol nascente,
libertas dos cansaços que entorpecem
transformam as manhãs num mar de gente,
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Gente pulsante em ruas que se oferecem
aos passos de quem chega, aos residentes
e às lendas urbanas que alguns tecem
no tear das questões mais transcendentes...
*
Mas não sou de cidade, nem de aldeia,
brotei à beira-mar, berço de areia
de sábios e de ignaros, por igual.
*
Aqui, onde me sei, não sou sereia,
mas guia-me a maré quando bem cheia
e quase inteira sou de água com sal.
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Maria João Brito de Sousa – 23.10.2018 – 15.35h
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No HSFX, aguardando a consulta de Ortopedia/Trauma
publicado às 21:06
Maria João Brito de Sousa
DORES E FASCÍNIOS
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Olha a vida que nasce e nos alegra,
repara na que parte e faz sofrer...
Observa a maravilha que congrega
cada pequena vida por nascer
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Que sabiamente em células se agrega
para dar alma à forma em que couber,
a que a todos nos cabe e nos integra
e a tudo desintegra por morrer!
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Creio ser certo ser a morte tida
por cruel, prepotente e pervertida,
sendo, afinal, apenas condição
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Para a renovação da própria vida...
Dói-nos a perspectiva da partida,
mas bem mais nos fascina a gestação!
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Maria João Brito de Sousa – 22.10.2018 – 13.22h
publicado às 14:46
Maria João Brito de Sousa
COM UM COPO DE CÓLERA E DE ESPANTO
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Com um copo de cólera e de espanto,
te saudarei, irmão que inda acreditas
e que cantas mais alto do que eu canto
nas horas de euforia ou de desditas.
*
É nesse mesmo copo, que levanto
por tudo o que relembras e creditas,
que verto, em simultâneo, raiva e pranto
e contigo partilho o que tu citas.
*
Se o copo for partido, não se cala;
Há sempre alguém que ergue outro e volta à fala,
que há sempre alguém que abraça o gesto justo
*
E ainda que a barbárie abra caminho,
não poderá roubar-nos todo o vinho
há muito conquistado a grande custo.
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Maria João Brito de Sousa – 21.10.2018 – 12.51h
A Raduan Nassar
publicado às 13:39
Maria João Brito de Sousa
SINOPSE II
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Desfazemos os nós, pintamos pombas,
Acudimos ao fogo, aos temporais,
Fatiamos o pão com facas rombas
Desgastadas ao fio... e somos mais!
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Outros, sem pena, vão lançando bombas,
Engendram belicosos rituais,
Roubam-nos luz e movem-se nas sombras
Das chagas que em nós abrem seus punhais.
*
Assim se perspectiva a história humana
E quem assim a vê, pouco se engana,
Que a isto a nossa vida se resume.
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Mas do lado de cá da barricada,
Do lado que escolhi, não estando errada,
Reinventa-se o mundo, aceso o lume.
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Maria João Brito de Sousa – 19.10.2018 -13.28h
Desenho - "Trabalhador", Vincent Van Gogh
publicado às 13:45
Maria João Brito de Sousa
NARRATIVA DE UMA DESPEDIDA
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Nos teus olhos encontro vida, ainda,
E uma espécie de encanto, indecifrável,
Discreto, porque a vida se te finda
Mas, como tu, directo, franco, afável,
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Pronto pra confirmar que a vida é linda,
Ainda que tão curta e sempre instável,
Apesar do pesar com que nos brinda,
Sendo-te, embora, a morte inevitável.
*
E adormeces comigo à tua beira
Deixando uma mensagem derradeira
Que criou vida própria e que perdura
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Até hoje e até sempre, enquanto eu viva.
(trinta e sete anos conta, a narrativa,
e eu não vos sei dizer se estou madura)
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Maria João Brito de Sousa – 18.10.2018 – 14.54h
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Soneto inspirado na leitura do poema “A Vida em Teu Olhar”, de Joaquim Sustelo.
Neste soneto, narro a partida do meu avô poeta, António de Sousa, trazendo-a para o momento presente.
publicado às 17:16
Maria João Brito de Sousa
OUTRAS NUVENS, OUTRAS TEMPESTADES
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Dobro a esquina de um lapso temporário.
O espanto errava então pela cidade
E não havia bruto ou visionário
Que não previsse aquela tempestade.
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Temeram-na o boémio, o solitário
E mesmo o aspirante à santidade
Se confessou às contas de um rosário,
Rogando abrigo, em vez de eternidade.
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Com que cimento o medo os reunia
Na mera suspeição da ventania,
Quando uma brisa sempre os separara?
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Cimentem-se vontade e lucidez
Sobre razões de idêntico jaez
Ou, desta, a tempestade sai-nos cara.
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Maria João Brito de Sousa – 17.10.2018 – 16.53h
publicado às 17:55