Maria João Brito de Sousa
MÃE
Sei-te velha menina inacabada
Com asas de papel de seda e espanto
Que adejam sobre tudo e sobre nada,
Deixando-te encantada em qualquer canto,
Sorrindo muito, ainda que magoada,
Muitas vezes rendida à beira-pranto
De olhos tristes, de lágrima arrancada
Ao livre choro que te tece um manto.
Vi-te de punho erguido pelas ruas,
Vi-te multiplicada em tantas luas
Quantas as marés-vivas te inspiravam
E vi-te, antes de ver-te, à beira Tejo,
Olhando o mesmo espelho em que me vejo,
Tecendo os sonhos que os demais sonhavam.
Maria João Brito de Sousa – 06.05.2018 – 09.06h
publicado às 09:12
Maria João Brito de Sousa
NA VIDA, NADA É LINEAR...
Mas se nem todo o bem é por igual
Sentido como um bem pra toda a gente
E se nem todo o mal se faz por mal
Podendo até brotar de algo inocente,
Se até a própria morte é, afinal,
Da vida que não pára e segue em frente,
O final de um caminho natural
Que foi vivido, embora brevemente,
Porquê dividir tudo em mal e bem,
Sem ter em atenção que há sempre alguém
Que quer fazer o bem e por bem faz
Algo que, ao fim e ao cabo, prejudica?
Se me não crês, repara e verifica
Que nada é linear. Sei que és capaz!
Maria João Brito de Sousa – 04.05.2018 – 11.12h
Imagem retirada da net, via Google
publicado às 09:10
Maria João Brito de Sousa
BEM-ME-VOAS, MAL-ME-VOAS
Que espécie de ave pensas que persigo?
Àquela que tu dizes perseguir
Não a vejo voar, mal a lobrigo
Na linha de horizonte, ou no porvir,
E, porque sou pardal, sempre te digo,
Se a tua crença assim mo permitir,
Que esse híbrido ideal, ao meu, mendigo
Desta imensa vontade a que me obrigo,
Nem morto o levarás a competir;
Multiplica-se, em vez de dividir,
Voa sem medo, dando a face ao p`rigo,
E canta, ora acordado, ora a dormir,
Sobre um mundo que nunca quis punir,
Já que nem quer saber o que é castigo!
Maria João Brito de Sousa – 03.05.2018 – 12.58h
publicado às 08:19
Maria João Brito de Sousa
VÔOS DE PARDAL
Tenta gerir o tempo do poeta
Que nunca sabe quando um verso chega
E tantas vezes no tempo delega
Versos que o dia a dia lhe prometa.
Tenta mudar a rota do cometa,
Ou tenta dar uma pequena achega
Ao imenso universo que ta nega,
Pois desconhece a sua própria meta!
Tenta deter o amor, quando paixão,
Tenta (re)programar a vocação
Impondo-lhe fronteiras, rumos, cais...
Tenta-o tu, porque eu bem sei que o não
Conseguirás. Terás tentado em vão
Deter o vôo livre dos pardais!
Maria João Brito de Sousa – 02.05.2018 – 15.15h
publicado às 08:32
Maria João Brito de Sousa
NÃO HÁ FIM PARA O SONHO. NÃO HÁ FIM...
Não há, neste planeta, mar nem céu,
Estrada longa demais, alta montanha,
Ponte suspensa sobre um medo teu
Que te trave esse sonho e, coisa estranha,
Um pouco desse sonho é também meu,
Um nada dessa chama em mim se entranha
E aonde chegar, chegarei eu,
Pois nisto ninguém perde. Só se ganha.
Não há fim para um sonho construído,
Nem haverá lugar para o vencido
Num sonho desta forma partilhado
Se, quando te pareça estar no fim,
Vês que mal começou dentro de mim
E que outros vão nascendo a nosso lado.
Maria João Brito de Sousa – 02.05.2018 – 12.54h
Imagem - Geoglifo de Nazca
publicado às 13:02
Maria João Brito de Sousa
NA TRINCHEIRA
QUINDETO
Escreve-se a morno. Apático e sem garra,
Como quem cumpre as penas de um castigo
Que o arrancasse à mais mundana farra
Para enterrá-lo num sombrio abrigo
Do qual não gosta, mas ao qual se amarra
Para fugir, escapar-se ao estranho p`rigo
Que o chama, que o persegue e quase agarra,
Porquanto não desiste, o inimigo,
Esse (des)conhecido em que hoje escarra.
Escreve como quem cava a própria cova,
Mas não deixa de dar a estranha nova
Como se de outra festa se tratasse.
Ergue a trincheira e dela faz rotina
Mas, vez por outra, falha e desafina.
Nada sei de outra sina que sonhasse.
Maria João Brito de Sousa – 30.04.2018 – 15.41h
publicado às 09:39