Maria João Brito de Sousa
MARAVILHA - O meu conceito de... *
Quando a realidade maravilha E se nos abre em todo o seu esplendor, Quando arrebata, porque em nós fervilha O sangue ardente do pesquisador
* Quando se acende a luz que tanto brilha E afasta toda a treva em seu redor, Assumo-me inteirinha enquanto filha, Não de quanto sonhar, mas do que for. *
Sempre que isso acontece e me arrebata, Dá-me, da maravilha, a forma exacta, O êxtase, o sabor da saciedade *
E, sempre que a renego, um peso imenso Conduz-me ao sonho róseo que condenso Num sucedâneo da realidade. *
Maria João Brito de Sousa – 29.05.2018 – 10.41h
publicado às 11:10
Maria João Brito de Sousa
CASTELO DE AREIA
Castelo de areia. Quem lhe reconhece,
No que prevalece, direitos de autor?
De mal a pior, o demais que acontece
Apenas se tece nas mãos do escultor,
Pois quando parece pronto para expor,
Desaba em clamor e depressa se esquece;
Não lança uma prece, um só grito, um estertor,
Por seja o que for que a morte lhe apresse.
Ninguém lhe conhece segredos de amor
(boatos, rumor, mal o mundo os soubesse,
que, se os conhecesse, os mudava em teor),
Ergue-se ao alvor, ao sol-pôr desfalece;
Por mais que o quisesse, cai sem ter valor,
Que nem pr` ó escultor essa ruína o merece.
Maria João Brito de Sousa – 27.05.2018 – 09.04h
(Soneto em verso hendecassilábico com rima intercalada.)
publicado às 09:25
Maria João Brito de Sousa
RELATIVIDADE(S)
A vida, tal e qual a evolução,
Despreza os planos feitos por terceiros,
Desenlaça-se e está sempre em expansão
Até ao fim dos tempos derradeiros
Em que é suposto rumar à extinção
Para dar vez à vez dos pioneiros
Da novíssima etapa deste chão
Em que nos cremos deuses, ou romeiros.
Não vos falo de um tempo que medimos,
Neste nada em que somos e sentimos,
Pelos relógios, pelos calendários
Que engendrámos, criámos e gerimos,
Nem dos prazos que nós instituímos;
De outro vos falo, infindo e sem horários.
Maria João Brito de Sousa – 25.05.2018- 10.39h
publicado às 10:57
Maria João Brito de Sousa
A FACE OCULTA DA EMOÇÃO
Repara como se usa e manipula
Uma emoção qualquer, a bel-prazer,
Se a razão não a filtra, nem regula,
E deixa que ela exerça um tal poder
Que o que havia de bom nela se anula
Pra dar lugar ao mau que nela houver
E te enreda, te prende, te encasula
Nas mais perversas tramas do teu ser.
Emoção livre e todo-poderosa
É cega, é surda, avança impiedosa,
Não olha a meios pr`alcançar as metas,
Não tem espírito crítico, nem pensa;
Ora beija, ora esmaga sem detença
Homens, mulheres, crianças e poetas.
MariaJoão Brito de Sousa – 23.05.2018 – 08.01h
publicado às 08:11
Maria João Brito de Sousa
MEDIR OS PASSOS
Se é facto que um caminho é perigoso,
Um descaminho pode sê-lo mais
Se se apresenta esconso e tortuoso,
Cheio de tabuletas e sinais
Que pequem por excesso e, mentiroso,
Te encaminhar ao fosso aonde cais,
Ao beco sem saída, mas vistoso,
Onde entres sem saber que já não sais,
À pedra em que tu possas tropeçar
De um conselho mal dado, ou de um por dar,
Que sempre algum conselho irás seguir,
E ainda que creias ir sozinho,
Mede bem os teus passos que um caminho
Nunca foi coisa fácil de medir
Maria João Brito de Sousa – 21.05.2018 – 13.00h
publicado às 09:39
Maria João Brito de Sousa
RUA SEM NOME
Se te indico um caminho, uma vereda,
A contra-gosto o faço, mas aviso;
Não tem honras de estrada, ou de alameda,
Nem de asfalto, sequer, será seu piso.
Não é nenhuma rota, que a da seda
Redundaria em risco e prejuízo;
É apenas um esconso, estreito friso
No espanto do que a vida te conceda.
Sendo um atalho, nem sequer tem nome,
Nuns dias terás sede, noutros, fome,
Mas, outros, eu jamais te apontaria,
Porque já trilho o meu há muitos anos
E, apesar dos muitos desenganos,
Eu mesma, outro melhor não escolheria.
Maria João Brito de Sousa- 19.05.2018 – 16.08h
publicado às 07:25
Maria João Brito de Sousa
GUERRA E PAZ
Há guerra e paz na voz com que protestas
E umas frutadas notas que não sei
Se te vêm de um tempo de aço e festas,
Se de outro, contra o qual me revoltei,
Mas há-as, que as senti, abrindo frestas
Na dor, quando a teu lado a partilhei,
No grito, como as ervas, como as giestas
Que em ti colhi, quando jamais plantei.
Que mais há nessa voz que é minha e tua,
Que mais trazes no som que vem da rua,
Se não a impotência da tristeza,
De não poder-te dar melhor, nem mais
Do que estes vôos rasos sem os quais
Talvez nem pão tivesse, sobre a mesa?
Maria João Brito de Sousa – 19.05.2018-17.04h
publicado às 09:18
Maria João Brito de Sousa
“PASSANDO AO LADO”
E quando mal se dorme porque a dor
Teimou a noite inteira, acrescentou-se
E, conseguindo levar a melhor,
Deixou dentro de nós a dor que trouxe,
Não há espaço pra sonho, ou chão pra flor;
Já nada é espanto, nada é pêra-doce
E tudo, analisado ao pormenor,
Parece um pesadelo. Antes o fosse!
Mas pesa-me, este longo desabafo;
Não tenho a fina lira que tem Safo,
Nem as paixões soberbas de Florbela.
Poeta de aço vivo e já tardia,
Subtraio à dor um pouco de ironia,
Passo-lhe ao lado e... já nem dou por ela!
Maria João Brito de Sousa – 19.05.2018 – 09.08h
publicado às 09:31
Maria João Brito de Sousa
MOAXAHA IV
Aos que em tudo acreditam me dirijo.
Corrija quem puder. Eu não corrijo!
Erros de paralaxe. O que serão?
Há que ter disso a mínima noção
E não acreditar de modo vão
Em tudo o que se vê nestas paragens
Onde se (des)constroem mil imagens.
Escorços, pontos de vista, perspectivas,
Visões em túnel, falsas narrativas
E crenças, serão como arestas vivas
Que muitas vezes saltam das mensagens
E te enredam na farsa das miragens.
“Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.”
Citando Miguel Torga, in DIÁRIO, 1941
Maria João Brito de Sousa – 18.05.2018 -12.33h
publicado às 13:04
Maria João Brito de Sousa
POR INSTINTO
Foi por instinto, apenas por instinto,
Que (quase) me quebrei pela cintura
E que agora me quebra a dor de um cinto
Que foi amparo de outra criatura.
Por instinto me sei, me dou, me sinto
Distante de estar “dita” e de ser “dura”.
Por instinto não quero, nem consinto,
Viver nas trevas de outro mal sem cura.
Por instinto, saí no intervalo
De um filme sobre a vida de um cavalo
Que foi domado à força e não morreu.
Por instinto te acuso, ó Panaceia,
Do mito que te encobre e que falseia
As mil “virtudes” desse mundo teu!
Maria João Brito de Sousa – 17.05.2018 – 12.27h
publicado às 12:37