Maria João Brito de Sousa
MOAXAHA
Eis o meu fruto. Foi este e só este
O que te alimentou enquanto o leste.
Poderá ser-te doce ao paladar
Ou, ao contrário, pode-te amargar,
Mas certa estou que te há-de alimentar
Ainda que a acidez o torne agreste.
Alimentou-te, e bem, quando o mordeste!
Outros não posso dar-te, que os não tenho;
Só estes brotam deste velho lenho
Que embora frágil, tortuoso e estranho,
Te fará recordar o que esqueceste,
Se acaso te esqueceres de que os comeste.
"Pelos seus frutos os conhecereis"
*Citando a Bíblia – Novo Testamento - Mateus 12:33
Maria João Brito de Sousa – 29.04.2018 - 23.28h
Gravura de Manuel Ribeiro de Pavia
publicado às 09:14
Maria João Brito de Sousa
MÃO(S) II
A mão que molda o barro, ao barro torna
Pra que não falte barro às mãos por vir,
Pra que haja novas mãos a ressurgir,
Pra que varie o barro, ao tomar forma.
Abençoada a mão que foge à norma
E se recusa ao gesto de oprimir;
Abençoada a mão que resistir
Moldando o mesmo barro a que retorna.
Olho esta minha mão. A tua. A nossa.
Sei que há-de fazer tudo quanto possa
Pra que outras sobrevenham depois dela.
À minha mão velhinha, em tempos moça,
Já o tempo a descarna e a desossa
Sobre um barro que a fez menina e bela.
Maria João Brito de Sousa – 26.04.2018 – 15.02h
publicado às 15:26
Maria João Brito de Sousa
QUASE, QUASE, QUASE...
*
Quase, quase, quase... que ninguém se atrase
Na primeira fase desta caminhada,
Porque é longa a estrada, fica longe a base
E, caso se arrase, não serve pra nada
*
Quase na chegada, quase, quase, quase,
No perfeito envase da planta regada,
Força nessa enxada, ninguém se desfase
Que está mesmo quase, a nossa empreitada
*
E, neste momento, está quase cumprida
Esta nova vida que se solta ao vento
Se inda sobra alento, depois da corrida
*
Porque repartida, tentas como eu tento
E para o mais lento tem de haver saída:
Amem quanto é vida, cumpram-se em talento!
*
Maria João Brito de Sousa – 22.04.2018 – 10.28h
*
À MEA e a todos os poetas. Aos sonetistas. A Abril. À VIDA. Escrito a correr porque estou de saída. Peço desculpa pelos eventuais erros métricos, sintáticos e/ou morfológicos.
publicado às 10:42
Maria João Brito de Sousa
Quase a vinte e dois, espero o vinte e cinco.
Espero com afinco que venha depois.
Quanto mais me dóis, menos rio, mas brinco;
A porta, no trinco, a canga sobre os bois,
Sejamos heróis! Eu já pouco trinco
E caibo num vinco de quanto constróis,
Tu, que o trigo móis e que suas a pingo.
Eu, sei que não vingo. Tu, ages por dois.
Estou velha e doente. Tu trabalhador,
Jovem produtor, seguirás sempre em frente,
Que ele há muita gente dando o seu melhor.
Também o pior hás-de ver. Sê prudente,
Que ao mundo, demente, sobra engano e dor
E eu já sei de cor que nada é transparente.
Maria João Brito de Sousa – 21.04.2018 – 12.57h
publicado às 13:15
Maria João Brito de Sousa
O FEITIÇO DA ÁGUA
Cobriste-me de dogmas e de ideias,
Ingénuas, umas, outras, consistentes.
Conheces as razões por que as semeias
E a ti te contradizes, se as desmentes.
À luz, porque a procuras com candeias?
Às trevas, se as houver, por que as consentes?
Nas malhas que teceste, por que enleias
Fios que eu desenredei usando pentes?
Vens cobrir-me de um pó viscoso e espesso,
Mas a minha vontade não tem preço
E bem me basta o pó de cada dia.
Leva contigo o visco que te sobra,
Que eu não sirvo de pau pra toda a obra.
Antes serei maré. Mesmo vazia.
Maria João Brito de Sousa – 19.04.2018 – 14.07h
Imagem retirada da net, via Google
publicado às 15:16
Maria João Brito de Sousa
IMAGINE
*
Imagine-se a dor da companheira,
Da mãe que o concebeu, da sua irmã,
A angústia da família, toda inteira,
Que foi vê-lo partir nessa manhã,
*
Imagine-se a bela cigarreira
De que Pessoa fala, intacta e vã,
Caída mesmo ali, à sua beira,
Como um grito de paz na terra chã. *
Imagine-se o todo, em pormenor;
A surpresa, a revolta, o espanto, a dor
E o buraco negro que os sucede
*
Imagine medir, se capaz for,
A grandeza, o tamanho desse horror
Que eu tenho para mim que se não mede...
*
Maria João Brito de Sousa – 16.04.2018 – 13.11h
*
NOTA - Na sequência da leitura de um poema homónimo de António Manuel Esteves Henriques
publicado às 13:20
Maria João Brito de Sousa
Um míssil corta o ar. Como sorrir?
Como saudar o sol num dia assim,
Como parar para pensar em mim,
Como saber se vai haver porvir?
É disparada a bomba. Se eu fingir
Que nem sequer a vi - mas vi-a, sim!-
Talvez a minha paz não chegue ao fim...
(dirão alguns, porque eu não sei mentir)
Da minha grande, imensa pequenez,
Assaltam-me as perguntas que talvez
Também te tenhas feito neste dia.
Olho através de um denso nevoeiro
E, nada vendo, vejo o mundo inteiro
Mergulhado na dor de outra agonia.
Maria João Brito de Sousa – 14.04.2018 – 12.44h
Imagem "emprestada" pelo blog conversaavinagrada.blogspot.com
publicado às 13:09
Maria João Brito de Sousa
Atrás das pegadas, sigo passo a passo,
Negando o cansaço, sem horas marcadas,
Nem rotas pensadas, pisando o sargaço,
Meu rasto e meu traço nessas caminhadas
Das tardes passadas. Do que já não faço,
No tempo e no espaço, restam, recordadas,
Todas as passadas de umas pernas de aço,
Pedaço a pedaço, velhas, desgastadas.
Olho o mar distante. Mudou de lugar
E veio morar, líquido, exuberante,
No poema errante que estou a criar.
Quem o procurar, não crê que o gigante
Fique um só um instante onde o instalar,
Mas dou espaço ao mar se acuar em vazante.
Maria João Brito de Sousa -13.04.2018 – 20.13h
Na sequência do soneto "Ausências", de MEA
publicado às 20:43
Maria João Brito de Sousa
FADO CHOVIDO
Quando a Chuva me leu, fez-se uma aberta,
Deixou que o Sol sorrisse por instantes
E aqui estou eu, tão seca quanto antes
Do apelo ser lançado em rota incerta.
Porque um apelo foi, nunca um alerta
Ao coração das águas abundantes,
Foram, as nuvens, meigas e galantes
Pra com uma poeta mal coberta.
Agradeço-te, ó Chuva, a gentileza;
Tal cuidado revela uma grandeza
Maior que a que eu podia ter esperado.
Não sei qualificar tanta nobreza,
Nem poderei sentar-te à minha mesa,
Mas posso aqui compor-te um novo fado!
Maria João Brito de Sousa – 12.04.2018 -17.01h
À MEA/Chuva
publicado às 18:21
Maria João Brito de Sousa
Num segundo construo e desconstruo,
noutro, revejo a coisa construída
à custa de um suor que já nem suo,
de mim, se por mim mesma fui seguida.
Às tantas... quem sou eu, se apenas fluo?
O que resta de mim se diluída
nas palavras que penso, exalto, intuo,
sou mais de ideias feita que de vida?
Cobre-me o corpo inteiro a voz que estuo
e é esta mesma voz, de que usufruo,
que urge a tentar colar-me, se partida,
Que, caco a caco, vem manter-me unida,
que me chama criança quando amuo
e me renova, assim que me (in)concluo.
Maria João Brito de Sousa – 10.04.2018 – 15.30h
publicado às 09:32
Maria João Brito de Sousa
Naquela noite, toda a noite riste.
Eu, mera narradora do que observo,
Observava-te inteiro, nervo a nervo,
Curiosa, inda que absorta, inda que triste.
Naquela noite, nem sequer me viste,
Não foste o meu senhor, nem o meu servo,
Foste a razão de ser do que eu preservo
E o pouco que de ti em mim persiste.
Não sei do que falaste. Eu não falei.
Olhei-te tanto quanto a mim me olhei
No espelho do teu sono e do teu riso
E quanto mais te olhava, mais preciso
Se me tornava olhar-te como olhei,
Nessa noite em que riste e eu não chorei.
Maria João Brito de Sousa – 10.04.2018 – 11.11h
publicado às 11:27
Maria João Brito de Sousa
UM FADO À MINHA PORTA
Quando um fado vier bater-me à porta
Não lhe peço respostas prá razão
Que faz da voz magoada em que se exorta
Mais do que simplesmente uma canção.
Se a sua silhueta se recorta
Na escada onde se apoia ao corrimão
E vislumbro a guitarra que transporta,
Abro-lhe a porta, não lha fecho, não.
Talvez, por uma tarde, conversemos
De coisas que ninguém tem de saber,
Talvez me contagie e então cantemos
Aquilo que em poema acontecer,
Ou talvez simplesmente ambos sonhemos
Até Morfeu chegar pra nos render.
Maria João Brito de Sousa – 06.04.2018 – 11.10h
NOTA – Na sequência do soneto “Há Algo no Fado”, da autoria de MEA.
publicado às 11:51