Maria João Brito de Sousa
BOA PÁSCOA
(2018)
Faz vento, morde o frio e ruge o mar,
Mas é já tempo da renovação
Que Ostera nunca deixa de engendrar
Nos campos que incendeia de paixão,
Na vida, que começa a despontar,
No gesto que se rende à compulsão
De ver, de abrir os olhos, de acordar
Pra receber a nova geração.
Que esse futuro seja bem mais justo,
Que a chama seja mera alegoria
E nos não traga morte, horror e susto,
Que não sucumba a Vida na agonia
De tão caro pagar seu próprio custo
E que, de vez, se esmague a tirania!
Maria João Brito de Sousa – 30.03.2018 – 08.56h
publicado às 09:40
Maria João Brito de Sousa
Aposto a minha vida, a minha morte
E até a lira desta minha musa
Na vontade do Homem que recusa
Obedecer calado à própria sorte.
No que ergue a bujarrona e ruma a Norte,
Faz frente à tempestade, arrisca, abusa,
E, quando injustiçado, investe, acusa,
Aposto. Aposto sempre. Aposto forte.
Mas no pavão, no falso e capcioso,
No que protesta só pra ter o gozo
De se ouvir tanto mais quão menos diz,
Nesse tolo fanático e vaidoso
Não aposto uma linha das que coso
No meu gasto tapete de Beiriz!
Maria João Brito de Sousa – 29.03.2018 – 14.46h
publicado às 15:09
Maria João Brito de Sousa
UM POUCO MAIS DE MIM
Um pouco mais de mim, que nada sou,
E um pouco mais de tudo o que não tenho;
Num quase, quase nada me desenho
E noutro quase nada aqui me dou,
Eu, sombra de outra sombra que passou,
Eu, qual reminiscência de algo estranho
E anseio sem potência, nem tamanho
Para alcançar aquilo que sonhou.
A sombra não desiste, mas pondera;
- Se nada disto existe, quem me dera
Que à sombra se sonhasse o sol dos dias...
Pelo raiar do dia a sombra espera,
Sonhando enquanto aguarda... é Primavera
E nem todas as sombras são sombrias!
Maria João Brito de Sousa – 28.03.2018 – 10.18h
NOTA – A um título “usurpado” à poeta/poetisa Maria do Rosário F. Serrado Freitas.
publicado às 10:51
Maria João Brito de Sousa
MINHA BARCA
Minha âncora num mar de aceso espanto,
Meu sangue e minha carne retalhada,
Minha amurada em tábuas de pau-santo,
Minha palavra acesa, se negada
Na rota do meu traço e do meu canto,
Tantos dirão que não te quero nada,
Quando te quero tanto, tanto, tanto,
Que me levanto, mesmo abalroada,
E te dispenso sem ceder ao pranto,
Se o mar te chama mais do que eu te chamo,
Ou se a maré reclama o que eu reclamo
E me prende num cais por inventar,
Num cais de sonhos que nunca acordaram
Porque no teu convés nunca embarcaram,
Quando, sem ti, nem sei se sei sonhar.
Maria João Brito de Sousa - 27.03.2018 – 10.11h
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NOTA - O Quindeto é um poema composto por quinze versos distribuídos por cinco esfrofes; uma quintilha, uma quadra, um terceto, um dístico e um monóstico.
O esquema rimático é o seguinte;
ABABA BABA CCD EE D
Esta fórmula poética que foi criada em 1966 pelo poeta brasileiro Benedito Machado Homem, pode desenvolver-se em versos que vão das oito às doze sílabas métricas.
(este "Minha Barca", de minha autoria, foi trabalhado em decassílabo heróico)
publicado às 13:39
Maria João Brito de Sousa
Saudades? Essas, tenho-as das corridas
E das longas conversas com meu pai...
Do mais, toda a saudade se me esvai,
Do mais, foram lambidos sangue e f`ridas
E embora vez por outra concedidas,
Pequenas como ramas de bonsai,
Nunca me atormentaram – perdoai... -
Saudades de outros tempos, de outras vidas...
Tudo tem o seu tempo, no seu espaço,
E, aqui, sobram-me as horas de cansaço,
Que é grande o esforço pra tanto equilíbrio;
Neste fio de navalha o tempo é escasso
E a cada passo piso um espigão de aço
Da lâmina acerada do ludíbrio.
Maria João Brito de Sousa -26.03.2018 – 11.00h
publicado às 11:28
Maria João Brito de Sousa
Desata-me esses nós ou fico presa
a rictos tão banais quanto vazios,
eu, cuja verdadeira natureza
é a da Terra quando pare os rios,
Ou em vulcões vomita lava acesa
gerando ardências nos locais mais frios...
Aqui me encolho à escala da grandeza
na pequenez de humanos desvarios,
Mas se do que te afirmo saio ilesa,
ou me descrês capaz de tais desvios,
lembro-te tudo quanto sirvo à mesa
Nos frutos mais precoces ou tardios
dos versos de quem nunca te despreza
e há muito desenreda os nós dos fios...
Maria João Brito de Sousa
20.03.2018 – 17.09h
publicado às 09:46
Maria João Brito de Sousa
NOUTRO LAPSO DE TEMPO
Acordo como as aves libertadas
do suavíssimo amplexo de Morfeu,
mas só dois cotos de asas depenadas
me restam pra tentar sondar o céu,
Ou ir poisar nas telhas assentadas
por outros que são aves como eu...
Já só palavras trago... e desgastadas
e fartas de saber que o risco é meu.
Sou livre e, em simultâneo, a prisioneira
que, sujeita a viver desta maneira,
desmente tudo aquilo que não tem
E enquanto alguns não sabem que fazer,
sei quanto faço pra sobreviver,
sei quanto peno por não ser ninguém.
Maria João Brito de Sousa
20.03.2018 – 11.12h
Escrito na sequência da leitura do soneto “Num Lapso de Tampo”, de Albertino Galvão
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publicado às 11:28
Maria João Brito de Sousa
MOTE
“Ah, quanto tempo levará ainda Para mudar as coisas na verdade! Até que a viela venha a ser tão linda Como outro qualquer ponto da cidade!” Joaquim Sustelo
(editado em COMO UM RIO…)
“Ah, quanto tempo levará ainda”,
Quanta incerteza aos pobres desilude
Numa dureza que nunca mais finda,
Pra que isto mude, irmão, pra que isto mude?
“Para mudar as coisas na verdade(?)”,
Leva-se a vida em esforço a tempo inteiro
Que a estrada que nos leva à igualdade
Está bem guardada pelo deus-dinheiro.
“Até que a viela venha ser tão linda”
Como a Rua do Sonho em Construção,
Dar-se-ão passos que não terão vinda,
Lutas de geração em geração...
“Como outro qualquer ponto da cidade(!)”,
Fervilha essa viela de paixões
Mas, cá por dentro, sei que a liberdade
Verá cair o tal deus dos cifrões!
Maria João Brito de Sousa – 16.03.2018 – 11.44h
NOTA - Não é soneto, mas todo o poema é construído em verso decassilábico (heróico)
publicado às 16:58
Maria João Brito de Sousa
Não sei explicar-te quão feliz me faz
ver-te florindo em verso, ó produtora
do instante em que a “poiesis” se demora
para firmar raiz num chão capaz,
Mas trazes-me alegria e dás-me a paz
que te transmuta em linha condutora
deste (re)verso que ao meu gesto aflora
ainda que, hoje, frágil e fugaz...
Nasce, cresce e subsiste esta empatia
mútua e fecunda, toda melodia
e força e gesto e fruto da amizade
Que tão espontaneamente cresceria
entre nós duas, rumo à Poesia
que a ambas nos comanda e nos invade.
Maria João Brito de Sousa – 15.03.2018 – 14.44h
À MEA, na sequência da leitura do seu livro “Desafios Com Alma”, Euedito - 2018
publicado às 15:44